quarta-feira, 30 de setembro de 2015

A ROYAL NIGHT OUT (2015) de Julian Jarrold



 Vivemos num mundo obcecado com celebridades, numa verdadeira cultura de veneração da celebridade. Almejamos estar próximos dessas distantes figuras, queremos saber detalhes da sua vida privada e queremos que pareçam próximos de nós, que pareçam normais, humanos, fáceis de relacionar com as nossas vidas, mas, paradoxalmente, queremos que sejam magníficas, superiores, pomo-las em pedestais e declaramos a sua importância, distanciando-as na mesma medida que nos tentamos aproximar. Dos filmes que estão, neste momento, no cinema, Life de Anton Corbijn será talvez mais fácil de relacionar com tais afirmações sobre cultura, mas penso que A Royal Night Out de Julian Jarrold é fruto desse preciso tipo de pensamento. A rainha Elizabeth II é, especialmente para o mundo exterior à Commonwealth, uma figura pública, uma celebridade, e neste filme, por meio da ficção histórica, aproximamo-nos dessa figura da celebridade. Aproximamo-nos de uma visão açucarada e artificial dessa figura, uma criação tão perto de quaisquer noções de realidade como as princesas dos filmes de animação da Disney, não fosse este filme, basicamente, uma comédia romântica à volta de princesas.

 O filme começa como uma comédia familiar, olhando a dinâmica entre a família real inglesa aquando da vitória da Europa na segunda Guerra Mundial por parte dos aliados. Depressa somos introduzidos a uma dinâmica de caricaturas leves e afáveis, uma rainha disciplinada e ríspida (Emily Watson) e o rei George VI (Rupert Everett), no seu papel de afável patriarca cheio de compaixão para com as filhas, as princesas Elizabeth (Sarah Gadon) e Margaret (Bel Powley). Depois de suplicarem aos seus pais, as duas princesas têm a oportunidade de passarem a noite de festejos em Londres, se bem que sob restritas condições impostas pela rainha. Margaret acaba por fugir aos seus guardas/acompanhantes militares e Elizabeth persegue-a por Londres, tornando-se o filme numa espécie de Adventures in Babysitting com princesas e uma insinuação de romance na figura de Jack (Jack Reynor), um militar republicano que acompanha Elizabeth na procura pela sua irmã. Passamos por festas, pubs, um discurso do rei, clubes ilícitos e festas de soldados, até que ao raiar do dia tudo volta ao normal, depois duma noite de aventuras alegres. Uma história básica, simplista e com uma pátina de açúcar nostálgico capaz de induzir irritação cética para as audiências menos disponíveis a desligarem o cérebro por 97 minutos.

 O filme, em geral, é dotado de um eficiência desinteressante, sendo que seria erróneo acusá-lo de ser um desastre de execução, mas todas as escolhas me parecem desinspiradas e com uma tendência a cair para a mediocridade ou simples e sólido trabalho como um ar de nostalgia. Talvez, tecnicamente falando, o púnico aspeto a que tenho de fortemente objetar é a banda-sonora, fortemente adaptada da música da Glenn Miller Orchestra, o filme depressa se torna musicalmente repetitivo de um modo que detrai do seu geral charme, começando a cair na irritação e deprimente falta de criatividade.

 O elenco segue esse mesmo modo de eficiência simples, sendo que, com duas caricaturas para interpretarem, Everett e Watson são presenças bastante prazerosas, como seria de espectar. As verdadeiras joias do filme são as duas atrizes nos papéis das princesas. Sarah Gadon cujo trabalho com David Cronenberg tem marcado a sua emergente carreira, é aqui uma apta princesa Elizabeth, com um carisma que demanda a atenção da audiência sem ser forçoso, e um olhar com um ligeiro insinuar de melancolia que faz com que os momentos mais desajeitadamente dramáticos, como a abertura do filme, tenham uma boa, se minúscula, dose de peso e importância. Mas é Powley que realmente brilha no filme, interpretando uma exagerada visão de uma divertida e inocente princesa adolescente numa aventura de diversões constantes, dança e álcool. Com um papel que poderia cair na descarada e até ofensiva caricatura grotesca, Powley torna a princesa Margaret no mais luminoso aspeto do filme.

