sexta-feira, 2 de outubro de 2015

LIFE (2015) de Anton Corbijn



 Quando ouvimos a premissa de Life, um filme sobre a criação das fotografias de James Dean, da autoria de Dennis Stock, que foram publicadas na revista Life, existem uma série de expetativas que imediatamente se manifestam. James Dean é, ainda hoje em dia, uma figura de proporções quase mitológicas, algo que se deve tanto ao seu carisma e cataclísmica presença nos três filmes em que participou como à sua morte durante o começo da sua ascensão a estrela de Hollywood. Imensos filmes já foram criados sobre esta figura, inúmeros atores o interpretaram, pelo que o legado que o acompanha é imensurável. Fazer um novo filme sobre esta lenda de Hollywood, desta figura quase romântica na tragédia da sua morte prematura, parecerá algo dispensável e inconsequente, mas, pelo se foco curioso na fotografia e no ato de observar, Anton Corbijn, um fotógrafo para além de realizador, consegue oferecer-nos, enquanto audiência, algo, longe de revolucionário ou inovador, mas indubitavelmente fascinante.

  O filme é maioritariamente desenvolvido a partir da perspetiva de Dennis Stock (Robert Pattinson), primeiro observado como um jovem fotógrafo em Los Angeles, cheio de noções de grandeza e ressentimentos para com a sua presente condição como um fotógrafo de estreias de Hollywood e de fotografias de cena. Numa festa de Nicholas Ray, o fotógrafo conhece James Dean, sendo que no dia seguinte vê East of Eden, o primeiro filme de Dean, numa test screening, e os dois formam uma espécie de amizade estranha, sendo que o fotógrafo tenta convencer o ator a ser o sujeito de um trabalho seu, prometendo o aparecimento de imagens do ator na prestigiosa Life magazine. O restante filme observa a tentativa dos dois jovens de alcançarem respeito e reconhecimento artístico, assim como celebridade, Dean no seu caminho para se tornar uma estrela, a partir do seu carisma, trabalho e manipulação do público pelos estúdios, e Stock na sua tentativa de ganhar respeito profissional e criar um portefólio com suficiente prestigio para ter uma exposição pública.

 A estruturação do filme insiste em formar paralelos entre as narrativas dos dois indivíduos, sendo que, para ser sincero, o filme tende a cair na banalidade quando preocupado com as histórias separadas dos dois protagonistas, mostrando o seu verdadeiro triunfo nas sequências em que as duas personagens partilham a cena e entram num jogo de mútua observação, tão focada na realidade da pessoa na sua frente como nas imagens em que ambos se tornam sob os olhos um do outro. Dean é uma figura com uma aura de misticismo em seu redor, como que perpetuamente cansado e oscilando entre um jovem melancólico e fatalista e um ator petulante, enquanto o fotógrafo é muitas vezes mostrado como algo desconfortável, perpetuamente inconveniente, por vezes até grotesco na sua ineptidão social e comportamentos familiares distantes e apreensivos. Se há algo que realmente admiro no filme é o seu estranho empenho em retratar os seus protagonistas do modo mais desagradável possível sem sair do seu elegíaco registo de elegância visual e formal.

 O visual do filme depende grandemente das fotografias de meados do século passado, sendo que o olhar de fotógrafo de Corbijn é aqui facilmente registado. O modo como o filme contrasta Los Angeles, Nova Iorque e o Indiana, criando ambiente visuais de gradual interesse, sendo que a cidade californiana é como que cronicamente desinteressante na sua atmosfera solarenga, e Nova Iorque como que parece sair de fotografias da época, e o Indiana uma pintura invernal, com uma dose considerável de nostalgia a tudo filtrar. O filme vai assim reforçando a perspetiva das suas personagens, como que se desenrolando sob o seu olhar, não só sobre si mesmos mas também sobre o ambiente que os rodeia, algo que é reforçado pela constante comparação em diálogo entre as diferentes localizações.

 Mas, se formos sinceros, o centro da experiência do filme está na apreciação e observação do trabalho dos dois atores principais. Pattinson é uma escolha interessante para o papel do fotógrafo, sendo que, como o ator mais famoso entre o par que encabeça o elenco do filme, seria de esperar que ele tivesse o papel da estrela de cinema e não de seu observador. Há algo que lembra, um pouco, o modo como Soderbergh utiliza estrelas de cinema e suas personas, dentro e fora do ecrã, como modo de criar jogos de expetativas e de influenciar as ideias da audiência acerca das personagens em cena. O ator é bastante investido na repugnância repelente que caracteriza grande parte das ações do fotógrafo, nunca realmente glorificando em demasia as suas pretensões e ambições mas nunca permitindo que a sua presença seja desconfortável em demasia para a audiência.

