sábado, 12 de setembro de 2015

DIOR AND I (2014) de Frédéric Tcheng



 O novo documentário sobre o mundo da moda realizado por Frédéric Tcheng foca-se na criação da primeira coleção de alta-costura concebida para a casa Dior por Raf Simons. Confesso que, conhecendo o trabalho do designer belga para a Dior, tinha as minhas reservas pessoais em relação ao filme, julgando ter de ver uma glorificação de um trabalho pelo qual nutro muito pouca afeição. Isso devém grandemente do facto de que o filme, apesar de se passar em 2012 no inicio do período de Simons como diretor criativo da Dior, o filme acabou de estrear agora nos cinemas, três anos depois dos acontecimentos, três anos em que Simons tem desenvolvido o seu trabalho para a casa. Esse legado informa de modo inevitável o visionamento do filme, assombrando o espetador num modo semelhante a como os dez anos de Christian Dior na mesma posição de Simons assombram qualquer momento do filme. As costureiras chegam mesmo a dizer que o fantasma do costureiro do passado ainda caminha pelo atelier. Mas mais que Christian, é o nome Dior que pesa sobre o filme, sobre Simons e até sobre Christian nas passagens em que o filme mostra filmagens de arquivo, que se vão tornando cada vez mais desnecessárias e obstrutivas à medida que vão ocorrendo.

 Como figura central de um documentário, Raf Simons é verdadeiramente fascinante, especialmente no modo como é filmado por Tcheng. O designer, maioritariamente conhecido, no início do filme, pelo seu estilo vagamente minimalista e pelo seu trabalho em pronto-a-vestir masculino, é uma escolha estranha para diretor da Dior, cujo estilo sempre esteve ligado à opulência e feminilidade na alta-costura. Esse conflito entre o estilo e legado, associados com o nome da casa, vem juntar-se a uma série de outros aspetos como o facto de Simons falar mal francês, ter uma forte ligação às artes plásticas e até à sua personalidade introvertida, criando uma figura incompreendida e aparentemente distante do seu ambiente presente. Essa distância apenas exacerbada por Tcheg que, apesar do enfase na figura de Simons, poucas vezes tenta compreender o designer ou criar qualquer intimidade entre o espetador e ele. Isto possibilita uma visão mais conflituosa e complexa de Simons e sugere que o filme está longe de querer ser uma completa glorificação, estando, na verdade, muito mais interessado em ser um thriller.

  Num simples title card, o realizador dá à audiência uma informação vital para a apreciação do filme, ao invés dos usuais meses de trabalho para construir uma coleção de alta-costura, Simons e a equipa da Dior dispuseram apenas de oito semanas. Assim se cria um ambiente de contínua tensão que é apenas quebrada no momento em que, no clímax do filme, as manequins caminham por entre um labirinto de flores no desfile final. Essa tensão, originária tanto no tempo limitado como nos conflitos internos da Dior, vai-se intensificando. Graças à distância crítica que mantém do seu principal sujeito, Tcheger cria um retrato errático do designer, cujo comportamento é ora inspirador ora autoindulgente e francamente irritante, como numa sequência em que parece recusar qualquer pedido que lhe façam em relação à publicidade e organização do desfile. Há uma relativa frieza na observação, o que combinado com o stress e tensão cria como que um filme à volta de reféns. O designer torna toda a equipa refém das suas exigências e ideias, Simons é refém da Dior, das expetativas e do legado e importância da casa, e é neste ambiente que vemos a criação de uma coleção, desde as primeiras ideias do designer, passando pela confeção, criação dos tecidos, provas, e acabando no desfile já referido.

 E é nessa criação, que envolve muito mais pessoas para além de Simons, que o filme realmente brilha. Eu esperava uma obra glorificante e com uma narrativa de um herói individual, o que na verdade encontrei neste filme, se pensarmos em filmes biográficos, é algo mais semelhante a um Lincoln que a um The Iron Lady, uma visão de um trabalho conjunto com uma figura central que o filme nunca eleva em demasia. Na verdade a equipa que trabalha todos os dias no atelier da Dior e que concretiza a coleção é tão ou mais importante que Simons neste filme.

 O filme desenvolve-se num jogo de tensão e conflitos, sendo que os mais fulcrais, apesar do que eu pensava e do que anteriormente mencionei, são entre um criador de ideias e as pessoas que concretizam essas ideias, assim como entre intenções criativas e artísticas face a um mundo da moda que se baseia no comércio. Arte e comércio, uma temática suficiente para uma saga de documentários e que apesar de estar aqui presente, poderia ser muito mais desenvolvido e explorado. A observação de Tcheng não é tão incisiva ou formidável como a que vemos nos filmes de Frederick Wiseman, mas é hipnotizante mesmo assim. A sua preocupação em retratar individualmente as frustrações e preocupações de vários membros da equipa, quer sejam encarregues das finanças ou da criação de têxteis, conjura uma visão coletiva de um mundo que parece muitas vezes existir numa bolha de indulgências, superficialidade e elitismo.

 Para além de alguns problemas estruturais e de montagem, como a insistência nos filmes de arquivo mesmo quando não aprecem acrescentar nada ao filme depois da introdução inicial, a obra padece de uma preocupante falta de estilo. Quando, há quase um ano, escrevi sobre Saint Laurent de Bertrand Bonello celebrei o modo como esse filme mostrava o mundo da moda de um modo formalmente magnífico, como que criando uma linguagem cinemática que corresponde ao sujeito do filme. Tal sofisticação não existe neste documentário, sendo que o filme tem o aspeto de tantos outros filmes semelhantes, sendo que, talvez intencionalmente, qualquer beleza ou estilo provém, não do olhar da audiência ou do realizador, mas das criações da Dior que vão aparecendo pelo filme. Mas, por vezes, há singulares momentos de graça e subtil força como uma imagem dos pés de uma costureira que, apesar de usar a casaca branca que uniformiza todos os que trabalham no atelier, usa sandálias de salto alto e unhas pintadas enquanto pressiona o pedal da sua máquina de costura. Um momento de observação simples que encontra esse elusivo estilo e preocupação estética nos pés de uma costureira e não de uma estrela de cinema ou modelo vestida com as roupas costuradas pela dona de tais pés.

 Um momento semelhante marca o começo do capítulo final do filme, o desfile de apresentação da coleção. Aí vemos a equipa do atelier passar por entre os muros de flores que inundam a passerelle, maravilhadas com a sua beleza e fantasia. Apesar das minhas reservas e das limitações do filme, quando vemos a coleção final, há algo de triunfante e comovedor no espetáculo. Dos convidados e das celebridades Simons recebe os aplausos do triunfo, mais abaixo, onde se encontra o resto da equipa, celebra o trabalho coletivo. O filme não torna inválida qualquer uma destas celebrações, terminando também o filme num momento de chorosa celebração, enquanto admite a complexidade e o trabalho árduo por detrás da beleza e elegância apresentada na passerelle por entre realeza e estrelas de cinema radiantes.


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