quinta-feira, 10 de setembro de 2015

THE MAN FROM U.N.C.L.E. (2015) de Guy Ritchie



  Não sei se é possível descrever, com meras palavras, quão estranho é, para mim, escrever elogios a um filme de Guy Ritchie, um realizador, que anteriormente estaria nalguma hipotética lista pessoal de mais enfadonhos realizadores da contemporaneidade. Mas estranhas coisas acontecem e é assim que me encontro aqui a louvar o último filme do realizador, uma deliciosa comédia de ação, uma história de espiões à moda dos anos 60.

 Para um realizador que no passado insistiu em filmar cenas de ação em vagarosa câmara lenta, fetichizando cada gota de suor, cada contração muscular, cada gota de sangue, este filme é atipicamente desinteressado na ação que normalmente associamos tanto aos seus filmes como ao género dito de cinema de ação. O estilo e o humor estão no centro de The Man from U.N.C.L.E., e isso nunca é melhor exposto à audiência que numa hilariante sequência em que ao invés de filmar a sequência de ação de um dos heróis, cheia de explosões e manobras perigosas num barco a motor, o realizador fixa o seu olhar no outro protagonista, sentado num camião, a comer uma improvável ceia italiana acompanhada de bom vinho. O humor e o estilo do luxo são postos em primeiro plano com a ação dinâmica apenas a aparecer em termos de som abafado e em reflexos nos vidros da viatura. Penso que é bastante difícil o filme ser mais declarativo nas suas intenções.

 O filme é uma fantasia formidável de elementos retro, uma homenagem aos filmes de espiões de outros tempos, sendo os filmes de James Bond uma clara fonte de inspiração a elementos tanto formais como temáticos. O filme, uma espécie de origin story da série dos anos sessenta com o mesmo título. Observamos como um espião americano, Napoleon Solo (Henry Cavill), um espião soviético, Illya Kuryakin (Armie Hammer), e uma mecânica alemã com ligações familiares nazis, Gaby Teller (Alicia Vikander) são forçados a trabalhar em conjunto para evitar a criação e utilização de uma bomba nuclear por uma organização fascista sedeada em Itália sob o comando da formidável vilã Victoria Vinciguerra (Elizabeth Debicki).

 O filme deleita-se no seu estilo, visual, musical, rítmico e até performativo, sendo uma orgia de devaneios estilísticos, maravilhosamente apresentados por Ritchie e a sua surpreendentemente gloriosa equipa. Os atores, por exemplo, conseguem encontrar o balanço preciso entre a caricatura e a simplicidade elegante e leve necessária para avançar o filme sem o tornar numa paródia barata. Ammer e Cavill nunca estiveram melhores, ambos não têm uma sombra de subtileza no seu trabalho, mas o charme, carisma fácil e domínio dos aspetos heroicos e cómicos do filme é um a maravilha de se ver. Vikander, uma estrela em ascensão banhada em todo o glamour europeu que o filme consegue conjurar, é uma visão de sofisticação e divertimento leve, nunca tornando as sombras no passado da personagem em algo desconfortável para a audiência, ou ignorando por completo as facetas mais complicadas da sua, mesmo assim, simplista figura. O resto do elenco é igualmente delicioso na sua deliberada simplicidade superficial, em que o humor leve e cheio sedutoras sugestões é a palavra do dia, mas, para mim, a verdadeira estrela do filme é a vilã. Interpretada por Debicki, Victoria é uma escultural visão de elegância continental, uma vilã de James Bond com a postura de uma distante visão celestial. Fria e elegante, com um surpreendente toque de comédia seca e uma assombrosa autoridade. Num dos melhores e mais formalmente divertidos momentos do filme, com um levantar do dedo de Debicki a estrondosa banda-sonora silencia-se, como que se o próprio filme temesse a sua insatisfação.

 Essa banda-sonora de que falo é da autoria de Daniel Pemberton. Com influências de John Barry e Ennio Morricone, a música do filme é um delicioso pastiche, integrando o estilo do restante filme no ambiente sonoro da obra e criando uma constante fonte de ritmo e dinamismo musical. Os toques “exóticos” de sons caracteristicamente associados à Europa de Leste são particularmente apreciados. É um dos melhores trabalhos nesta área que ouço nos últimos tempos, sempre trabalhando em conjunto com o filme e nunca distraindo da obra a não ser quando o faz de modo obviamente propositado, é, tal como o resto do filme, um prazeroso triunfo de entretenimento e elegante sensualidade.

 Mas o que seria dessa dita sensualidade, sem os figurinos de Joanna Johnston ou os cenários de Oliver Scholl? Ambos criam um mundo de improvável beleza, celebrando o estilo dos anos 60 e exponenciando o seu luxo e estilo a níveis que ameaçam alcançar o ridículo, não fosse o seu magistral controlo visual. Os figurinos são, em particular, uma criação de um sucesso estonteante, tornando o mundo do filme numa passerelle global em que todos parecem modelos numa Vogue italiana da época. O facto de todos os figurantes, para além de serem requintadamente vestidos, parecerem modelos tirados de revistas de moda também ajuda. Este é um mundo extremamente superficial, mas é impossível negar a glória da sua beleza, como que um filme de James Bond misturado com a sofisticação da Itália de La Dolce Vita.

  Talvez o único elemento do filme que me deixe com algumas dúvidas seja mesmo a montagem, que, apesar de muitas vezes ser brilhante nos ritmos mais cómicos ou na transformação das cenas de ação ora em perseguições cómicas ou passageiros momentos de pop art, acaba por ter alguns momentos de estranha repetição. Nunca vi a série original por isso não sei se isto será algum tipo de referência ou piada, mas os constantes flashbacks usados para explicar coisas que vimos acontecer nos últimos dois minutos tornam-se cansativos. Na pior das hipóteses é uma distrativa mostra de insultuosa falta de confiança na atenção da audiência, na melhor das hipóteses uma inconveniente e cansativa piada formalística.

  O filme é, apesar de todos estes elogios, uma obra de leve entretenimento. É um triunfo no que faz, mas há sempre uma certa inconsequência na sua existência, o que acaba por se mostrar como algo surpreendentemente agradável e refrescante. É um filme sem grandes pretensões ou grandes ideias. As escolhas musicais que abrem e encerram o filme são, talvez, as suas escolhas mais desafiadoras, ao utilizar músicas de cantores afro-americanos. Um filme passado numa década marcada pela luta dos direitos civis e em mudanças e revoluções políticas constantes, e em que nem a sombra de tais complexidades é insinuada. Mas, talvez, isso revele a grande ironia e inteligência improvável do filme que, ao mesmo tempo que torna o estilo de vida e superficialidade dos filmes de espiões em algo imensamente sedutor e atraente, acaba por nos entreter com o ridículo narcisismo das suas personagens, com o seu vazio e caricatura, e mesmo com a vazia elegância em que existem. Um filme que é, mesmo assim, extremamente leve, extremamente fácil de ver, surpreendentemente preciso e uma refrescante nota final para o cinema de ação e de entretenimento deste Verão.

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