quinta-feira, 8 de outubro de 2015

ALIEN (1979) de Ridley Scott



 A segunda longa-metragem do realizador inglês Ridley Scott, mantém-se, pelo menos no meu cânone pessoal, como, talvez, o melhor exemplo de como o mais aterrador do cinema de terror se baseia numa relação próxima entre o que nos é familiar e comum e o desconhecido. Nesta obra magistral, um dos melhores filmes de ficção-científica e de terror alguma vez concebidos, observamos como a tripulação de uma nave chamada Nostromo, quase que um petrolífero espacial recebe, de um planeta desconhecido, uma mensagem que suplica auxílio. A diminuta tripulação de sete desce ao planeta e lá encontra uma colossal nave em ruínas, no seu interior, um dos nossos protagonistas é atacado por uma estranha criatura que se fixa na sua face e depois de voltarem ao Nostromo e a uma aparente normalidade, mais ou menos no meio exato do filme, uma criatura explode do corpo desse mesmo tripulante, acabando por crescer e por matar, um por um, os humanos no veículo, a não ser a nossa final girl, a tenente Ellen Ripley (Sigounrey Weaver).

 A premissa e base narrativa são imensamente simples e até clichés, assim como a maioria da sua estrutura que é incrivelmente semelhante ao que viria a ser denominado de slasher film. Mas, de tal simplicidade e lugares comuns, emerge uma obra de um primor absoluto e maravilhosa complexidade, sendo que o impacto e sucesso do filme começam, talvez não tanto no seu perversamente engenhoso texto, mas no design tanto do mundo do filme como da criatura que lhe dá título.

 H. R. Gieger é o principal culpado da imagética tenebrosa e horrendamente criativa que tão caracteriza o filme, tendo desenhado o planeta onde os tripulantes do Nostromo encontram a nave deserta assim como da criatura em si nos seus diversos estados de desenvolvimento. O artista suíço traz com os seus desenhos uma dimensão psicossexual ao filme que é apenas sugerida pelo texto, mas que se torna opressivamente inescapável com as suas monstruosas visões. O facehugger, a fase de desenvolvimento que se segue ao ovo e que se agarra como um par de mãos esqueléticas à cara de suas vítimas, emprega o seu hóspede por meio de algo que parece o cruzamento demoníaco entre os órgãos sexuais masculinos e femininos. Depois de empregar a sua vítima, a monstruosidade desenvolve-se no seu interior, sendo que quando nasce é num parto violento, rasgando o corpo do hóspede e emergindo como uma espécie de uma fusão entre um falo e uma serpente sem olhos. Daí para a frente o seu desenvolvimento culmina na imagem que todos reconhecemos como o titular monstro, com a sua cabeça fálica e sem olhos, seu corpo esquelético, dois pares de mandíbulas e sua cauda que, numa das mortes mais aterrorizantes do filme, quase que parece violar sexualmente uma das suas vítimas. A psicose e o medo da violação sexual tornado monstro meio máquina de morte meio ser humanoide. Poucas criações na história do cinema de terror foram tão visceralmente assustadoras que este pesadelo vivo.

 Mas, por muito que eu louve o design miraculoso das partes mais fantasiosas do filme, é no seu contraste com a normalidade do Nostromo que o verdadeiro erro emerge. No início do filme algo que é imensamente notório é quão normal a visão que Scott conjura é. As roupas da equipa não são estranhas criações de alta-costura futurista mas parecem indumentárias de comuns operários, seus modos são decididamente modernos e a própria nave, parece ser um navio de cargas cruzado com um petroleiro. Há uma familiaridade a estas imagens e a estas personagens humanas e é na violação violenta dessa familiaridade que o terror se cria.

 Entendendo bem as limitações dos seus efeitos especiais, Scott engendra as cenas à volta do que não conseguimos ver, com uma paisagem sonora expressiva e loucamente intensa, um jogo de sombras e enquadramentos precisos e um desenvolvimento narrativo à volta do próprio facto das personagens não conseguirem perceber a localização da criatura. O desconhecido é o real monstro neste filme, sendo que esse medo básico, que, dizendo bem a verdade, está na base de grande parte deste tipo de cinema, é aqui conjurado de um modo violentamente intenso e direto.

