quinta-feira, 17 de setembro de 2015

ZHIQU WEIHUSHAN (2014) de Tsui Hark



 Antes de mais, há que dizer que o final de A Tomada da Montanha do Tigre de Tsui Hark é uma das mais bizarras conclusões de que tenho memória. O filme retrata, na maioria da sua duração de 141 minutos, uma tomada militar da dita Montanha do Tigre, que estava tomada por bandidos em meados dos anos 40 na China. O filme é adaptado de um conto de, supostamente, uma grande popularidade e fama, uma glorificação em forma quase mítica das forças militares da República. Mas o final, longe de ser a conclusão de tomada, tendo esta já sido vista, preocupa-se com uma figura apresentada no início do filme e brevemente vislumbrada pelo meio do mesmo. Trata-se de um estudante chinês a viver nos EUA e que, numa noite de Passagem de Ano, vislumbra uma antiga versão desse mesmo conto na televisão. Aí feita em forma de ópera chinesa. Depois dessa noite, vemo-lo viajar de volta a casa à China, onde o rapaz visita a montanha onde decorreram as ações principais do filme e, no final do mesmo, regressa a casa da sua avó, onde, na bizarra companhia dos espíritos dos heróis militares da Montanha do Tigre, celebra o Ano Novo Chinês. Conjetura na sua mente uma versão dos acontecimentos finais da tomada que consegue ser ainda mais hiperbólica e maravilhosamente exuberante que o que realizador ainda há momentos havia mostrado à sua audiência. O filme termina mesmo com imagens da versão em ópera do conto, assim como algumas imagens dos homólogos reais dos soldados que aí lutaram.

 Tendo-me dado ao trabalho de investigar um pouco estes estranhos momentos finais, apercebi-me que na figura do estudante Tsui Hark se retratou de modo vagamente autobiográfico. Tal como essa estranha figura contemporânea, que vai aparecendo por entre este épico histórico, o realizador foi um estudante em Nova Iorque, ele nos anos setenta, e também lá viu pela primeira vez essa versão operática da tomada e se tornou seu irreverente fã. Também nessa cena é, talvez, possível verificar a influência do estúdio no filme, pontuando a conclusão com um pouco de indubitável glorificação e celebração patriótica, mas que, nas mãos do realizador, é mesclada com uma celebração do cinema em si, especialmente do cinema inerentemente chinês.

 Tsui Hark, há que lembrar, pertence à corrente do cinema de ação de Hong Kong, onde a ação é hiperbólica, operática e preenche todo o filme num modo poucas vezes visto no cinema de ação de outras nacionalidades. É, devido a isso, fácil dizer que o seu estilo é algo inerentemente chinês, algo que quase segue a tradição da singular ópera chinesa, e com este filme ele pega no seu estilo e cria a sua própria versão bombástica deste tradicional e célebre conto chinês. No entanto, ao longo do filme, apesar de todo o exagero e gritante exuberância, existe uma certa modulação do estilo normal de Hark, sendo que talvez no final tenhamos uma mostra da expressão máxima dos devaneios estilísticos do realizador, por momentos mostrados sem o filtro temperado e mais convencional que, talvez, tenha sido imposto pela produtora no filme final. O fim, por muito bizarro que seja, é um momento de fascinante turbilhão entre duas abordagens ao filme, três se considerarmos as imagens da versão antiga do mesmo conto, uma celebração das possibilidades e uma exuberante desconstrução dos conflitos de interesse do filme.

 O filme, se nos afastarmos desse final por momentos, é cinema tornado espetáculo hiperbólico. Tudo no filme, desde a fotografia à banda-sonora, explode com um excesso delicioso, destruindo qualquer sombra de subtileza e tornando o filme numa maravilhosa experiência de cenas de ação, cada uma mais improvável e classicamente emocional que a outra. Há uma enorme simplicidade no filme, o que por vezes prejudica a obra, que se estende especialmente ao texto e ao trabalho dos atores, reduzindo as personagens e a trama do filme em algo semelhante a um caótico e explosivo cartoon. O principal vilão do filme é, aliás, um senhor de guerra ridiculamente grotesco, com um falcão de estimação que responde às suas ordens e uma esmagadora silhueta tão exagerada como impressionante. O herói, por outro lado é interpretado por Zhang Hanyu e é simplesmente, um brilhante herói de ação, carismático e impossivelmente adequado ao estilo excessivo e estilizado do filme. A maioria dos atores está nesse apropriado registo de teatralidade exuberante, mas o protagonista é, sem dúvida, o píncaro do elenco, que, com personagens tão simplistas, acaba, infelizmente, por se tornar um pouco aborrecido e até cansativo. O elemento humano e narrativo é, eu diria, o maior problema do filme que, estando preso a uma narrativa histórica e mítica de heróis e vilões, parece ter pouco interesse na criação desses mesmos humanos.

 Tirando esse significativo detrator, assim como a duração excessiva do filme e alguns efeitos digitais pouco convincentes, a Tomada da Montanha do Tigre, é simplesmente delicioso. Para começar, é lindíssimo, com uma fotografia imensamente estilizada em que a luz artificial é usada em desavergonhada teatralidade, e onde os cenários e figurinos são requintadamente criados de modo a oferecerem uma experiência de extasiante festim visual à sua audiência e em que até a paisagem sonora é maravilhosamente excitante. O ritmo, por vezes, mostra um pouco de momentos mortos sem grande sentido narrativo ou estrutural, mas a experiência em geral é uma de simples e leve êxtase de cinema de entretenimento.

 É um filme que celebra a teatralidade da sua espetacular visão, não se preocupando com complexidades nem subtilezas, avançando bombasticamente contra a audiência e deliciando aqueles que estiverem dispostos a embarcar nesta viagem peculiar pelos excessos do cinema de ação de Hong Kong tornado mito patriótico chinês. Há uma elegância e sofisticação na execução e simples divertimento na apresentação de todo o excesso que torna o uso de fórmulas e clichés classicistas, algo integral e inseparável da experiência do filme. Pode não ser dos melhores trabalhos do seu realizador, em parte pela clara interferência dos produtores e estúdios na sua visão, mas a Tomada da Montanha do Tigre, não deixa por isso de ser uma peculiar e maravilhosamente hiperbólica experiência de cinema como espetáculo de massas.


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