A segunda
longa-metragem do realizador inglês Ridley Scott, mantém-se, pelo menos no meu
cânone pessoal, como, talvez, o melhor exemplo de como o mais aterrador do
cinema de terror se baseia numa relação próxima entre o que nos é familiar e
comum e o desconhecido. Nesta obra magistral, um dos melhores filmes de
ficção-científica e de terror alguma vez concebidos, observamos como a
tripulação de uma nave chamada Nostromo, quase que um petrolífero espacial recebe,
de um planeta desconhecido, uma mensagem que suplica auxílio. A diminuta
tripulação de sete desce ao planeta e lá encontra uma colossal nave em ruínas,
no seu interior, um dos nossos protagonistas é atacado por uma estranha
criatura que se fixa na sua face e depois de voltarem ao Nostromo e a uma aparente
normalidade, mais ou menos no meio exato do filme, uma criatura explode do
corpo desse mesmo tripulante, acabando por crescer e por matar, um por um, os
humanos no veículo, a não ser a nossa final
girl, a tenente Ellen Ripley (Sigounrey Weaver).
A premissa e base
narrativa são imensamente simples e até clichés, assim como a maioria da sua
estrutura que é incrivelmente semelhante ao que viria a ser denominado de slasher film. Mas, de tal simplicidade e
lugares comuns, emerge uma obra de um primor absoluto e maravilhosa
complexidade, sendo que o impacto e sucesso do filme começam, talvez não tanto
no seu perversamente engenhoso texto, mas no design tanto do mundo do filme
como da criatura que lhe dá título.
H. R. Gieger é o
principal culpado da imagética tenebrosa e horrendamente criativa que tão
caracteriza o filme, tendo desenhado o planeta onde os tripulantes do Nostromo
encontram a nave deserta assim como da criatura em si nos seus diversos estados
de desenvolvimento. O artista suíço traz com os seus desenhos uma dimensão
psicossexual ao filme que é apenas sugerida pelo texto, mas que se torna
opressivamente inescapável com as suas monstruosas visões. O facehugger, a fase de desenvolvimento
que se segue ao ovo e que se agarra como um par de mãos esqueléticas à cara de
suas vítimas, emprega o seu hóspede por meio de algo que parece o cruzamento
demoníaco entre os órgãos sexuais masculinos e femininos. Depois de empregar a
sua vítima, a monstruosidade desenvolve-se no seu interior, sendo que quando
nasce é num parto violento, rasgando o corpo do hóspede e emergindo como uma espécie
de uma fusão entre um falo e uma serpente sem olhos. Daí para a frente o seu
desenvolvimento culmina na imagem que todos reconhecemos como o titular
monstro, com a sua cabeça fálica e sem olhos, seu corpo esquelético, dois pares
de mandíbulas e sua cauda que, numa das mortes mais aterrorizantes do filme,
quase que parece violar sexualmente uma das suas vítimas. A psicose e o medo da
violação sexual tornado monstro meio máquina de morte meio ser humanoide.
Poucas criações na história do cinema de terror foram tão visceralmente assustadoras
que este pesadelo vivo.
Mas, por muito que eu
louve o design miraculoso das partes mais fantasiosas do filme, é no seu
contraste com a normalidade do Nostromo que o verdadeiro erro emerge. No início
do filme algo que é imensamente notório é quão normal a visão que Scott conjura
é. As roupas da equipa não são estranhas criações de alta-costura futurista mas
parecem indumentárias de comuns operários, seus modos são decididamente
modernos e a própria nave, parece ser um navio de cargas cruzado com um
petroleiro. Há uma familiaridade a estas imagens e a estas personagens humanas
e é na violação violenta dessa familiaridade que o terror se cria.
Entendendo bem as
limitações dos seus efeitos especiais, Scott engendra as cenas à volta do que
não conseguimos ver, com uma paisagem sonora expressiva e loucamente intensa,
um jogo de sombras e enquadramentos precisos e um desenvolvimento narrativo à
volta do próprio facto das personagens não conseguirem perceber a localização
da criatura. O desconhecido é o real monstro neste filme, sendo que esse medo
básico, que, dizendo bem a verdade, está na base de grande parte deste tipo de
cinema, é aqui conjurado de um modo violentamente intenso e direto.
