Vivemos num mundo obcecado com
celebridades, numa verdadeira cultura de veneração da celebridade. Almejamos
estar próximos dessas distantes figuras, queremos saber detalhes da sua vida
privada e queremos que pareçam próximos de nós, que pareçam normais, humanos,
fáceis de relacionar com as nossas vidas, mas, paradoxalmente, queremos que
sejam magníficas, superiores, pomo-las em pedestais e declaramos a sua
importância, distanciando-as na mesma medida que nos tentamos aproximar. Dos
filmes que estão, neste momento, no cinema, Life
de Anton Corbijn será talvez mais fácil de relacionar com tais afirmações sobre
cultura, mas penso que A Royal Night Out
de Julian Jarrold é fruto desse preciso tipo de pensamento. A rainha Elizabeth
II é, especialmente para o mundo exterior à Commonwealth, uma figura pública,
uma celebridade, e neste filme, por meio da ficção histórica, aproximamo-nos
dessa figura da celebridade. Aproximamo-nos de uma visão açucarada e artificial
dessa figura, uma criação tão perto de quaisquer noções de realidade como as
princesas dos filmes de animação da Disney, não fosse este filme, basicamente,
uma comédia romântica à volta de princesas.
O filme começa como
uma comédia familiar, olhando a dinâmica entre a família real inglesa aquando
da vitória da Europa na segunda Guerra Mundial por parte dos aliados. Depressa
somos introduzidos a uma dinâmica de caricaturas leves e afáveis, uma rainha
disciplinada e ríspida (Emily Watson) e o rei George VI (Rupert Everett), no
seu papel de afável patriarca cheio de compaixão para com as filhas, as
princesas Elizabeth (Sarah Gadon) e Margaret (Bel Powley). Depois de suplicarem
aos seus pais, as duas princesas têm a oportunidade de passarem a noite de
festejos em Londres, se bem que sob restritas condições impostas pela rainha.
Margaret acaba por fugir aos seus guardas/acompanhantes militares e Elizabeth
persegue-a por Londres, tornando-se o filme numa espécie de Adventures in Babysitting com princesas
e uma insinuação de romance na figura de Jack (Jack Reynor), um militar
republicano que acompanha Elizabeth na procura pela sua irmã. Passamos por
festas, pubs, um discurso do rei, clubes ilícitos e festas de soldados, até que
ao raiar do dia tudo volta ao normal, depois duma noite de aventuras alegres.
Uma história básica, simplista e com uma pátina de açúcar nostálgico capaz de
induzir irritação cética para as audiências menos disponíveis a desligarem o
cérebro por 97 minutos.
O filme, em geral, é
dotado de um eficiência desinteressante, sendo que seria erróneo acusá-lo de
ser um desastre de execução, mas todas as escolhas me parecem desinspiradas e
com uma tendência a cair para a mediocridade ou simples e sólido trabalho como
um ar de nostalgia. Talvez, tecnicamente falando, o púnico aspeto a que tenho
de fortemente objetar é a banda-sonora, fortemente adaptada da música da Glenn
Miller Orchestra, o filme depressa se torna musicalmente repetitivo de um modo
que detrai do seu geral charme, começando a cair na irritação e deprimente
falta de criatividade.
O elenco segue esse
mesmo modo de eficiência simples, sendo que, com duas caricaturas para interpretarem,
Everett e Watson são presenças bastante prazerosas, como seria de espectar. As
verdadeiras joias do filme são as duas atrizes nos papéis das princesas. Sarah
Gadon cujo trabalho com David Cronenberg tem marcado a sua emergente carreira,
é aqui uma apta princesa Elizabeth, com um carisma que demanda a atenção da
audiência sem ser forçoso, e um olhar com um ligeiro insinuar de melancolia que
faz com que os momentos mais desajeitadamente dramáticos, como a abertura do
filme, tenham uma boa, se minúscula, dose de peso e importância. Mas é Powley
que realmente brilha no filme, interpretando uma exagerada visão de uma
divertida e inocente princesa adolescente numa aventura de diversões
constantes, dança e álcool. Com um papel que poderia cair na descarada e até
ofensiva caricatura grotesca, Powley torna a princesa Margaret no mais luminoso
aspeto do filme.
