Antes de mais, peço desculpa
a qualquer pessoa que esteja a ler isto e que tenha, de algum modo por mim
desconhecido, apreciado ou gostado deste filme.
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Continuando…
Quando os créditos
finais deste filme se desdobram é possível verificar o uso de fotos de pessoas
reais que parecem corresponder às personagens do filme, revelando O Sonho Americano na China de Peter Chan
como um filme baseado em factos reais. “Revelando” é a palavra errada, pois
isso foi apenas uma revelação para mim que não me tinha grandemente informado
em relação ao filme antes de o ver. Se tivesse, não sei se me tinha sujeitado a
tal tortura desumana, sendo que aquando me apercebi desse factoide crucial,
apenas tive a vontade de felicitar o cinema biográfico em geral. Mais uma vez
mostras a tua malvadez meu velho amigo, e mais uma vez consegues fazer com que
eu queira arrancar os meus olhos durante um filme. Bom trabalho cinema
biográfico!
O Sonho Americano na China retrata três amigos que se conheceram na
universidade e que fundam uma escola de inglês na China, com o intuito de
ajudarem os seus alunos a passarem o teste que lhes permite estudarem nos
Estados Unidos da América. Dos três, apenas um deles consegue realmente visitar
esse tão desejado país, no entanto, se há um protagonista no filme, ele é Cheng
Dongqing (Huang Xiaoming), um rapaz de um ambiente rural que tem uma espécie de
trajetória narrativa de Cinderela, sendo que o filme começa com ele e termina
com um discurso inspirador por si declamado. Esse discurso vem como modo de
finalizar uma parte do filme em que os três amigos e parceiros de negócios se
veem frente-a-frente com acusações de ajudarem os seus alunos a terem vantagens
injustas e ilicitamente conseguidas para passarem os testes americanos. Essas
sequências são dos momentos mais marcadamente ridículos e incompetentes do
filme, sendo apresentados com uma seriedade absoluta enquanto parecem ser o
resultado de um produtor ter pedido a um amador realizador uma cópia de The Social Network, quando esse dito
realizador apenas tinha visto filmes americanos vencedores de Razzies.
O filme é pejado de
clichés, desde o trabalho pueril de todo o elenco, que nas partes passadas na
universidade são gritantemente mais velhos que as suas personagens, ao desastre
apocalíptico que é a montagem, direção e texto sobre o qual o filme se constrói.
O filme, aliás, é mais uma peça de propaganda que o filme inspirador com toques
de comédia que parece declarar ser, glorificando a ambição dos estudantes
chineses e dos três amigos e denegrindo os EUA. Numa parte crucial do filme é
revelado que, apesar de tantas vezes chumbar o teste americano, o protagonista
é um génio capaz de memorizar tudo que lê, sendo que era apenas inferior quando
comparado com os restantes colegas chineses e a sua imensa superioridade face
aos americanos. Eu não tenho presente interesse em criticar ou explorar o lado
mais declarativamente político deste filme, mas como um filme de propaganda
ideológica, o filme é um desastre. Existem filmes de propaganda imensamente
sofisticados e que são verdadeiras obras-primas de cinema, mas também existem
filmes tão simplistas, medíocres e incompetentes que alguém lhes chamar cinema
é um insulto a todo o legado dessa mesma arte. Adivinhem qual destas duas
descrições se melhor aplica ao filme de Peter Chan.
Desde os primeiros
momentos que a montagem do filme parece explodir numa energética e desenfreada
tentativa de injetar dinâmica ao filme, sendo que é dos trabalhos de montagem
mais imbecis e detestáveis que vi nos últimos anos, tornando até os momentos
mais dramáticos do filme em algo semelhante a uma paródia. Um momento em que um
casal amoroso se vê, enquanto os dois estão em escadas rolantes, em sentidos
opostos, é particularmente alarmante, parecendo que o editor do filme teve um
ataque psicótico enquanto editava a cena e simplesmente decide cortar do modo
mais formuláico e cliché possível a cena, mas incluindo uma impetuosidade
idiótica que parece ser a mais característica marca estilística do filme. A
fotografia segue o mesmo caminho com uma infinidade de floreados mal
conseguidos e a música é um desastre de impossível descrição, parecendo copiar
o cinema americano mas com um toque de dramatismo esmagador e forçado que
dilacera até os menos catastróficos momentos do filme.
Há uma tão esmagadora
e indescritível quantidade de clichés e fórmulas estúpidas presentes neste
filme, que quase parece ser uma paródia subversiva do tipo de cinema americano
que se desenvolve à volta de histórias inspiradoras e factos verídicos. O filme
parece quase criar um catálogo de géneros cinemáticos fortemente associados à
produção de Hollywood, mostrando-os na sua suprema incompetência e ridículo
como a comédia universitária, a comédia romântica, o romance dramático, o drama
empresarial, etc. Em relação à componente romântica do filme, eu gostaria de
chamar a atenção para o repreensível e repugnante sexismo que afeta todo o
filme, sendo que a relação entre Cheng e a sua namorada é de particular horror.
Mas, apesar de todas
essas possíveis referências ao cinema americano, havendo mesmo uma cena em que
eu penso que o realizador estava a referenciar Giant de George Stevens, o filme não tem qualquer inteligência ou
capacidade crítica para oferecer tal subversão de ideias. Por variadas vezes no
filme, parece que vai haver uma exploração relativamente interessante sobre a
relação ora aspirante ora antagónica entre a China e os EUA. Mas o filme nunca
segue tal caminho, apenas se preocupando em, no final, mostrar a superioridade
chinesa num discurso enfaticamente ridículo, e que poderia ter sido criado a
partir de uma colagem de discursos semelhantes numa infinidade de outros
filmes.
Numa nota final,
quando vi que o diretor de fotografia deste filme foi Christopher Doyle, o
génio por detrás de algumas das mais magníficas imagens do cinema mundial das
últimas décadas, eu senti que tudo o que sabia sobre cinema se desfez num
momento de horror. Este filme destruiu-me, ofendeu-me, insultou-me com a sua
incompetência e estupidez e ainda por cima teve de me destruir a imagem mística
e maravilhosa que tinha de Doyle. Odeio tanto este filme. Só desejava que
Laurence Fishburne aparecesse agora à minha frente, e me oferecesse um
comprimido para eu esquecer a existência desta pestilência cinematográfica
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