David Lynch, Nicolas Winding Refn, Dario
Argento, Terrence Malick, Ryan Gosling. Um destes nomes não parece
pertencer aos restantes e certamente não é o de nenhum dos ilustres
realizadores com estilos imensamente definidos e filmografias celebradas mas
sim o ator aclamado pela crítica que, com O
Rio Perdido, decidiu experimentar a sua mão na área da realização e
escrita. Uma coisa há que, no entanto, reconhecer em Gosling e isso será o seu
gosto cinematográfico que obviamente inclui os nomes acima referidos, e que o
ator, tornado aspirante a autor, usa como influências na criação deste filme
que, mais que um filme que existe por si só, é uma colagem desajeitada e
caótica de coisas que Gosling viu nos filmes desses autores e decidiu emular,
senão descaradamente copiar.
Filmado em Detroit, o
filme desenvolve-se a partir de uma narrativa à volta de uma família em que a
mãe solteira Billy (Christina Hendricks) é encurralada pelas demandas de um
banco, e vê-se envolvida numa espécie de cabaret do macabro em que as
performers sofrem horrendos e miraculosamente falsos atos em palco. O filho
mais velho, Bones (Iain De Caestecker) vê-se envolvido numa trama com o pseudo
gangster Bully (Matt Smith),que domina as ruas vazias da cidade decadente. Pelo
meio temos a sua vizinha e namorada Rat (Saoirse Ronan), acabando por descobrir
um submundo escondido nas águas do rio do título, e o homem por detrás da
situação depressiva de Billy, o manipulador e traiçoeiro Dave (Bem Mendelsohn)
que, para além de colocar a protagonista em dependência da sua ajuda monetária,
é o dono do clube de macabro em que ela se vê forçada a trabalhar.
Grande parte do
problema do filme devém do facto de Gosling não ter qualquer interesse em
explorar o seu texto de modo algum, apenas estando focado em copiar técnicas e
momentos de mestres que ele admira. O que resulta disto não é um pastiche sofisticadamente bombástico
como vemos em Tarantino, ou mesmo a irreverência juvenil de Dolan, mas sim um
caos desajeitado e imensamente pretensioso. O filme apenas vive como um
exercício estético mas nem isso é possível de completamente apreciar, em parte
pela dependência de Gosling ao convencionalismo de uma narrativa. Como
experimentalismo o filme é um fracasso medíocre, como narrativa, o filme é uma
catástrofe.
Ao contrário de
muitos atores tornados realizadores, Gosling parece demonstrar uma colossal
falta de interesse em explorar o trabalho dos humanos para os quais aponta a
câmara, sendo que as figuras femininas são particularmente menosprezadas pelo
seu olhar. Hendricks, que deveria, de certo modo, ser o centro de toda esta
confusão, é pouco mais que uma imagem bonita que Gosling vai desfilando por uma
coleção de magnificamente iluminados cenários. O seu interesse na atriz nada
tem que ver com as suas capacidades interpretativas ou mesmo com a sua mera
presença, sendo mais cosmética que qualquer outra coisa. Sob o olhar da câmara
de Gosling, Hendricks é um corpo voluptuoso de pele pálida, adornado por
fogosos cabelos, e que, de vez em quando, Gosling pode utilizar para chorar ou
ser uma superficial vítima dos impulsos mais macabros que ele transplantou das
filmografias de Lynch e Argento.
Mas, paradoxalmente a
esta falta de interesse no seu trabalho, o realizador parece dar uma liberdade
absolutamente desmedida ao seu elenco, sendo que Mendelsohn e Smith em
particular parecem cair num turbilhão de tiques, maneirismos e momentos de
exagero extremo e descontrolado sem nunca parecerem contribuir nada ao filme.
Isto é particularmente trágico no caso de Mendelsohn, cujo papel requer muito
mais modulação que o monstro urbano de Smith, e cuja usual precisão e
silenciosa ameaça estão aqui em completa absência.
O modo como Detroit é utilizada pelo aspirante
a autor, é de particular repugnância. Enquanto certos momentos do seu texto
parecem indicar a alguma sombra de exploração de miséria social, Gosling
mostra-se completamente enamorado por uma ideia glorificadora e infinitamente
romântica da pobreza e condição desesperada das suas personagens. O mundo em
ruínas é tornado vazio objeto estético, filmado com um estilo exuberante mas
sem propósito. E a pura beleza vazia poderia ser um propósito, como Paolo
Sorrentino já mostrou na sua filmografia, mas a Gosling parece faltar até esse
tipo de foco ou motivação. O filme vai vagueando pelas suas visões sem nexo, e
mostrando a teatralidade da miséria humana, que aqui é puramente desumana e
desinteressante e desinspirada na sua abjeta artificialidade, que parece mais
forçada pelas influências de Gosling do que uma escolha deliberada e refletida
pelo realizador da obra.
Mas nem tudo no filme
é a catástrofe que a direção e o texto conseguem ser. Tecnicamente o filme é
formidável, copiando tudo de outros autores, mas fazendo-o de modo requintado e
eficiente. A fotografia é magnífica, conseguindo encontrar momentos de
extasiante beleza, mesmo nos momentos mais tristemente convencionais na
mise-en-scène de Gosling. Uma casa em chamas consegue ser hipnótica, não pelo
trabalho do realizador, mas porque há uma simples beleza na imagética que
transcende o seu contexto ou mesmo os ritmos impostos pela desastrosa montagem.
A música e a cenografia são igualmente magníficos, se bem que extremamente
óbvias nas suas origens referenciais. O filme não conseguia copiar mais de
Dario Argento e de Suspiria em
particular, sem se tornar num remake do estilo de Psycho de Gus Van Sant.
Num momento singular
em todo o filme, no exterior de uma estação de serviço, vemos Bully a ser confrontado
por uma mulher sem-abrigo. Na realidade uma mulher que andava pelos locais de
filmagem e foi inserida no filme. Há algo de energético e palpavelmente
errático e surpreendente nestes momentos. Matt Smith é. Por momentos, forçado a
modular os seus excessos e também Gosling parece tornar-se em observador do
momento, sem cobrir tudo com técnicas de outros autores. Aqui o filme pausa,
aqui o filme atinge um momento de fugaz experimentação. Por momentos a afetada
direção de Gosling acalma-se e observamos o vislumbre do que este filme poderia
ter sido se o realizador tivesse sido mais seguro ou mais desprendido dos seus
ícones cinematográficos. Como o filme existe, é uma pueril colagem de outros
filmes, sem nexo, interesse, ou originalidade, uma entediante, irritante, mas
ocasionalmente bela experiência e uma prova que Ryan Gosling se deveria
restringir a trabalhar em ator quando confrontado com um projeto
cinematográfico.
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