 DeHaan tem um trabalho infinitamente mais complicado que o de Pattinson, tendo, como já mencionei, o legado de Dean e de todos os atores que já o interpretaram a pesar sobre seus ombros. Para uma figura assim, a mímica precisa e perfeccionista seria uma abordagem expectável mas, francamente, desinteressante, mas Corbijn e DeHaan investem noutro tipo de abordagem. O ator pouco se assemelha, em termos físicos, a Dean, e mesmo em termos de temperamento no ecrã deixa muito a desejar, se expectarmos, como eu o fiz inicialmente, uma imitação precisa da persona de Dean. Mais do que imitar Dean na perfeição, Dane DeHaan captura algo mais efémero e imaterial, a sensação do seu carisma, a atmosfera de fascínio que o circundava, e faz isto, não pela mimese precisa, mas pelo investimento no seu próprio estilo e registo característico. DeHaan, mais que interpretar Dean. Interpreta uma versão mitificada da sua própria persona, o que é incrivelmente fascinante de se observar. Cansado, jovem, num estado de perpétuo fastio e imensamente carismático na sua juventude imatura e ensonada, é impossível desviar o olhar do jovem ator, como se fossemos o observador, o fotógrafo dentro do filme, como se fossemos o fã, o olhar que olha encadeado para a luminosidade de uma estrela. A celebridade e lenda de Dean está sempre no futuro inacessível da narrativa do filme, mas em DeHaan e na sua abordagem, há uma constante sombra do que virá, talvez não só para o Dean do filme mas também para DeHaan.

 As cenas mais interessantes no trabalho de ambos os atores são as cenas que partilham, e também são, sem dúvida, as cenas mais interessantes do filme. As suas primeiras e derradeiras cenas são particularmente fantásticas, parecendo até injetar uma certa conotação quer nas suas interações, que poderá ser mais uma manifestação do modo como ambos parecem ver um no outro uma manifestação de seus desejos e ambições pessoais e artísticas. Como que numa sedução de imagens personificadas e manipulação pessoal, as duas figuras, quando juntas parecem estar numa constante dança de desconforto, sendo que, ao fugir à glorificação excessiva, o filme, por vezes, parece criar uma visão de uma relação meio vampiresca entre os dois, assim como um sentimento de constante implosão em ambos os homens, mas especialmente na palpável fragilidade de DeHaan como Dean.

 O resto do elenco tem a desafortunada tendência de cair em caricatura ou simplismos forçados. O que acaba por se revelar como um desapontamento imenso, quando vemos figuras como Eartha Kitt e Pier Angeli passarem fugazmente pelo filme, sendo mais adereços que humanos interessantes. Ben Kingsley como Jack Warner é particularmente tendencioso a cair em caricatura. Este desinteresse parece expor um certo superficialismo da parte do filme, ou, pelo menos, uma incrível miopia que não lhe permite explorar nada que não seja as duas figuras centrais. Mas, declarar o filme superficial, parece-me tolo. O filme é sobre imagens, sobre a criação da distante artificialidade da estrela celebridade, tanto como é sobre a criação de fotografias. Há uma superficialidade que me parece intrínseca ao filme, que está no âmago de todas as ambições e intenções de Corbijn em toda a sua construção cinematográfica.

 Criticar o filme por não explorar a psicologia de Dean também me parece ser algo de erróneo. Life é sobre a observação feita a Dean, algo fácil de perceber quando vemos uma fotografia, mas difícil de verificar num filme como este. A recriação dos momentos das fotografias tresanda de artifício do biopic, mas, nessa patina de óbvio polimento de cinema de prestígio, encontra-se algo hipnotizante. Vemos Dean como uma construção tão pessoal como coletiva, tão calorosa e errática como precisa. Ver DeHaan atuar estes momentos é uma maravilha de artifício complexo e intencional. O filme é como que uma série de impressões superficiais mas impactantes, tão íntimas como distantes, talvez assim conseguindo, de modo inesperado e surpreendente, capturar o tipo de registo que está presente nas próprias fotografias que estão no centro do seu enredo e cuja criação parece, segundo o filme, aparecer devido a acidentes ou imaturas tentativas de sofisticação desajeitada.

 No final, Life não está muito longe de outros filmes semelhantes na sua exploração de celebridades do passado, mas algumas escolhas de Corbijn e, especialmente, dos seus atores principais tornam um filme que poderia ser banal e completamente dispensável em algo de considerável interesse e fascínio. Um filme com um foco quase sufocante na imagem de dois jovens ambiciosos, sendo que a displicência com a coletividade humana que os rodeia ou mesmo a sua insistência em momentos completamente clichés nas narrativas individuais acabam por denegrir o que poderia ser um filme indispensável para um cinéfilo que decerto retirará prazer, nem que seja das constantes referências a pormenores da história do cinema de Hollywood da época. A fama é aqui uma imagem artificial, uma construção tão artística como institucional e os humanos que se aventuram por este jogo são meio perdidos nas suas pretensões e superficialidades. Mas que brilhantes superfícies, que carisma, que personas luminosas enchem os ecrãs e a mentalidade coletiva da nossa cultura popular. O filme mostra a construção de uma lenda, mostra a construção da imagem do mito, e apesar de estar sempre em perigo de cair na banalidade da biopic, Life consegue, mesmo assim, emergir como um dos mais curiosos retratos cinematográfico de uma celebridade, enquanto humano e construção impessoal, dos últimos anos.


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