quinta-feira, 24 de setembro de 2015

AVENGERS: AGE OF ULTRON (2015) de Joss Whedon



 Vivemos numa era de domínio popular da Marvel sobre o cinema de entretenimento populista, sendo que, tal é a sua segurança sobre o seu próprio sucesso, já existe um plano de vários filmes que se prolonga pelos próximos anos. O MCU (Marvel Cinematic Universe) estende-se, neste momento, a mais de 11 filmes e a séries de televisão, sendo que Vingadores: A Idade de Ultron é o final da dita Fase 2 do seu desenvolvimento que também incluiu Iron Man 3, Capitão América: O Soldado do Inverno, Thor: O Mundo das Trevas e Guardiões da Galáxia, indo a qualidade variando consideravelmente de projeto para projeto. Mas, independentemente de qualquer questão de qualidade, inovação ou mera proficiência, os filmes são sempre eventos globais, destinados a arrecadar milhões das carteiras dos seus fervorosos fãs.

 Este tipo de serialização do cinema quase lembra os grandes seriados do início do século passado, mas não nos iludamos que o MCU é uma segunda vinda de Louis Feuillade ao cinema contemporâneo. Apesar de ser um seriado, uma das coisas que mais me impressiona e dececiona em relação a este filme é o modo como os passados filmes desta segunda fase de desenvolvimento parecem ser inconsequentes. As personagens deste filme parecem ter saltado do último Vingadores diretamente para este, sem passar pelos desenvolvimentos dos filmes que os separam. Por um lado, há certas coisas neste filme que eu estaria disposto a desculpar, como partes do enredo que parecem incongruentes e desnecessárias, se considerasse o aspeto serializado destes filmes, mas, quando o filme se parece esquecer desse seu mesmo aspeto, eu não tenho quaisquer fundações para me apoiar em alguma defesa dos problemas textuais do filme.

 O filme tem início no meio de uma sequência de ação em que a equipa de heróis, que já conhecemos dos seus passados filmes, tenta recuperar o cetro que Loki utilizou no anterior filme dos Vingadores, em Sukovia, uma localização fictícia da Europa de Leste, com traços de um passado claramente soviético. Estes momentos de ação são das melhores porções do filme, não desperdiçando tempo desnecessário em prolongadas reapresentações do elenco principal e movendo-se a um ritmo que lembra alguns dos melhores momentos do filme anterior. Pelo meio somos apresentados a duas novas personagens, a Scarlett Witch (Elizabeth Olsen) e Quicksilver (Aaron Johnson), um par de gémeos mutantes (se bem que não são assim definidos no filme) que primeiro se manifestam como presenças antagónicas. Os poderes mentais da parte feminina deste duo são o que acaba por despoletar o enredo principal do filme, ao exporem Tony Stark (Robert Downey Jr.) a uma visão de um mundo e equipa destruídos.

 A personagem de Stark, o Homem de Ferro, sempre foi a de um megalómano e egotista milionário, mas a sua hubris chega a níveis estratosféricos neste filme. Das suas mãos nasce Ultron, uma tentativa de criar uma presença robótica para guardar a segurança global sem qualquer pensamento dado às assustadoras implicações de tal poder. Ultron, no entanto, não se mantém no controlo do milionário e, na que é inequivocamente a mais perfeita cena do filme, depois de uma festa na torre dos Vingadores, aparece aos heróis na forma de uma carcaça grotesca de partes de antigos fatos mecânicos do Homem de Ferro. A sua voz é a de James Spader e a sua atitude a de um Pinóquio justiceiro e sanguinário. Como forma de salvar a Terra, a criatura decide destruir a humanidade e assim nos vemos atirados ao enredo que irá guiar o resto do filme enquanto os Vingadores lutam para impedir o vilão, cuja racionalização e olhar superior lembra o do seu criador supostamente heroico.

