No mais recente filme
de Ridley Scott, voltamos a encontrar Matt Damon em necessidade de ser
resgatado por uma extensa equipa, sendo que aqui o ator, interpretando a
personagem do botânico Mark Watney, está perdido em Marte ao invés de um
planeta imaginado por Christopher Nolan ou na Europa da segunda Guerra Mundial.
Sinceramente, o filme quase faz parecer que alguém viu Interstellar e decidiu fazer um remake centrado à volta de Matt
Damon, substituindo o pretensiosismo intelectual e o sentimentalismo operático
por pura leveza e diversão típica de um blockbuster eficiente. Comparado com os
últimos filmes que se debruçaram sobre a intrinsecamente trágica premissa de
alguém ficar perdido no espaço, The
Martian é praticamente uma comédia, sendo que é o mais leve filme em toda a
carreira do seu realizador e eu diria meso que é o seu melhor filme desde Thelma em Louise de 1991.
O filme inicia-se
logo no momento decisivo que vai propulsionar toda a narrativa do filme. Sem grandes
apresentações ou introduções forçadas, vemos uma equipa de seis astronautas a
trabalhar numa missão em Marte quando uma tempestade repentina os faz ter de
abortar a estadia nesse planeta. Durante a confusão da fuga, o nosso
protagonista é atingido por detritos voadores e os seus colegas julgam-no
morto, algo que é transmitido ao resto do mundo na Terra, mas, como seria de
esperar, Mark Watney sobrevive e acorda, mais tarde, completamente sozinho num
planeta deserto, removido da humanidade e completamente isolado.
Durante o restante
filme vamos intercalando a nossa atenção entre a perseverança de Mark em se
manter vivo, nunca desistindo e encontrando progressivamente engenhosas
soluções para os problemas que vai encontrando, conseguindo mesmo criar uma
plantação de batatas e obter um modo de comunicação com a NASA, sendo que é nos
esforços desta organização que encontramos o segundo grande elemento da
narrativa do filme. Para uma obra com este tipo de narrativa, seria de esperar
um foco absoluto na história do herói individual, mas Scott, guiado por um
maravilhosamente direto guião de Drew Goddard, cria um equilíbrio fenomenal
entre a equipa na Terra, o herói isolado e a tripulação que o deixou para trás,
mostrando uma mestria absoluta na criação de ritmos precisos e desenvolvimentos
narrativos económicos, que apenas vacila mesmo no final desta aventura
espacial.
O que principalmente
admirei no filme foi, de certo modo, a sua relativa simplicidade e falta de
ambição. Tal parece ser uma crítica em forma de elogio traiçoeiro, mas não o é
de todo, sendo que é exatamente nessa simplicidade que o filme floresce e evita
cair nos perigos do pretensiosismo e auto glorificação que deflagram por outros
filmes semelhantes como forças destruidoras. Para mim, aliás, os únicos
momentos em que o filme realmente me começou a desiludir foram durante as cenas
do resgate final em que começa a existir uma enfática insistência no dramatismo
da situação que acaba por cair num cliché sentimentalista que não se conjuga
bem com o resto da abordagem do filme. Isto é, eu volto a salientar,
particularmente surpreendente quando consideramos a absoluta falta de leveza ou
delicadeza tonal que se espalha pela filmografia de Scott, se bem que aqui o
realizador tem muito que agradecer ao seu elenco.
No papel de Watney,
Damon quase se torna numa paródia da sua persona bonacheirona e cronicamente
amigável que tanto caracteriza a sua imagem pública dentro e fora do ecrã,
tornando a experiência de observar uma luta pela sobrevivência num ambiente
hostil em algo fácil de ver e invariavelmente divertido. Mesmo nos seus
momentos mais dramáticos o ator consegue delinear um equilíbrio tonal
imensamente necessário para o funcionamento do filme. A minha única objeção em
relação à sua caracterização de Watney é, na verdade, mais uma observação que
faço em relação a todo o edifício do filme que, devido em parte à sua segurança
e leveza, acaba por se tornar um pouco inconsequente e fácil de cair na sombra
do esquecimento quando comparado com outras obras. Há, seguindo este
raciocínio, uma falta imensa de sentido de perigo no desenvolver da ação, o que
é simultaneamente prazeroso enquanto vemos o filme mas também acaba por tornar
o filme em algo dispensável e com muito menos do impacto de outras obras em que
a audiência é colocada numa maior precariedade em relação ao destino das
personagens em cena.
Mas isso é uma crítica
bastante menor, e, continuando a falar do elenco, tenho de felicitar quem
esteve encarregue da escolha de atores pois este é um dos mais deliciosamente
composto elenco dos últimos anos de blockbusters de grandes estúdios
americanos. A presença de muitos atores decididamente cómicos como Kirsten Wiig
e Donald Glover é fenomenalmente eficaz na construção dessa elusiva leveza
sobre a qual não pareço conseguir parar de falar. O elo mais forte é para mim óbvio,
sendo que Chiwetel Ejiofor é maravilhosamente brilhante no papel do chefe das
missões a Marte em cujos ombros cai grande parte da pressão de trazer Watney de
volta são e salvo, A sua constante mistura de empatia dolorosa, fantástico
timing cómico e uma enervante frustração fazem da sua presença algo
indispensável na apreciação do filme. Apenas Jeff Daniels me deixa um pouco
desiludido, mas isso poderá ser apenas a minha fatiga com a sua presença em The Newsrrom, e o facto de que a sua
interpretação de diretor da NASA parece ter sido transplantada do mundo de
discursos forçosamente inspiradores e apenas ocasionalmente eficazes que tem
caracterizado essa malfadada criação de Aaron Sorkin.
Mas estabelecer estas
comparações entre obras exteriores ao filme e a realidade de The Martian parece-me ser injusto, mas
incrivelmente difícil de evitar, especialmente no que diz respeito a Gravity e Interstellar. Eu diria mesmo que, quando o filme, nomeadamente no
final, se começa a aproximar em demasia dos tons e visuais desses filmes
passados, há algo de infinitamente desapontante que apenas afeta negativamente
o modo como o filme envelhece na mente do espetador.
Mesmo assim, para
quem procurar uma divertida aventura espacial, este filme será certamente uma
escolha de eleição com primorosos valores de produção e um design, que apesar
de pecar pela relativa falta de originalidade, é imensamente detalhado e
eficaz, um ritmo imensamente bem calibrado, sendo que a montagem será dos
melhores elementos da totalidade da criação, e um elenco e tonalidade
surpreendentemente leves. Só mesmo para quem esperar uma tragédia pesada ou que
tenha uma aversão doentia a música disco é que eu realmente desaconselharia o
filme. É fácil de ver, simples e uma boa, se inconsequente, obra de cinema de
entretenimento.
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