 Mas, independentemente do charme das suas protagonistas, é irremediavelmente estranho ver uma obra de tão descarada ficção histórica em que a principal figura ainda se encontra viva, e, ainda mais importante, permanece uma figura pública de relevância. O filme, em parte devido a isso, mas também devido ao seu tom geral de comédia romântica inofensiva, nunca toma qualquer risco, fazendo com que um enredo com prostitutas e criminosos se torne na coisa mais irreconhecivelmente alegre e impossível de objetar possível. Para uma noite de loucas festas, o filme é imensamente amedrontado pela possibilidade de ofender, ou explorar com alguma complexidade o que quer que seja. Normalmente, em narrativas deste tipo, quando acompanhamos uma figura jovem através de uma noite de festejos até ao início do dia seguinte, embarcamos numa viagem ou emocional ou existencial, o que for, com algum sentido de mudança, nem que seja de perspetiva, quando o filme acaba, aqui nada disso se regista. Apenas um regresso à normalidade de tudo, mostrando o filme como uma inconsequente peça de sobremesa cinematográfica sem nada para oferecer a não ser alguns momentos de charme sem pinga de sofisticação e que é, honestamente, de um imenso aborrecimento.

 O mais grave disto tudo, será mesmo o modo como o filme retrata o final da 2ª Guerra Mundial na Europa, nunca lhe concedendo a sua suficiente atenção ou peso. Acabamos com uma celebração de algo que não é exposto no filme, a sombra da guerra uma mera e vazia menção aqui e ali. A injeção de alguma complexidade nas opiniões políticas de Jack parece sempre superficial e forçada. O filme mostra a noite em que a Europa celebrava o fim de um sofrimento inimaginável, o fim de um dos maiores cataclismos na história deste continente e, no entanto, apenas nos focamos na viagem de liberdade fugaz de uma adolescente princesa. Percebo que pedir mais do filme, talvez, seja uma tolice, mas, tendo em conta a importância textual da guerra, é-me repugnante o seu tratamento neste filme e me lembra o modo como essa parte da história tem sido usada por Hollywood, e não só, de modo simplista cuja consequência é apenas a sua banalização e a ignorância da sua audiência. O filme não tem nenhuma complexidade e o máximo de perspetiva histórica que quer tomar é parecida com as da série Downton Abbey: as coisas eram maravilhosas mas tiveram de mudar, viva a aristocracia, a monarquia e sua proximidade com as classes baixas. O filme tresanda de uma ingenuidade elitista que me é difícil de engolir, apesar das suas simples intenções e relativa inocência.

 É um filme simples, sem ambições ou complexidades. Uma comédia vazia mas que dará alguns momentos de felicidade a certas audiências. Uma peça de sentimentalismo nostálgico que celebra a sua figura central, se revela na sua humanidade e caridade, e tenta arrecadar algum lucro a partir do interesse do público na figura da presente rainha de Inglaterra, aqui uma doce adolescente numa noite de divertimentos ligeiros e fáceis de apreciar mesmo pelas mais conservadoras audiências. Um filme que cairá no esquecimento, como tantos outros filmes semelhantes, destinados a de vez em quando passarem na televisão, para serem distraidamente apreciados por quem não tenha melhor que fazer com o seu tempo, pois, apesar de tudo o que disse, o filme é inequivocamente fácil de ver e, ao não estimular de modo algum a sua audiência, é difícil que alguém se ultraje grandemente com a sua existência. Até para mim foi difícil encontrar as palavras para descrever o que, no final, é uma levemente entediante e perfeitamente esquecível experiência.


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