A própria mistura
sacrílega entre maquinaria e organismos parece uma violação de conceitos
aparentemente familiares a uma audiência moderna, aqui pervertidos em horrores.
Quando um dos tripulantes se revela como um robot e ataca Ripley, expondo mais
um horror, este proveniente da desumanidade institucional deste futuro, o seu
corpo é apresentado como uma mistura horrenda entre partes orgânicas e mecânicas.
A cabeça decapitada continua a mexer-se, o seu sangue é leitoso e estranho,
mesmo quando inofensivo, a sua imagem conjura uma repulsa quase que primitiva
no espetador.
Muito se tem escrito
sobre a visão de sexualidade monstruosa e alienígena que Scott e os restantes
criadores do filme concretizaram, pelo que tentarei não sublinhar mais este aspeto
do filme, que, há que admitir, é um dos mais importantes culpados do modo como
o filme se mantém relevante e intenso mesmo na atualidade.
A atmosfera do filme
é impecavelmente conseguida, desde a banda-sonora ameaçadora de Jerry
Goldsmith, passando pela montagem incrivelmente precisa de Terry Rawlings
criando uma experiência de claustrofobia que quase sufoca o espetador. A nave é
um labirinto vindo de um pesadelo, onde os sons e as sombras todos os males do
mundo parecem conter, o foco insistente na cara doa tores apenas intensifica o
desconforto da audiência, prendendo-nos a uma imagem limitada que esconde parte
dessas sombras, tornando o que não vemos em desconhecido, e esse desconhecido é
a fonte doe todo este pesadelo. Quando um dos aparentes finais do filme é
violado pelo aparecimento surpreendente da besta, o relaxamento da audiência é
de novo substituído por essa asfixia cinematográfica, sendo que se diz que
aquando do filme estrear, houve pessoas que saíram do cinema quando isto
aconteceu. No final, o único vislumbre de calma que temos é um momento de
insegura pausa e reflexão, um suspiro de alívio em forma de cinema, depois da
mini odisseia de horrores que testemunhamos. Se há alguma prova da magistral
manipulação de atmosfera e tensão são esses momentos finais.
É difícil de crer que
tanto já falei sobre este filme sem mencionar o seu elenco, um dos melhores
alguma vez reunidos num filme de terro apesar do seu limitado número. De
realçar são Ian Holm com a sua rígida postura e nojenta perversidade fria nos
seus momentos finais, o histerismo horrorizado de Veronica Cartwright e claro,
a performance que realmente introduziu ao mundo Sigourney Weaver. A atriz é a
nossa âncora na segunda metade do filme, sendo que no início é fascinante o
modo como o realizador e a atriz fazem de Ripley apenas mais uma figura na
coletividade da equipa, sendo que apenas no jogo de gato e rato que enche
grande parte dessa derradeira metade é que Weaver consegue realmente mostrar as
suas capacidades. Tal como no horror que sentimos, há algo de visceral em
Ripley, mais que uma personagem humana, ela torna-se uma personificação da
resiliência e do medo, da humanidade a tentar escapar do horror da besta. Por
muito que o filme se aproxime quase que predatoriamente da face da atriz, a sua
expressão é transcendente, revelando uma sinceridade emocional crucial para a
completa experiência de horror que o filme alcança.
Para ser sincero, Alien é como que uma perfeita construção
cinematográfica, quase que um mecanismo tornado cinema. As suas partes
individuais e sua estrutura são incrivelmente banais, mas há algo de perfeito
na sua conjugação aqui, sendo que as visões de Gieger e mestria de Scott
conferem algo de magnificamente intenso a toda a construção. É uma das obras
mais fascinantes dos dois géneros cinematográficos a que é normalmente associado,
o terror e a ficção-científica, e mesmo para quem não seja um devoto cinéfilo,
e inegável o poder deste filme para amedrontar e assustar, como que um obsceno
pesadelo tornado realidade diante dos nosso olhos. O filme é inescapável e essencial,
assim como uma experiência difícil de esquecer depois de nos imergirmos nos
seus horrores.
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