Os estúdios Aardman têm ganho uma
reputação invejável como a fonte de alguma da melhor animação stop motion no panorama do cinema de
animação contemporâneo em que a criação digital parece esmagar qualquer outra
técnica menos computorizada. A claymation
destes estúdios não foi usada nos seus últimos dois esforços cinemáticos, o
encantador Arthur Christmas e o
desastre Flushed Away, mas tem-se
fazendo sentir no que é uma das suas criações de maior sucesso, especialmente
com o seu público. Falo da versão televisiva da chamada Ovelha Choné, que neste filme é transposta para o cinema sem perder
o charme e gentileza que caracterizam o seu apelo e sucesso na televisão.
O primeiro filme dos
estúdios a não ser uma coprodução, segue o mesmo tipo de linguagem que o seu
predecessor do pequeno ecrã, não incluindo qualquer diálogo no que é um filme
com uma narrativa e enredo extremamente simples e fácil de percecionar e
compreender. Shawn, o protagonista e a ovelha choné do título em português, é o
líder de facto de um grupo de oito ovelhas na quinta Mossy Bottom, onde vivem,
entre outros, com o seu Fazendeiro e o cão pastor de nome Bitzer. No início do
filme, vemos imagens de um passado risonho e solarengo agora substituído por
uma rotina entediante tanto na vida dos animais como do seu dono e companheiro
humano, pelo que o protagonista organiza um dos seus usuais e ridículos
estratagemas para obter um dia de folga na rotina, depois de inspirado por um
anúncio exposto num autocarro. O plano acaba por dar para o torto e as ovelhas
e Bitzer acabam por se aventurar pela cidade em busca do Fazendeiro perdido e
amnésico, tornado barbeiro celebridade devido ao tipo de consequencialidade
irracional típica das desventuras da ovelha protagonista.
O tom humorístico e
leve do filme é intrinsecamente dependente do design e da animação do filme.
Linhas suaves e redondas, típicas dos filmes do estúdio, e personagens simples
mas incrivelmente expressivas e distintas. O modo como as ovelhas são
facilmente diferenciadas e que uma personalidade individual se consegue
verificar na animação de cada uma, é de particular louvor, sendo que os
elementos básicos do seu desenho são comuns a todas as oito figuras, com a
possível exceção de Timmy, uma adorável ovelha bebé e a verdadeira estrela do
filme se descontarmos o protagonista. O humor conseguido a partir da simples
pantomima é delicioso, fazendo, por momentos, lembrar os mestres da comédia do
cinema mudo americano ou mesmo Jacques Tati.
A expressividade
simples e delicada dos visuais é acompanhada por um tom bastante gentil e
confortante, em que o conflito e perigo que o enredo oferece como obstáculo aos
heróis nunca é apesentado com a intensidade que poderia causar qualquer receio.
É um filme alegre e fácil de ver e adorar, uma experiência simples e com um
charme bastante distinto da maioria da animação atual. A delicadeza e gentileza
com que o filme aborda as personagens, e o afeto que concede a todas as figuras
em si inseridas faz com que até os mais crassos momentos de humor funcionem. O
filme conseguiu fazer-me rir de uma piada visual centrada na suposta
flatulência da figura de um cavalo, e isso não é tarefa fácil para alguém com
um ódio imenso a tal humor.
Essa atmosfera de
gentileza é grandemente devida à falta de diálogo e uso de pantomima, mas
também ao uso de som que, aí certamente relembrando Tati, está cheio de ruídos
ambiente e pontuações de som humorísticas que apoiam a comédia sem a
arrebatarem ou distraírem. O mesmo não se poderá, infelizmente, dizer das
músicas que vão aparecendo pelo filme cujas letras não poderiam ser mais óbvias
ou descaradas. A própria presença da palavra inserida nessas canções é uma
distração e rutura desnecessárias para o filme. Junte-se isto a algumas
referências de cultura popular que parecem pertencer a um filme da Dreamworks e
não a uma obra da Aardman e temos alguns pequenos problemas, cujo impacto no
filme é, no entanto, irritantemente grande.
Shaun the Sheep Movie é um ótimo
filme de animação familiar longe das complexidades emocionais de outras obras de animação deste ano mas não por isso menos charmoso ou encantador. Há algo de
reconfortante na simplicidade e relativa falta de ambição do projeto. Uma delícia
ligeira confecionada com um virtuosismo magistral numa técnica, cuja
visibilidade tem vindo a desaparecer com o apogeu da animação digital. E talvez
principalmente por esta última razão, eu não consiga de modo algum resistir aos
encantos do filme e adorá-lo apesar de alguns problemas cruciais que
anteriormente referi.
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