Quando ouvimos a
premissa de Life, um filme sobre a
criação das fotografias de James Dean, da autoria de Dennis Stock, que foram
publicadas na revista Life, existem uma série de expetativas que imediatamente
se manifestam. James Dean é, ainda hoje em dia, uma figura de proporções quase
mitológicas, algo que se deve tanto ao seu carisma e cataclísmica presença nos
três filmes em que participou como à sua morte durante o começo da sua ascensão
a estrela de Hollywood. Imensos filmes já foram criados sobre esta figura,
inúmeros atores o interpretaram, pelo que o legado que o acompanha é
imensurável. Fazer um novo filme sobre esta lenda de Hollywood, desta figura
quase romântica na tragédia da sua morte prematura, parecerá algo dispensável e
inconsequente, mas, pelo se foco curioso na fotografia e no ato de observar,
Anton Corbijn, um fotógrafo para além de realizador, consegue oferecer-nos,
enquanto audiência, algo, longe de revolucionário ou inovador, mas indubitavelmente
fascinante.
O filme é
maioritariamente desenvolvido a partir da perspetiva de Dennis Stock (Robert
Pattinson), primeiro observado como um jovem fotógrafo em Los Angeles, cheio de
noções de grandeza e ressentimentos para com a sua presente condição como um
fotógrafo de estreias de Hollywood e de fotografias de cena. Numa festa de
Nicholas Ray, o fotógrafo conhece James Dean, sendo que no dia seguinte vê East of Eden, o primeiro filme de Dean,
numa test screening, e os dois formam
uma espécie de amizade estranha, sendo que o fotógrafo tenta convencer o ator a
ser o sujeito de um trabalho seu, prometendo o aparecimento de imagens do ator
na prestigiosa Life magazine. O restante filme observa a tentativa dos dois
jovens de alcançarem respeito e reconhecimento artístico, assim como
celebridade, Dean no seu caminho para se tornar uma estrela, a partir do seu
carisma, trabalho e manipulação do público pelos estúdios, e Stock na sua
tentativa de ganhar respeito profissional e criar um portefólio com suficiente
prestigio para ter uma exposição pública.
A estruturação do
filme insiste em formar paralelos entre as narrativas dos dois indivíduos,
sendo que, para ser sincero, o filme tende a cair na banalidade quando
preocupado com as histórias separadas dos dois protagonistas, mostrando o seu
verdadeiro triunfo nas sequências em que as duas personagens partilham a cena e
entram num jogo de mútua observação, tão focada na realidade da pessoa na sua
frente como nas imagens em que ambos se tornam sob os olhos um do outro. Dean é
uma figura com uma aura de misticismo em seu redor, como que perpetuamente
cansado e oscilando entre um jovem melancólico e fatalista e um ator petulante,
enquanto o fotógrafo é muitas vezes mostrado como algo desconfortável,
perpetuamente inconveniente, por vezes até grotesco na sua ineptidão social e
comportamentos familiares distantes e apreensivos. Se há algo que realmente
admiro no filme é o seu estranho empenho em retratar os seus protagonistas do
modo mais desagradável possível sem sair do seu elegíaco registo de elegância
visual e formal.
O visual do filme
depende grandemente das fotografias de meados do século passado, sendo que o
olhar de fotógrafo de Corbijn é aqui facilmente registado. O modo como o filme
contrasta Los Angeles, Nova Iorque e o Indiana, criando ambiente visuais de
gradual interesse, sendo que a cidade californiana é como que cronicamente
desinteressante na sua atmosfera solarenga, e Nova Iorque como que parece sair
de fotografias da época, e o Indiana uma pintura invernal, com uma dose
considerável de nostalgia a tudo filtrar. O filme vai assim reforçando a
perspetiva das suas personagens, como que se desenrolando sob o seu olhar, não
só sobre si mesmos mas também sobre o ambiente que os rodeia, algo que é
reforçado pela constante comparação em diálogo entre as diferentes
localizações.
Mas, se formos
sinceros, o centro da experiência do filme está na apreciação e observação do
trabalho dos dois atores principais. Pattinson é uma escolha interessante para
o papel do fotógrafo, sendo que, como o ator mais famoso entre o par que
encabeça o elenco do filme, seria de esperar que ele tivesse o papel da estrela
de cinema e não de seu observador. Há algo que lembra, um pouco, o modo como
Soderbergh utiliza estrelas de cinema e suas personas, dentro e fora do ecrã,
como modo de criar jogos de expetativas e de influenciar as ideias da audiência
acerca das personagens em cena. O ator é bastante investido na repugnância
repelente que caracteriza grande parte das ações do fotógrafo, nunca realmente
glorificando em demasia as suas pretensões e ambições mas nunca permitindo que
a sua presença seja desconfortável em demasia para a audiência.
