terça-feira, 27 de outubro de 2015

FRANKENSTEIN (1931) de James Whale

 Com o Halloween a aproximar-se e o cinema de terror clássico a ser homenageado nos cinemas com Crimson Peak, decidi revisitar um dos mais importantes filmes de terror na história do cinema, Frankenstein de James Whale. 


 O género de terror não era uma novidade no cinema americano, mas em 1931 deu-se uma reviravolta e abriram-se as portas para o tipo de terror que iria caracterizar o resto da década. Criaturas monstruosas icónicas e desdobradas em franchises que fazem lembrar as narrativas de super-heróis da atualidade. Talvez algo que faltava ao cinema de género dos estúdios americanos era a sofisticação que o cinema europeu já tinha alcançado nas suas obras arrepiantes, e é aí que entra o genial James Whale e a imensamente célebre adaptação de Frankenstein produzida pela Universal.
 Depois do sucesso imenso da sua versão de Dracula, a Universal Pictures procurava outra obra literária a adaptar para um filme de terror quando Carl Laemmle Jr. se decidiu a adaptar Frankenstein, da autoria de Mary Shelley, para o cinema. Tal como ocorreu com a obra sobre o icónico vampiro, mais do que se basear na obra literária do século XIX, o filme foi maioritariamente desenvolvido a partir de uma adaptação teatral que já tinha sido feita com base no livro de Shelley. Muito mais perversamente próximo da obra original viria a ser o texto da sequela que Whale concebeu para este seu sucesso.

 O enredo de Frankenstein é, aliás, completamente distante do livro da autora romântica, pegando apenas em conceitos e premissas narrativas e alguns nomes de personagens na criação da sua história. Neste filme encontramos o Dr. Henry Frankenstein (Colin Clive), um megalómano cientista que habita um castelo tenebroso numa vila remota chamada Goldstadt. Aonde e quando isto tudo ocorre é deixado deliberadamente nebuloso e incerto, mas penso ser acertado dizer que se passa tudo algures num tempo reminiscente do século XIX e numa região proveniente de exóticas fantasias americanas da Europa de Leste. O cientista meio-louco de ambição tem a ajuda de um assistente corcunda, Fritz (Dwight Frye), e, no início do filme, observamo-los aos dois a tentarem roubar um cérebro de um cadáver acabado de enforcar. Infelizmente, o cérebro encontrava-se demasiado danificado. Numa sequência de eventos que vão levar à monstruosidade central ao filme, Fritz encontra outro cérebro para as experiências de seu mestre. Este novo cérebro pertencera a um psicopata, algo desconhecido pelo doutor quando, no meio de uma tempestade, completa a sua abominável experiência e dá vida à sua criação. O monstro que aqui ganha vida é feito de partes de cadáveres unidos por Frankenstein e revitalizado pela eletricidade. Como seria de esperar, tudo começa a correr mal para o doutor a partir deste momento com os seus entes queridos a aperceberem-se da ambição enlouquecida de Henry e com a criatura a eventualmente fugir dos confins do castelo e causando destruição na aldeia próxima. A história final é basicamente a de um cientista louco a tentar corrigir o erro de se sentir Deus e de uma monstruosidade que não tem lugar neste mundo e que é constantemente perseguida por todos os humanos à sua volta.

 O derradeiro milagre do filme como uma narrativa é, no entanto, o modo como complica esta história bastante simples, não fosse o monstro a mais complexa e comovente entidade em todo o edifício do filme. É claro que isto se deve em igual parte ao trabalho de Whale como realizador e no de Boris Karloff como ator. Apesar do ator ter sido toda a vida menosprezado como intérprete devido à sua fama ter sido ganha em filmes de género, eu considero-o como um dos melhores atores da era dourada dos estúdios de Hollywood, sendo o monstro de Frankenstein a sua mais célebre e inesquecível criação.