 Quando estava pela primeira vez a ver o filme, nos cinemas, pensei que a obra fosse explorar esse aspeto de Tony Stark, a mais relevante personagem em todo o franchise, e cujas atitudes caem muitas vezes na de um pseudo autocrata milionário com noções de grandeza e superioridade moral. Mas o filme, longe de realmente questionar e julgar as ações dos seus heróis, ações que o próprio filme parece recriminar inicialmente, acaba por cair numa narrativa heroica e desajeitadamente simplista. No final, o modo de derrotar a personificação apocalíptica da hubris do milionário é outra manifestação da sua hubris, sendo que o seu estatuto de herói e salvador não é de todo problematizado. Isto num filme em que todas as personagens parecem ser lavadas de qualquer sombra de complexidade que os filmes anteriores tenham estabelecido, o que é um verdadeiro desapontamento.

 Isso ainda se torna mais grave quando, devido maioritariamente à presença de Whedon, os melhores momentos do filme são aqueles de pausa e que se apoiam maioritariamente na interação deste grupo de personagens entre si. A sequência da festa é um triunfo do estilo de Whedon e do carisma do elenco, e uma prolongada pausa a meio do filme na casa de família é uma sequência de simples relaxamento cinemático por entre as explosões bombásticas do filme em que se inserem. O filme aliás, segundo os vislumbres do drama da sua produção, foi fortemente influenciado pelas decisões e demandas dos produtos, sendo que Whedon se sentirá descontente com o trabalho final. O seu toque pessoal é visível, mas está bastante mais atenuado que no seu anterior esforço para o MCU e o filme é, parcelarmente como consequência a isto, infinitamente menos leve e prazeroso em termos de experiência de entretenimento.

 O ponto, definitivamente, mais fraco do filme é quão cansativo e repetitivo consegue ser, especialmente nas cenas de ação. Longe de qualquer ponderação temática ou ideológica do filme, há passagens em que o tédio é o maior inimigo da obra. Pelo menos para mim, a batalha final, o grande clímax da narrativa, é incrivelmente aborrecida, parecendo uma reciclagem desinteressante de cenas semelhantes na filmografia do MCU. Por muitas explosões, mortes previsíveis e sem carga dramática, ou momentos em câmara lenta exuberante, não há grande novidade ou energia que propulsionem estes momentos à grandeza a que parecem almejar. Um dos grandes problemas devém mesmo da qualidade serializada do MCU, que garante aqui a segurança óbvia de todos os principais heróis. É um filme cheio de ação em que o perigo e a tensão não se manifestam alguma vez, em que a principal ameaça do filme está sempre a ser desenhada, pelo diálogo, como uma ameaça contra toda a humanidade, mas cujo catastrófico perigo nunca é verdadeiramente enfatizado pelo filme ou sentido pela audiência. Uma sequência a meio do filme, em que observamos uma bombástica luta entre o Hulkbuster e o Hulk é, apesar de dinâmica e energética, um momento narrativamente morto e incongruente para com o resto do enredo. Uma pausa rítmica no avançar da narrativa e uma indulgência do filme para com os fãs que, em termos cinemáticos, é um enorme desastre na estrutura de A Era de Ultron.

  Não quero parecer demasiado negativo pois, a verdade é que, o filme é bastante fácil de ver, e para grandes fãs dos heróis e do género, os momentos entediantes deverão ser leves passagens sem grande influência no resto da experiência geral. Para quem queira simplesmente passar umas horas com estes heróis, o filme é uma ocasional delícia, sendo que o elenco se mantém maravilhosamente eficiente e energético na interpretação das suas icónicas figuras. Scarlett Johansson, apesar de duvidosas escolhas narrativas, continua a ser um píncaro de carisma e sensualidade inteligente, sendo uma presença fulcral para o funcionamento do filme como obra de entretenimento (onde está o filme da Viúva Negra?!). Os efeitos visuais são, como é normal, um espetáculo visual da primeira instância, e Ultron, apesar dos desenvolvimentos desapontantes do clímax do filme, é dos melhores vilões deste franchise.

 Na sua globalidade, considero o filme uma desilusão, mas para verdadeiros fãs, acredito existir glória no que para mim foi entediante e, talvez, até génio no que eu achei convoluto, inexplicável, chato (toda a narrativa de Thor), incongruente ou simplesmente desinspirado. Independentemente do que a crítica disser, todos sabemos que nada consegue parar a trajetória meteórica dos estúdios Marvel e os seus projetos futuros. Vivemos na era do domínio da Marvel, para bem e mal é com isso que temos de aguentar nos próximos anos de blockbusters de verão e filmes de ação à volta dos seus célebres heróis.


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