Woody Allen é um autor incrivelmente prolífico,
oferecendo aos seus fãs um filme por ano. Isto traz os seus benefícios e os
seus problemas, e o principal problema é perfeitamente exemplificado pela
coleção de inegáveis fracassos que marcam a sua extensa filmografia, sendo que,
por vezes, parece apresentar um estilo e uma voz fossilizadas com o tempo e já
ultrapassadas, revelando, ocasionalmente, o seu génio em obras de surpreendente
vivacidade e sagaz inteligência. Magic in
the Moonlight não é de todo um desses sucessos, estando até perfeitamente
posicionado para ocupar o título de pior filme do realizador não fosse a
existência de outros desastres inegáveis.
O filme desenvolve-se
à volta da figura de Wei Ling Soo ou Stanley Crawford (Colin Firth) um
carismático ilusionista britânico que se disfarça de chinês para fazer a vida
nos palcos europeus da gloriosa década de 20. Para além desse entertainer existe um homem fortemente
cínico, cético e com uma desagradavelmente franca personalidade. Um
protagonista bastante desagradável, não fosse o carisma de estrela de cinema
que irradia de Firth e o deixa deslizar elegantemente pelos nós e clichés deste
guião e enredo.
Stanley é contactado
por um amigo (Simon McBurney), também ele ilusionista, e é levado à Cote D’Azur
onde uma abastada família americana está a ser aparentemente ludibriada por uma
jovem e aparentemente legítima mística e vidente, Sophie (Emma Stone). Ela é
tão popular que conseguiu, aliás, seduzir o filho da família (Hamish Linklater)
e convencer a matriarca (Jacki Weaver) da possibilidade de comunicar com o seu
falecido marido. O filme será então uma confrontação entre Stanley e Sophie,
estando este constantemente a tentar provar a falsidade dela, acabando os dois,
obviamente, por se apaixonarem. Outras coisas acontecem ao longo do filme,
incluindo alguns rasgos de irracionalidade que fazem de todo o desenvolvimento
de personagens do filme algo de bastante duvidosa integridade, mas a única
coisa que interessa mencionar é a ocorrência de variados interlúdios de Stanley
com a sua idosa tia Vanessa (Eileen Atkins), sendo que os diálogos entre os
dois são a única prova do verdadeiro talento de Allen presentes nesta pútrida
criação.
O elenco, com a
exceção de Firth e Atkins é bastante desinspirado, sendo Stone o inequívoco elo
mais fraco, não conseguindo transformar o turbilhão de clichés e contradições
em nada semelhante a um ser humano ou a uma personagem coerente apesar da insistência
de Allen em forma de texto e direção, não sendo ajudada pela óbvia falta de
“química” entre ela e Firth. Isto faz com que, pelo menos, o elemento romântico
do filme seja um redundante fracasso. Não fosse já a diferença etária entre os
dois protagonistas românticos, que apesar de ser algo comum na filmografia de
Allen não deixa de ser um cliché deplorável e pouco convincente no modo como
ele acaba por escrever a dita relação.
Mas se o guião está
cheio de clichés e o trabalho do elenco é competente e agradável quando não é
um completo desastre, então como é a concretização técnica do filme? É
agradável, tenho de dizer. Nada de extraordinário decerto, mas agradável. Os
figurinos de Sonia Grande são particularmente maravilhosos na sua elegante
recriação de uma visão simples e glamorosa da década de 20. Os cenários,
especialmente nos primeiros momentos do filme também são particularmente bons,
especialmente na recriação do decadente e requintado mundo da Alemanha de
Weimar nos seus últimos momentos de glória e de cultura de cabaret. Também o
trabalho de Darius Khondji como diretor de fotografia é agradável e bonito,
palavra odiosa e terrível elogio. O filme captura uma certa beleza de postal
que parece apropriada ao filme sem parecer idealizado em demasia.
O que me traz grande
pena é, sem dúvida, o potencial do filme para ser algo melhor com outra
protagonista, um desenvolvimento diferente da trama romântica e com uma mais
interessante exploração da figura do seu ilusionista, que é baseado numa figura
da vida real e que poderia ter trazido consigo uma interessante exploração do
mundo do entretenimento da época, do seu racismo casual, da sombra colonialista
que se abate sobre esse tipo de representações. Ou mesmo a decadência económica
que tanto marcou essa década antes de a Depressão arrasar com os sonhos
dourados de tantas pessoas como Sophie, essa aparente caçadora de tesouros. A
época do filme é simplesmente uma escolha estética, quase cosmética, e parece
ser apenas uma indulgência de Allen para com o seu próprio gosto pessoal, tendo
já feito imensos filmes neste ambiente histórico em particular.
É, portanto, outra
triste e medíocre entrada na filmografia de Allen que ainda há dois anos tinha
conseguido achar alguma glória tardia com Blue
Jasmine, merecida ou não está aberto a debate. O filme será, certamente,
apreciado por fãs de Allen e por quem consiga achar algum estímulo nas suas
ocasionalmente fascinantes ideias, e desenterrá-las do filme menor em que se
encontram depositadas.
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