 Numa genial e icónica caracterização edificada por Whale, Karloff é uma gigantesca presença de aparência desumana, que, num verdadeiro triunfo da arte cinemática, é paradoxalmente a mais humana presença do filme. O monstro é como que uma entidade meio infantil trazida ao mundo sem o seu consentimento. Há uma curiosidade e inocência que preenchem até os seus mais violentos atos. Duas cenas em particular mostram a genialidade de Karloff, numa delas o mostro, ao ver um feixe de luz dentro do cavernoso castelo, estende as suas mãos aos céus, tentando encontrar algo intangível que tanto é a luminosidade como algo de espiritual. Na segunda cena de referência, o monstro encontra uma jovem rapariga a brincar junto à água e, como uma bestial criança, junta-se a ela que se encontrava a atirar flores para as águas. A confusão de um recém-nascido num mundo confuso mistura-se com a bruta força de um corpo de monstro e ele atira a rapariga para água, afogando-a sem se aperceber das consequências de seus atos ou do próprio conceito de morte.

 De menor mérito e fama, mas não menos fulcral para o sucesso do filme, está o trabalho de Clive no papel do cientista louco, uma figura que também consegue encontrar alguma humanidade por entre os exageros caricaturescos deste arquétipo das narrativas de terror. Não que o ator tenha uma fração da majestosa subtileza e expressividade suave de Karloff, encontrando, pelo contrário, a sua latente humanidade no exagero e impacto emocional da sua teatralidade quase grotesca. O resto do elenco não tem esperança de ser tão eficaz como os seus protagonistas, sendo que muitos dos restantes atores têm tendência a serem exemplos do artificialismo cansativo e cheio de manias que se registam nos piores filmes do início da era sonora em Hollywood.

 Todas estas palavras sobre o elenco e sobre o texto e ainda quase nada mencionei do génio por detrás deste filme. James Whale, apesar de ter realizado numerosos filmes na sua relativamente curta carreira em Hollywood, será para sempre recordado pelo seu trabalho nos dois primeiros filmes que a Universal produziu sobre o monstro de Frankenstein. Para entendermos a importância do realizador basta olharmos para a versão de Dracula, produzida pela Universal no mesmo ano. Nesse filme, realizado por Tod Browning, pouco há para louvar que não seja o trabalho de Bela Lugosi como o vampiro central, sendo que todo o filme peca por uma sufocante teatralidade e rigidez típica destes primeiros anos do cinema sonoro. Frankenstein e a realização de Whale não podiam estar mais distantes da entediante banalidade do filme sobre o mais famoso vampiro da ficção.

 O que Whale fez e que alterou por completo o panorama do cinema de terror como o conhecemos hoje em dia foi ir buscar ao cinema europeu uma coleção de técnicas e ideias estilísticas e incorporá-las no sistema de estúdios de Hollywood. E assim entrou o Expressionismo Alemão no cinema americano e até hoje é difícil separar os dois, nomeadamente quando falamos de cinema de terror. Toda a construção cinematográfica desta obra mostra a influência europeia, basta olharmos para os cenários cavernosos, passando pelos movimentos de câmara precisos, as composições geométricas e especialmente a iluminação de cortante chiaroscuro. Numa época em que o cinema americano estava prisioneiro das limitações técnicas dos primeiros mecanismos de captura de som para cinema, Whale não conteve a sua criatividade e nenhuma modéstia deixou transparecer no seu filme, fazendo de Frankenstein uma obra tão estilisticamente sofisticada e impressionante como o cinema inovador que se desenvolvia no continente europeu. Apenas o texto, que por vezes peca pelo simplismo forçado, é que desmascara o filme como um produto completamente comercial para os estúdios americanos, pois esteticamente poucos filmes se comparavam a Frankenstein em 1931 no que diz respeito a complexidade e simples ambição.

O trabalho e a vida de Whale são algo que me fascina, pelo que talvez me esteja em demasia a influenciar pela minha paixão de fã. No entanto, acho que é ridículo tentar falar dos seus filmes sem cair numa retórica de cinema de autor, sendo que basta ler uma breve biografia do realizador para nos apercebermos do modo como a experiência como prisioneiro de guerra de Whale na 1ª Grande  Guerra e a sua infância numa negra, fumarenta e opressivamente conservadora parte de Inglaterra, acabaram por influenciar o mundo por ele conjurado neste marco incontornável do cinema de terro. Frankenstein de 1931 é especialmente fascinante se considerarmos a sua estilização que revela uma dolorosa humanidade com os excessos e loucuras meio cómicas que Whale viria a revelar na sua sequela, mas essa é uma discussão para outro dia.


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