 A própria mistura sacrílega entre maquinaria e organismos parece uma violação de conceitos aparentemente familiares a uma audiência moderna, aqui pervertidos em horrores. Quando um dos tripulantes se revela como um robot e ataca Ripley, expondo mais um horror, este proveniente da desumanidade institucional deste futuro, o seu corpo é apresentado como uma mistura horrenda entre partes orgânicas e mecânicas. A cabeça decapitada continua a mexer-se, o seu sangue é leitoso e estranho, mesmo quando inofensivo, a sua imagem conjura uma repulsa quase que primitiva no espetador.

 Muito se tem escrito sobre a visão de sexualidade monstruosa e alienígena que Scott e os restantes criadores do filme concretizaram, pelo que tentarei não sublinhar mais este aspeto do filme, que, há que admitir, é um dos mais importantes culpados do modo como o filme se mantém relevante e intenso mesmo na atualidade.

 A atmosfera do filme é impecavelmente conseguida, desde a banda-sonora ameaçadora de Jerry Goldsmith, passando pela montagem incrivelmente precisa de Terry Rawlings criando uma experiência de claustrofobia que quase sufoca o espetador. A nave é um labirinto vindo de um pesadelo, onde os sons e as sombras todos os males do mundo parecem conter, o foco insistente na cara doa tores apenas intensifica o desconforto da audiência, prendendo-nos a uma imagem limitada que esconde parte dessas sombras, tornando o que não vemos em desconhecido, e esse desconhecido é a fonte doe todo este pesadelo. Quando um dos aparentes finais do filme é violado pelo aparecimento surpreendente da besta, o relaxamento da audiência é de novo substituído por essa asfixia cinematográfica, sendo que se diz que aquando do filme estrear, houve pessoas que saíram do cinema quando isto aconteceu. No final, o único vislumbre de calma que temos é um momento de insegura pausa e reflexão, um suspiro de alívio em forma de cinema, depois da mini odisseia de horrores que testemunhamos. Se há alguma prova da magistral manipulação de atmosfera e tensão são esses momentos finais.

 É difícil de crer que tanto já falei sobre este filme sem mencionar o seu elenco, um dos melhores alguma vez reunidos num filme de terro apesar do seu limitado número. De realçar são Ian Holm com a sua rígida postura e nojenta perversidade fria nos seus momentos finais, o histerismo horrorizado de Veronica Cartwright e claro, a performance que realmente introduziu ao mundo Sigourney Weaver. A atriz é a nossa âncora na segunda metade do filme, sendo que no início é fascinante o modo como o realizador e a atriz fazem de Ripley apenas mais uma figura na coletividade da equipa, sendo que apenas no jogo de gato e rato que enche grande parte dessa derradeira metade é que Weaver consegue realmente mostrar as suas capacidades. Tal como no horror que sentimos, há algo de visceral em Ripley, mais que uma personagem humana, ela torna-se uma personificação da resiliência e do medo, da humanidade a tentar escapar do horror da besta. Por muito que o filme se aproxime quase que predatoriamente da face da atriz, a sua expressão é transcendente, revelando uma sinceridade emocional crucial para a completa experiência de horror que o filme alcança.

 Para ser sincero, Alien é como que uma perfeita construção cinematográfica, quase que um mecanismo tornado cinema. As suas partes individuais e sua estrutura são incrivelmente banais, mas há algo de perfeito na sua conjugação aqui, sendo que as visões de Gieger e mestria de Scott conferem algo de magnificamente intenso a toda a construção. É uma das obras mais fascinantes dos dois géneros cinematográficos a que é normalmente associado, o terror e a ficção-científica, e mesmo para quem não seja um devoto cinéfilo, e inegável o poder deste filme para amedrontar e assustar, como que um obsceno pesadelo tornado realidade diante dos nosso olhos. O filme é inescapável e essencial, assim como uma experiência difícil de esquecer depois de nos imergirmos nos seus horrores.


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