quarta-feira, 21 de outubro de 2015

PAN (2015) de Joe Wright

Assim termina a minha retrospetiva sobre a obra de Joe Wright com a sua obra mais recente, o detestável Pan: Viagem à Terra do Nunca.


 Depois de cerca de uma semana a ver filmes de Joe Wright e a apreciar os seus esforços cinematográficos não poderia ter havido pior final que a sua última, e pior, obra, Pan: Viagem à Terra do Nunca. O filme parece ser como que uma coleção de alguns dos piores impulsos na Hollywood contemporânea como a moda das histórias de origem e dos contos de fada tornadas histórias supostamente complexas e cheias de grosseiro pseudo realismo. Até a malfadada narrativa do Escolhido está aqui presente na figura de Peter Pan (Levi Miller), que longe de ter a origem deliciosamente absurda e simplisticamente melancólica que James Barrie inventou, é aqui o filho de uma guerreira (Amanda Seyfried) e de um príncipe das fadas, que uma profecia o destina a ser o salvador da mítica Terra do Nunca.

 Este filme padece de um dos piores textos do ano, um pesadelo de fórmulas imbecis e estrutura incompetente, e nem alguns rasgos criativos de Wright conseguem atenuar o espetáculo de estupidez cinematográfica do filme. O estilo do realizador está imensamente atenuado neste filme, talvez devido à magnitude do projeto ou a interferências dos estúdios. Não se encontrando aqui nenhum dos movimentos orgiásticos que se espalham pela sua filmografia, a steadycam característica de Wright aparentemente esquecida, sendo que nem no design parece existir a marca romântica e forçosamente artificial do cinema do autor inglês, nem mesmo a velocidade rítmica que tem sido tão impecavelmente criada em filmes como Expiação, Hanna e Anna Karenina. Eu diria mesmo que o filme apenas mostra alguma possibilidade de se elevar acima da monstruosidade do seu inepto texto quando Wright mais se consegue deixar levar pelo absurdismo cinemático sugerido pela obra, como quando a banda-sonora é invadida por covers dos Nirvana e dos Ramones, ou Peter brinca com Saturno como se o planeta fosse um brinquedo ou mesmo quando ao invés de mostrar sangue e cadáveres, a morte dos índios é mostrada através de explosões de pó colorido.

 Estes momentos de delicioso e criativo absurdo estão, no entanto, em desconexão quase completa com as intenções textuais e sua tentativa de acrescentar alguma complexidade pseudo realista na história de Peter Pan. O pó de fada é um cristal capaz de conceder imortalidade e de ser escavado em minas, chama-se Pixum, a habilidade de Peter voar advém da sua descendência de fada e da profecia que o aponta como salvador, o próprio nome Pan necessita de uma explicação convoluta. O problema com todas estas explicações e forçosos momentos de pseudo realismo, é que faz com que uma audiência comece a exigir uma certa lógica e racionalidade no resto do filme. Pan está cheio de momentos de ilógica narrativa como o modo como o vilão, Capitão Barba Negra (Hugh Jackman), se queixa no início da ameaça destrutiva dos índios, mas é capaz de os destruir facilmente quando está à procura de Peter, ou o facto de nunca ser explicado ou sugerido como é que os navios piratas voam, apesar de todos olharem um rapaz a flutuar no ar como o maior dos milagres. O próprio facto da história ter sido transportada para a 2ª Guerra Mundial me causa transtorno, especialmente porque parece ter sido uma escolha singularmente motivada pelo desejo de ter uma batalha aérea sob os céus londrinos com aviões a dispararem contra um navio voador.

 E depois há o modo como filme se inicia, prometendo uma narrativa que mostre a origem da animosidade entre Pan e Hook (Garrett Hedlund). Para além da história de origem das figuras, há aqui uma promessa de uma narrativa de amigos tornados inimigos, acabando o filme, no entanto, com os dois em perfeita amizade. Mesmo na sua estrutura e narrativa inventada sobre o cadáver dos textos originais sobre Peter Pan, o filme parece gozar com a audiência, estando sempre a mostrar elementos como o gancho, o crocodilo ou o navio, mas nunca explorando o modo como Hook passou de herói relutante a vilão icónico. Não que eu deseje uma sequela. O mundo não necessita de tal calamidade cinematográfica.

 Mas não é só o insultuosamente incompetente texto ou a realização desinspirada que mostram uma falta de equilíbrio ou visão, estando todos os elementos do filme sob a mesma pátina de confusa incompetência. Dos atores, eu diria que apenas Hugh Jackman consegue alcançar algo vagamente positivo, encontrando uma certo equilíbrio entre a estilização histriónica e uma ameaça vilanesca. Hedlund, por outro lado, é um perfeito desastre de caracterização cómica, sem nenhum charme capaz de distrair do seu ridículo sotaque ou maneirismos claramente forçados. Rooney Mara como Tiger Lily, longe de justificar toda a controvérsia à volta do seu casting, é simplesmente banal e aborrecida. Joe Wright já mostrou no passado a sua capacidade para trabalhar com atores jovens mas nem ele consegue retirara algo que se aproveite do trabalho entediante e pouco convincente de Levi Miller no papel titular.

 O próprio design está preso numa esquizofrenia incompetente, misturando uma opulência desenfreada e fantasiosa com escolhas bizarras e estúpidas. A cenografia é ocasionalmente bela e inspiradora de fantasia infantil, mas depois aparece com visões pontuadas por um realismo desnecessário como a estrutura envelhecida das minas. E nem quero gastar muito latim nos cenários da selva e sua clara falsidade, sem qualquer estilização atraente. Talvez o que mais me destroçou tenha mesmo sido o desenho de figurinos de Jacqueline Durran, que na ridícula e excessiva figura do Barba Negra tem o maior desastre de toda a sua filmografia. Apenas alguns dos figurinos dos índios me capturaram a atenção num modo positivo, encontrando uma espécie de multi referencialidade colorida que evita prender-se demasiado a qualquer etnia real, especialmente fugindo à imagética expectável dos nativos americanos.

 Em relação aos outros aspetos do filme há pouco a acrescentar. Os efeitos visuais são eficazes se demasiado presentes, sendo especialmente formidáveis no clima do filme num gigantesco ambiente coberto de cristais. A música de John Powell é energética e agradável sem nunca chegar ao génio de romantismo dinâmico de Dario Marianelli e seus trabalhos com Wright. A montagem e o som, por outro lado, tendem a cair nas mesmas escolhas e ritmos erráticos e aborrecidos que infetam todo o filme.

 Em resumo este é o pior filme de Wright e o melhor que um fã do realizador tem a fazer é tentar esquecer a sua existência. Pan: Viagem à Terra do Nunca é uma tempestade de estupidez, de incompetência e de más escolhas, sendo completamente dispensável e piedosamente esquecível.


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