Mas,
independentemente do charme das suas protagonistas, é irremediavelmente
estranho ver uma obra de tão descarada ficção histórica em que a principal
figura ainda se encontra viva, e, ainda mais importante, permanece uma figura
pública de relevância. O filme, em parte devido a isso, mas também devido ao
seu tom geral de comédia romântica inofensiva, nunca toma qualquer risco,
fazendo com que um enredo com prostitutas e criminosos se torne na coisa mais
irreconhecivelmente alegre e impossível de objetar possível. Para uma noite de
loucas festas, o filme é imensamente amedrontado pela possibilidade de ofender,
ou explorar com alguma complexidade o que quer que seja. Normalmente, em
narrativas deste tipo, quando acompanhamos uma figura jovem através de uma
noite de festejos até ao início do dia seguinte, embarcamos numa viagem ou
emocional ou existencial, o que for, com algum sentido de mudança, nem que seja
de perspetiva, quando o filme acaba, aqui nada disso se regista. Apenas um
regresso à normalidade de tudo, mostrando o filme como uma inconsequente peça
de sobremesa cinematográfica sem nada para oferecer a não ser alguns momentos
de charme sem pinga de sofisticação e que é, honestamente, de um imenso
aborrecimento.
O mais grave disto
tudo, será mesmo o modo como o filme retrata o final da 2ª Guerra Mundial na
Europa, nunca lhe concedendo a sua suficiente atenção ou peso. Acabamos com uma
celebração de algo que não é exposto no filme, a sombra da guerra uma mera e
vazia menção aqui e ali. A injeção de alguma complexidade nas opiniões políticas
de Jack parece sempre superficial e forçada. O filme mostra a noite em que a
Europa celebrava o fim de um sofrimento inimaginável, o fim de um dos maiores
cataclismos na história deste continente e, no entanto, apenas nos focamos na
viagem de liberdade fugaz de uma adolescente princesa. Percebo que pedir mais
do filme, talvez, seja uma tolice, mas, tendo em conta a importância textual da
guerra, é-me repugnante o seu tratamento neste filme e me lembra o modo como
essa parte da história tem sido usada por Hollywood, e não só, de modo
simplista cuja consequência é apenas a sua banalização e a ignorância da sua
audiência. O filme não tem nenhuma complexidade e o máximo de perspetiva histórica
que quer tomar é parecida com as da série Downton
Abbey: as coisas eram maravilhosas mas tiveram de mudar, viva a
aristocracia, a monarquia e sua proximidade com as classes baixas. O filme
tresanda de uma ingenuidade elitista que me é difícil de engolir, apesar das
suas simples intenções e relativa inocência.
É um filme simples,
sem ambições ou complexidades. Uma comédia vazia mas que dará alguns momentos
de felicidade a certas audiências. Uma peça de sentimentalismo nostálgico que
celebra a sua figura central, se revela na sua humanidade e caridade, e tenta
arrecadar algum lucro a partir do interesse do público na figura da presente
rainha de Inglaterra, aqui uma doce adolescente numa noite de divertimentos
ligeiros e fáceis de apreciar mesmo pelas mais conservadoras audiências. Um
filme que cairá no esquecimento, como tantos outros filmes semelhantes,
destinados a de vez em quando passarem na televisão, para serem distraidamente
apreciados por quem não tenha melhor que fazer com o seu tempo, pois, apesar de
tudo o que disse, o filme é inequivocamente fácil de ver e, ao não estimular de
modo algum a sua audiência, é difícil que alguém se ultraje grandemente com a
sua existência. Até para mim foi difícil encontrar as palavras para descrever o
que, no final, é uma levemente entediante e perfeitamente esquecível experiência.
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