domingo, 11 de outubro de 2015

BLACK MASS (2015) de Scott Cooper



 Para quem já viu outros filmes como Goodfellas, The Godfather, The Departed ou mesmo Public Enemies, a história e o tom de Black Mass não serão nenhuma surpresa. É algo um pouco frustrante estar sempre a ver filmes sobre gangsters e sobre a mafia americana e estar sempre a ser sujeito à mesma abordagem de sempre. Scorsese e Coppolla já com excelentes obras contribuíram para o mundo do cinema, mas, talvez, o seu mais permanente legado é o modo como definiram a narrativa do gangster para uma audiência contemporânea, fazendo com que a grande maioria dos filmes que se debruçam sobre a temática, se assemelhem, de modo extremamente cansativo, uns aos outros, formando uma espécie de subgénero rígido na sua linguagem e sua forma. Com este novo filme, Scott Cooper tenta claramente emular as criações de Scorsese, não possuindo, no entanto, nem uma fração da energia cinemática que torna os filmes dessa lenda viva do cinema americano em obras que, mesmo quando são imensamente problemáticas, são incomensuravelmente interessantes e espetáculos dignos de uma ida ao cinema.

 Black Mass olha para o caso real de James “Whitey” Bulger (Johnny Depp) e o modo como este se tornou um dos mais poderosos senhores do crime de Boston devido grandemente à associação que tinha com o FBI, possibilitada por John Connolly (Joel Edgerton), um agente que em tempos cresceu na mesma parte da cidade que Bulger e o seu irmão Billy (Benedict Cumberbatch), cujo estatuto como senador também, em parte, contribuiu para a impunidade com que “Whitey” desenvolveu o seu império de crime. O filme vai-nos expondo à sua história de ascensão e eventual queda, a partir de testemunhos feitos ao FBI, que resultaram na prisão de muitos dos envolvidos, incluindo Connolly,

 O modo como a narrativa assim se desenvolve, maioritariamente, a partir de testemunhos em primeira e segunda mão conferem uma certa frieza ao filme que poderia consigo trazer interessantes possibilidades. Mais que uma visão íntima de Bulger, o protagonista é sempre como que uma imagem um tanto ou quanto removida do resto da realidade do filme. Há uma falta de emoção e intimidade na abordagem narrativa que trai algumas das escolhas de realização, nomeadamente a melodicamente trágica banda-sonora que, a todo o momento, parece querer indicar uma grande tragédia americana. E dessa desconexão entre o martelar da música e de outras escolhas estilísticas, com o texto e sua distância e frieza, cria algo inteiramente insatisfatório.

 Basta olharmos o final do filme para nos apercebermos desta dita desconexão. Depois de uma visão bastante removida de todo este mundo criminoso e de uma absoluta falta de empatia para com as personagens, o filme tenta martelar-nos com a sua música, com imagens ligeiramente desaceleradas, buscando algum sentido de perda e sentimentalismo para o qual o resto do filme não contribuiu nada. O destino de Connolly, por exemplo, é imensamente desprovido de qualquer peso depois de um filme inteiro em que suas motivações e escolhas nos foram ocultadas ou expostas do modo mais insultuosamente simplista possível. É claro que Edgerton, numa das piores interpretações da sua carreira não ajuda nada no que diz respeito a este problema, apenas salientando a arrogância da figura e nunca investindo em qualquer nuance ou possível ingenuidade nas suas ações corruptas.

 No entanto, presumo que grandes fãs de Johnny Depp possam gostar do filme, sendo que, muito mais que Edgerton, ele é a consumada estrela de todo o edifício do filme.  O ator, cuja recente carreira nos demonstra uma coleção de exagerados fracassos interpretativos, consegue surpreender na sua abordagem, relativamente quieta e simples, sem grande presença dos seus tiques constantes ou dos seus trejeitos mais irritantes. Não estou a dizer que é um dos seus melhores trabalhos, longe disso na verdade, mas é algo refrescante depois dos anos de incompetência manienta. Apesar da sua considerável recusa dos lados mais exagerados e melodramáticos da sua figura, a maquilhagem com que Depp é caracterizado é imensamente irritante e distrativa. Tais transformações são outra constante na filmografia do ator, sendo que o espetador já deve estar acostumado a observar o ator enterrado em maquilhagem, mas aqui, o efeito, mais que transformativo, é o de o tornar em algo grotesco e ligeiramente inumano. Faz-me lembrar a face de Steve Carrell em Foxcatcher, nos seus ares reminiscentes de répteis. Os olhos azuis pálidos que nos aparecem em Depp, são de particular referência, concedendo-lhe um olhar enervante, como que morto e imóvel, apesar do trabalho de ator.

 Isto quase que confere mais um nível de interessante distanciamento no filme, mas, de novo relembro, que a abordagem é demasiado romântica e trágica para qualquer uma destas instâncias de frieza e distanciamento narrativo funcionarem na totalidade do filme. Depp é, aliás, bastante distinto do resto dos atores do filme que parecem ter decidido que o melhor que tinham a fazer era entrarem numa competição para ver quem consegue criar o mais irritantemente exagerado sotaque. O problema não é a quantidade de sotaques, visto que em The Departed tal não foi problemático, mas sim o modo grotesco e exuberante com que os intérpretes os constroem no filme. Cumberbatch é quase risível no filme, falhando, mais uma vez, em criar um sotaque americano minimamente credível, acabando por cair num registo untuoso e quase repugnante que desfia o que o texto parece querer implicar na sua figura, especialmente em cenas que partilha com o irmão. Alguns atores são, no entanto, bastante sólidos, oferecendo momentos de ocasional tensão e desconforto que funcionam para a experiência do filme, como Peter Sarsgaard ou Julianne Nicholson, apesar desta última estar condenada a trabalhar num filme que tem muito pouco tempo ou atenção para qualquer ser humano na sua narrativa que não tenha um pénis entre as pernas.

 Mas, muito mais que o elenco, ou mesmo o texto, é a abordagem do realizador que destrói o filme. Há uma insistência horrível em grandes planos constantes, e um convencionalismo rígido que evita mesmo a energia estilística que se vê em Goodfellas, para dar um exemplo de um filme de gansgter infinitamente superior a este, ou mesmo alguma da coragem estética de Public Enemies. O filme é, no final, imensamente aborrecido, completamente previsível e nada de novo traz a uma audiência que já tenha visto outros filmes semelhantes nos seus temas, nem mesmo escolhas estilísticas de louvor. Talvez alguém encontre algo de realmente valoroso e interessante em Black Mass, mas, pelo menos para mim, é uma experiência em tédio tornado cinema, em classicismo desinteressante e sufocante e é uma tentativa de Depp recuperar algum do prestígio e respeito critico que em tempos possuiu. “Whitey” foi a inspiração para a personagem de Jack Nicholson em The Departed de Martin Scorsese e, para ser completamente honesto, preferia ver esse filme mais dez vezes do que voltar a ter de sofrer Black Mass.

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