domingo, 25 de outubro de 2015

CRIMSON PEAK (2015) de Guillermo del Toro

 Referenciando tudo desde Val Lewton e Jacques Tourneur a Stanley Kubrick, Guillermo del Toro oferece em Crimson Peak um hipnotizante espetáculo nostálgico, uma verdadeira celebração do cinema de terror clássico. 


 Numa das mais características cenas de Crimson Peak: A Colina Vermelha, o novo filme de Guillermo del Toro, duas mulheres encontram-se num parque, a observar borboletas nos seus últimos momentos de vida. Os magníficos insetos não conseguem sobreviver ao frio e falta de sol, estremecendo enquanto morrem. Uma delas pega numa das borboletas e com a sua asa acaricia a sua face e a da sua companheira, antes de a atirar para o chão, onde a borboleta é devorada por formigas. No mundo deste filme, subtileza não tem lugar para existir. Para além do diálogo cheio de presságios óbvios e simbolismos descarados, a própria borboleta e o seu cruel fim são horrendamente observados por del Toro, em planos em CGI que se vão aproximando do animal à medida que este é violentamente devorado. A beleza e a carnificina sanguinária existem em uníssono neste mundo conjurado por del Toro, um mundo onde qualquer noção de realismo moderno foi substituído por uma extravagância artificial que normalmente observamos em filmes de terror clássicos, quer sejam as coloridas obras de giallo, quer sejam as sombras expressionistas dos filmes de terror dos anos 20 e 30.

 Estas duas mulheres são Edith (Mia Wasikowska), filha de um americano industrial que sonha em se tornar escritora, e Lucille Sharpe (Jessica Chastain), uma sombria aristocrata inglesa cujo irmão Thomas Sharpe (Tom Hiddleston) seduz Edith e acaba por casar com ela depois da morte violenta do seu pai. O enredo é bastante simples, uma herdeira americana é seduzida por um misterioso europeu, casa-se e vai para um mundo de escuridão e sombras ameaçadoras numa mansão assombrada. Junte-se a isto um pouco de perversidade hitchcockiana que relembra Notorious e temos a história de Crimson Peak. Não temos aqui nada de muito complexo ou difícil de digerir, mas sim uma estrutura narrativa que lembra os apressados e imensamente eficazes guiões dos filmes de terror da Universal de outrora.

 No início, o classicismo nostálgico do filme é impossível de ignorar, infetando todos os elementos do filme. Mesmo os atores trabalham sob uma atmosfera de nostalgia estilística, sendo Wasikowska uma perfeita substituta para uma Joan Fontaine delicada e constantemente amedrontada, simples e sem grandes complexidades. Hiddleston é um herói típico vitoriano, meio Lord Byron, meio Mr. Rochester, com uma pitada de perversidade que o faz parecer uma parte transplantada de um filme da Hammer Film Productions. Até Charlie Hunman, no seu papel de um amigo de Edith, o herói decente e imensamente aborrecido, é perfeito na sua rigidez. Ele é um típico herói do cinema de terror clássico, um Jonathan Arker que é apenas necessário para contrastar com a monstruosidade exuberante do seu filme. E esse monstro, longe de ser um dos espíritos que vão aparecendo, é Lucille Sharpe, maravilhosamente encarnada por Chastain num registo que parece ter-se baseado na Mrs. Danvers de Judith Anderson, com um acrescento generoso de selvageria animalesca nos momentos acertados.

 Muito mais explícito e intoxicante que a estilização performativa do elenco, é a direção de del Toro e os visuais por ele, e sua equipa, concretizados. A fotografia de Dan Laustsen cobre o filme com sombras profundas que, por vezes, parecem consumir o filme em expressionista escuridão. A cenografia de Thomas E. Sanders constrói um mundo de estilizados horrores, sendo que a mansão dos irmãos Sharpe é uma das mais magníficas criações do cinema de terror contemporâneo, tão exagerada na sua decrepitude quão monumental na sua opulência e detalhe. Neste mundo em que o chão “sangra” argila vermelha, os humanos da história aparecem vestidos com criações tão exuberantes como os espaços, cobertos de simbologia esmagadora e num registo estilístico que não tem grande comparação no panorama cinematográfico atual. Edith na sua silhueta de 1890, amarelos ricos e decoração floral é um direto contraste com a frieza moribunda dos Sharpe, especialmente Lucille que parece, na sua elegância antiquada, ser quase que uma extensão humana do edifício espectral em que decorre a maioria do filme.

 Se a maioria dos visuais parece remeter para uma estética nostálgica e opulente, os efeitos visuais são inexoravelmente modernos. Desde a sequência da borboleta a ser devorada até às assombrações, há algo de definitivamente estranho no uso de CGI num filme que tanto parece querer pertencer a uma era passada da história do cinema. Mas será mesmo por essa estranheza que estes efeitos resultam, sendo que os fantasmas, na sua pestilenta e fumegante negrura, parecem pertencer a um mundo completamente diferente do resto do filme. O foco do horror do filme não são, contudo os fantasmas que com tudo parecem destoar mas sim os humanos em que todo o horror da história parece convergir.

 Também a história do filme joga com a mistura de modernidade e classicismo nostálgico, sendo que isto se verifica especialmente no modo como del Toro explora as personagens femininas deste seu romance gótico. A cena de sexo em que apenas Hiddleston mostra nudez, já foi bastante discutida pela internet, mas a grande reviravolta do filme acontece, para mim, no seu violento clímax. Aí, os heróis masculinos são ora incapacitados ou assassinados pela furiosa vilã, e o filme tem o seu desfecho numa perseguição pela neve, em que as duas figuras femininas principais lutam entre si, com facas empunhadas, e com as suas camisas de noite manchadas com o vermelho do sangue e da argila que forma a colina do título. As motivações da vilã são o desejo de viver a sua vida como quer, em toda a sua sangrenta perversidade, e, quando a impedem disso mesmo, a sua reação é uma fúria vingativa, enquanto a heroína, outrora vitimizada e delicada, emerge como uma sobrevivente enraivecida. Por muito que este proto feminismo se perca por entre o resto da construção do filme rica em arquétipos simplistas, essa luta final é gloriosa e maravilhosamente inesperada depois de toda a nostalgia que até então se manifestou.

 As minhas principais reticências em relação ao completo sucesso de Crimson Peak devêm desse raro defeito que é o excesso de ambição. Numa tentativa de referenciar o que, por vezes, parece ser toda a história do cinema de terror ocidental, del Toro tem tendência a se perder um pouco. Há um particular excesso de simbolismos, diálogos explicativos, flashbacks e sequências repetitivas, que retiram ao filme a elegância e eficácia estrutural que tanto brilham nas obras de terror clássico.
 No entanto, apesar desses meus problemas com o filme, Crimson Peak é uma obra de hipnotizante cinema de entretenimento. Talvez seja um filme maioritariamente feito para fãs de cinema de terror clássico (como eu), do mesmo modo que Pacific Rim pareceu uma obra somente concebida para fãs de cinema japonês do género daikaiju. Talvez por isso o filme seja um pouco difícil de apreciar para quem espere uma modernidade que del Toro simplesmente se recusa a oferecer. Mesmo para os seus detratores, no entanto, Crimson Peak, na sua gloriosa construção sensorial, é uma obra difícil de ignorar, um extravagante pesadelo nostálgico que seduz com a sua relativa simplicidade e sua luxuriante exuberância estilística. 

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