American Ultra é, essencialmente, uma mescla dos filmes da saga
Bourne com o tipo de comédia normalmente designado como stoner comedy. Esta mistura não tem em si nada de necessariamente
mau, sendo que Edgar Wright fez uma semelhante experiência com a sua Cornetto Trilogy. A diferença crucial
entre estes dois exemplos está na inteligência e sofisticação de uma paródia e
na banalidade e falta de originalidade da outra. Nesta comparação não é o filme
de Nima Nourizadeh que “sai a ganhar”.
O filme desenvolve-se
à volta de Mike Howell (Jesse Eisenberg), um jovem sem grandes ambições que
passa os seus dias a drogar-se, a trabalhar numa loja de conveniência e a desenhar,
num caderninho seu, a história de um gorila herói de ação. Mike vive com a sua
namorada, Phoebe (Kristen Stewart), e, quando o filme tem início, encontramos
os dois a tentarem apanhar um avião e a serem retidos por um dos regulares
ataques de pânico que afetam Mike. O protagonista atribui tais ataques ao seu
uso de drogas, mas rapidamente descobrimos que se tratam, na verdade, de
réstias da sua programação como uma verdadeira máquina de matar ao estilo de
Jason Bourne. Um dia uma estranha mulher entra na loja onde trabalha e diz-lhe
uma série de palavras sem significado percetível, sendo que depois disto a sua
vida começa a descarrilar à medida que vários indivíduos misteriosos aparecem
com o intuito de o matarem, ao que Mike responde com uma impressionante aptidão
para a violência precisa e eficaz, surpreendendo-se a si mesmo pelo caminho, o
que o deixa num estado de simples terror tanto de si mesmo como dos agressores
que continuam a aparecer do nada.
A mulher que
despoleta a “ativação” de Howell é Victoria Lasseter (Connie Britton), uma
agente da C.I.A. que esteve sobre o comando do projeto cujo único sobrevivente
foi Mike. Depois do seu recentemente promovido superior, Adrian Yates (Topher
Grace), ter ordenado a eliminação de Mike como parte da limpeza desse projeto
falhado, Victoria decide tomar as rédeas da situação e, sem ponderar
grandemente as consequências da situação, decide despoletar Mike em toda a sua
assassina glória. E aí temos um dos maiores problemas do filme, a
consequencialidade das ações das personagens. Um recente filme a quem eu teci
enorme número de elogios foi It Follows,
um slasher em que os adolescentes não
eram estúpidos ou irracionais, aplicando inteligência e racionalidade básica às
suas decisões ao longo do filme. Quem escreveu American Ultra não saberá o que básica racionalidade é, mesmo que
tal conceito estivesse escrito na cabeça. Há uma estupidez básica que
caracteriza todas as ações e escolhas das personagens do filme, que o filme
poderia ter aproveitado mas nunca o faz, simplesmente deixa-se levar na má
escrita e com uma dose preocupante de sinceridade, não permitindo qualquer riso
irónico em relação à perfeita incompetência crónica dos seus heróis. O filme
aliás vai-se tornando cada vez mais sério à medida que o enredo avança,
acabando num registo mais perto do filme de ação do que da comédia.
Os problemas do
enredo não são, de todo, impossíveis de contornar, mas Nima Nourizadeh não é
certamente o realizador para tal tarefa herculeana. A sua realização é
desinteressante e desinspirada na maioria do filme, ocasionalmente caindo em
inegável incompetência em algumas das cenas de ação, sendo que a coreografia e
montagem de tais cenas são particularmente medíocres. Interessantemente, eu
diria que são mesmo os momentos mais calmos e romanticamente focados do filme
que estão melhor concretizados, mas isso poderá ser mais facilmente atribuído
ao trabalho do elenco que ao trabalho do seu realizador.
O elenco é, na sua
generalidade, bastante sólido e eficaz, sendo que Topher Grace tem o mais
difícil e caricaturado dos papéis, acabando por ser o ator que mais facilmente
é enterrado pelos problemas textuais e tonais do filme. Britton é uma presença
sempre bem-vinda a qualquer filme ou série televisiva, pelo menos para mim, e o
seu palpável orgulho e pose superior são essenciais para o funcionamento do
filme, sendo que é Victoria a principal impulsionadora de tudo o que acontece.
Mas são Stewart e Eisenberg as verdadeiras razões para se ver o filme, e são
eles que ocasionalmente fazem com que as cansativas mecânicas formuláicas do
filme resultem por alguns momentos. Stewart continua a sua meteórica ascensão
como uma das mais interessantes atrizes da sua faixa etária a trabalhar hoje em
dia em Hollywood, encontrando uma subtileza impressionante por entre os
momentos iniciais do filme e conferido um palpável desespero e ferocidade
quando um segredo seu é revelado, resultando num surpreendente impacto
emocional e conferindo um centro emocional ao resto do filme, que apenas vai
descarrilando mais à medida que se aproxima do final. Mas a emoção que descrevo
não seria possível sem Eisenberg, que revela uma habilidade já sua conhecida
para humor desconfortável, assim como uma magnífica sensação de perda e
confusão assustadora à medida que mais segredos são revelados. Apenas nas cenas
de ação é que o ator vacila, não sendo de todo capaz de apresentar de modo
eficaz ou verosímil a dualidade de Mike, o que se torna especialmente marcado
no final do filme.
Sinceramente, não
estou com muita vontade de gastar mais latim e tempo com este filme. Para
grandes fãs de Eisenberg e Stewart o filme deverá ser uma agradável
demonstração dos seus particulares talentos, mas para quem procure um bom filme
ou uma comédia de ação minimamente funcional, eu sugiro que procurem outro
filme. American Ultra consegue ser
entediante apesar da sua promissora premissa inicial, não tem qualquer pitada
de inteligência e, apesar de bons atores, é perfeitamente inconsequente e
facilmente esquecível.
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