DeHaan tem um
trabalho infinitamente mais complicado que o de Pattinson, tendo, como já
mencionei, o legado de Dean e de todos os atores que já o interpretaram a pesar
sobre seus ombros. Para uma figura assim, a mímica precisa e perfeccionista
seria uma abordagem expectável mas, francamente, desinteressante, mas Corbijn e
DeHaan investem noutro tipo de abordagem. O ator pouco se assemelha, em termos
físicos, a Dean, e mesmo em termos de temperamento no ecrã deixa muito a
desejar, se expectarmos, como eu o fiz inicialmente, uma imitação precisa da
persona de Dean. Mais do que imitar Dean na perfeição, Dane DeHaan captura algo
mais efémero e imaterial, a sensação do seu carisma, a atmosfera de fascínio que
o circundava, e faz isto, não pela mimese precisa, mas pelo investimento no seu
próprio estilo e registo característico. DeHaan, mais que interpretar Dean.
Interpreta uma versão mitificada da sua própria persona, o que é incrivelmente
fascinante de se observar. Cansado, jovem, num estado de perpétuo fastio e imensamente carismático na sua
juventude imatura e ensonada, é impossível desviar o olhar do jovem ator, como
se fossemos o observador, o fotógrafo dentro do filme, como se fossemos o fã, o
olhar que olha encadeado para a luminosidade de uma estrela. A celebridade e
lenda de Dean está sempre no futuro inacessível da narrativa do filme, mas em
DeHaan e na sua abordagem, há uma constante sombra do que virá, talvez não só
para o Dean do filme mas também para DeHaan.
As cenas mais
interessantes no trabalho de ambos os atores são as cenas que partilham, e
também são, sem dúvida, as cenas mais interessantes do filme. As suas primeiras
e derradeiras cenas são particularmente fantásticas, parecendo até injetar uma
certa conotação quer nas suas interações, que poderá ser mais uma manifestação
do modo como ambos parecem ver um no outro uma manifestação de seus desejos e
ambições pessoais e artísticas. Como que numa sedução de imagens personificadas
e manipulação pessoal, as duas figuras, quando juntas parecem estar numa
constante dança de desconforto, sendo que, ao fugir à glorificação excessiva, o
filme, por vezes, parece criar uma visão de uma relação meio vampiresca entre
os dois, assim como um sentimento de constante implosão em ambos os homens, mas
especialmente na palpável fragilidade de DeHaan como Dean.
O resto do elenco tem
a desafortunada tendência de cair em caricatura ou simplismos forçados. O que
acaba por se revelar como um desapontamento imenso, quando vemos figuras como
Eartha Kitt e Pier Angeli passarem fugazmente pelo filme, sendo mais adereços
que humanos interessantes. Ben Kingsley como Jack Warner é particularmente
tendencioso a cair em caricatura. Este desinteresse parece expor um certo
superficialismo da parte do filme, ou, pelo menos, uma incrível miopia que não
lhe permite explorar nada que não seja as duas figuras centrais. Mas, declarar
o filme superficial, parece-me tolo. O filme é sobre imagens, sobre a criação
da distante artificialidade da estrela celebridade, tanto como é sobre a
criação de fotografias. Há uma superficialidade que me parece intrínseca ao
filme, que está no âmago de todas as ambições e intenções de Corbijn em toda a
sua construção cinematográfica.
Criticar o filme por
não explorar a psicologia de Dean também me parece ser algo de erróneo. Life é sobre a observação feita a Dean,
algo fácil de perceber quando vemos uma fotografia, mas difícil de verificar
num filme como este. A recriação dos momentos das fotografias tresanda de
artifício do biopic, mas, nessa patina de óbvio polimento de cinema de prestígio,
encontra-se algo hipnotizante. Vemos Dean como uma construção tão pessoal como
coletiva, tão calorosa e errática como precisa. Ver DeHaan atuar estes momentos
é uma maravilha de artifício complexo e intencional. O filme é como que uma
série de impressões superficiais mas impactantes, tão íntimas como distantes,
talvez assim conseguindo, de modo inesperado e surpreendente, capturar o tipo
de registo que está presente nas próprias fotografias que estão no centro do
seu enredo e cuja criação parece, segundo o filme, aparecer devido a acidentes
ou imaturas tentativas de sofisticação desajeitada.
No final, Life não está muito longe de outros
filmes semelhantes na sua exploração de celebridades do passado, mas algumas
escolhas de Corbijn e, especialmente, dos seus atores principais tornam um
filme que poderia ser banal e completamente dispensável em algo de considerável
interesse e fascínio. Um filme com um foco quase sufocante na imagem de dois
jovens ambiciosos, sendo que a displicência com a coletividade humana que os
rodeia ou mesmo a sua insistência em momentos completamente clichés nas
narrativas individuais acabam por denegrir o que poderia ser um filme indispensável
para um cinéfilo que decerto retirará prazer, nem que seja das constantes
referências a pormenores da história do cinema de Hollywood da época. A fama é
aqui uma imagem artificial, uma construção tão artística como institucional e
os humanos que se aventuram por este jogo são meio perdidos nas suas pretensões
e superficialidades. Mas que brilhantes superfícies, que carisma, que personas
luminosas enchem os ecrãs e a mentalidade coletiva da nossa cultura popular. O
filme mostra a construção de uma lenda, mostra a construção da imagem do mito,
e apesar de estar sempre em perigo de cair na banalidade da biopic, Life consegue, mesmo assim, emergir como
um dos mais curiosos retratos cinematográfico de uma celebridade, enquanto
humano e construção impessoal, dos últimos anos.
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