Depois de cerca de
uma semana a ver filmes de Joe Wright e a apreciar os seus esforços
cinematográficos não poderia ter havido pior final que a sua última, e pior,
obra, Pan: Viagem à Terra do Nunca. O
filme parece ser como que uma coleção de alguns dos piores impulsos na
Hollywood contemporânea como a moda das histórias de origem e dos contos de
fada tornadas histórias supostamente complexas e cheias de grosseiro pseudo realismo.
Até a malfadada narrativa do Escolhido está aqui presente na figura de Peter
Pan (Levi Miller), que longe de ter a origem deliciosamente absurda e
simplisticamente melancólica que James Barrie inventou, é aqui o filho de uma
guerreira (Amanda Seyfried) e de um príncipe das fadas, que uma profecia o
destina a ser o salvador da mítica Terra do Nunca.
Este filme padece de
um dos piores textos do ano, um pesadelo de fórmulas imbecis e estrutura
incompetente, e nem alguns rasgos criativos de Wright conseguem atenuar o
espetáculo de estupidez cinematográfica do filme. O estilo do realizador está
imensamente atenuado neste filme, talvez devido à magnitude do projeto ou a
interferências dos estúdios. Não se encontrando aqui nenhum dos movimentos
orgiásticos que se espalham pela sua filmografia, a steadycam característica de
Wright aparentemente esquecida, sendo que nem no design parece existir a marca
romântica e forçosamente artificial do cinema do autor inglês, nem mesmo a
velocidade rítmica que tem sido tão impecavelmente criada em filmes como Expiação, Hanna e Anna Karenina. Eu
diria mesmo que o filme apenas mostra alguma possibilidade de se elevar acima
da monstruosidade do seu inepto texto quando Wright mais se consegue deixar
levar pelo absurdismo cinemático sugerido pela obra, como quando a banda-sonora
é invadida por covers dos Nirvana e dos Ramones, ou Peter brinca com Saturno
como se o planeta fosse um brinquedo ou mesmo quando ao invés de mostrar sangue
e cadáveres, a morte dos índios é mostrada através de explosões de pó colorido.
Estes momentos de
delicioso e criativo absurdo estão, no entanto, em desconexão quase completa
com as intenções textuais e sua tentativa de acrescentar alguma complexidade
pseudo realista na história de Peter Pan. O pó de fada é um cristal capaz de
conceder imortalidade e de ser escavado em minas, chama-se Pixum, a habilidade
de Peter voar advém da sua descendência de fada e da profecia que o aponta como
salvador, o próprio nome Pan necessita de uma explicação convoluta. O problema
com todas estas explicações e forçosos momentos de pseudo realismo, é que faz
com que uma audiência comece a exigir uma certa lógica e racionalidade no resto
do filme. Pan está cheio de momentos
de ilógica narrativa como o modo como o vilão, Capitão Barba Negra (Hugh Jackman),
se queixa no início da ameaça destrutiva dos índios, mas é capaz de os destruir
facilmente quando está à procura de Peter, ou o facto de nunca ser explicado ou
sugerido como é que os navios piratas voam, apesar de todos olharem um rapaz a
flutuar no ar como o maior dos milagres. O próprio facto da história ter sido
transportada para a 2ª Guerra Mundial me causa transtorno, especialmente porque
parece ter sido uma escolha singularmente motivada pelo desejo de ter uma
batalha aérea sob os céus londrinos com aviões a dispararem contra um navio
voador.
E depois há o modo
como filme se inicia, prometendo uma narrativa que mostre a origem da
animosidade entre Pan e Hook (Garrett Hedlund). Para além da história de origem
das figuras, há aqui uma promessa de uma narrativa de amigos tornados inimigos,
acabando o filme, no entanto, com os dois em perfeita amizade. Mesmo na sua
estrutura e narrativa inventada sobre o cadáver dos textos originais sobre
Peter Pan, o filme parece gozar com a audiência, estando sempre a mostrar
elementos como o gancho, o crocodilo ou o navio, mas nunca explorando o modo
como Hook passou de herói relutante a vilão icónico. Não que eu deseje uma
sequela. O mundo não necessita de tal calamidade cinematográfica.
Mas não é só o
insultuosamente incompetente texto ou a realização desinspirada que mostram uma
falta de equilíbrio ou visão, estando todos os elementos do filme sob a mesma
pátina de confusa incompetência. Dos atores, eu diria que apenas Hugh Jackman
consegue alcançar algo vagamente positivo, encontrando uma certo equilíbrio
entre a estilização histriónica e uma ameaça vilanesca. Hedlund, por outro
lado, é um perfeito desastre de caracterização cómica, sem nenhum charme capaz
de distrair do seu ridículo sotaque ou maneirismos claramente forçados. Rooney
Mara como Tiger Lily, longe de justificar toda a controvérsia à volta do seu
casting, é simplesmente banal e aborrecida. Joe Wright já mostrou no passado a
sua capacidade para trabalhar com atores jovens mas nem ele consegue retirara
algo que se aproveite do trabalho entediante e pouco convincente de Levi Miller
no papel titular.
O próprio design está
preso numa esquizofrenia incompetente, misturando uma opulência desenfreada e
fantasiosa com escolhas bizarras e estúpidas. A cenografia é ocasionalmente
bela e inspiradora de fantasia infantil, mas depois aparece com visões pontuadas
por um realismo desnecessário como a estrutura envelhecida das minas. E nem
quero gastar muito latim nos cenários da selva e sua clara falsidade, sem qualquer
estilização atraente. Talvez o que mais me destroçou tenha mesmo sido o desenho
de figurinos de Jacqueline Durran, que na ridícula e excessiva figura do Barba
Negra tem o maior desastre de toda a sua filmografia. Apenas alguns dos
figurinos dos índios me capturaram a atenção num modo positivo, encontrando uma
espécie de multi referencialidade colorida que evita prender-se demasiado a
qualquer etnia real, especialmente fugindo à imagética expectável dos nativos
americanos.
Em relação aos outros
aspetos do filme há pouco a acrescentar. Os efeitos visuais são eficazes se
demasiado presentes, sendo especialmente formidáveis no clima do filme num
gigantesco ambiente coberto de cristais. A música de John Powell é energética e
agradável sem nunca chegar ao génio de romantismo dinâmico de Dario Marianelli
e seus trabalhos com Wright. A montagem e o som, por outro lado, tendem a cair
nas mesmas escolhas e ritmos erráticos e aborrecidos que infetam todo o filme.
Em resumo este é o
pior filme de Wright e o melhor que um fã do realizador tem a fazer é tentar
esquecer a sua existência. Pan: Viagem à
Terra do Nunca é uma tempestade de estupidez, de incompetência e de más
escolhas, sendo completamente dispensável e piedosamente esquecível.
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