sábado, 1 de agosto de 2015

CLOUDS OF SILS MARIA (2014) de Olivier Assayas



 Clouds of Sils Maria, a última obra de Olivier Assayas, é um filme com uma estruturação tão rígida e impossível de ignorar que me é praticamente impossível falar do filme sem o dividir mentalmente em partes, capítulos, ou mesmo em 3 filmes diferentes, dos quais apenas o primeiro apresenta algum do fascínio e qualidade enigmática que têm caracterizado a obra do realizador francês.

 O filme abre com a promessa de uma obra digna da fama de Assayas e dos seus talentos,´. Uma análise da vida de celebridade como já é de esperar do realizador, criando um mundo desumano e distante da nossa realidade, aqui cheio de hotéis vazios, iluminados friamente mesmo quando no conforto noturno de uma sala de convívio em tons de madeira e pele.

 Nesse mundo ligeiramente desumano na sua frieza, acompanhamos duas mulheres, uma atriz e a sua assistente. Juliette Binoche e Kirsten Stewart respetivamente. Stewart é uma maravilha de naturalismo por todo o filme, mas especialmente aqui, nesta primeira secção do filme, que o seu génio é melhor exposto, criando em Valentine, um turbilhão de emoções escondidas e olhares inteligentes. Uma cifra propositada e uma observadora necessária para a audiência, em constante convívio com Maria, a atriz de Juliette Binoche. Em Maria, pelo menos nesta parte do filme, encontramos outra das usuais protagonistas de Assayas. Ela lembra Maggie Cheung em Irma Vep, Connie Nielson em Demonlover. Um enigma, deliberadamente misteriosa, como se a própria mulher se apercebesse e alimentasse a aura de mistério sensual que a envolve apesar da sua postura e atitude de alguém exausto com a vida de celebridade.

 Binoche é um retrato propositadamente inacabado mas misterioso e Stewart uma sombra que se movimenta como um espectro pelos corredores cavernosos do filme assombrando todas as cenas, mesmo aquelas em que não está presente. A dinâmica das duas figuras é aqui maravilhosamente estabelecida, a sua intimidade não é forçosamente explicada e exposta, mas existe algo de impossivelmente enigmático na sua dependência pessoal e profissional.

 Esta secção do filme apresenta-nos a grande chave simbólica para todo o filme, uma peça obviamente baseada em volta de Die Bitteren Tränen der Petra von Kant de Fassbinder. Esta peça terá sido em tempos protagonizada por Maria, no papel da jovem secretária que seduz e destrói uma mulher mais velha. Aqui, neste tempo presente, o papel da mulher mais velha é oferecido a Maria, dando início ao conflito que guiará o resto do filme.

 Se este se tinha envolvido até aí numa aura de mistério artificial e superficialidade melancólica mas subtil, então há que apontar que tudo isso desaparece nas secções que se seguirão- Toda a subtileza, toda a delicadeza do filme desaparecem sem deixar rasto.

 As intenções do filme em respeito a Maria, uma atriz em confrontação com o peso da sua idade, já eram óbvias depois da apresentação da peça de teatro dentro do filme, mas Assayas faz tudo no seu poder para expor do modo mais risivelmente insistente, todos os detalhes e cargas simbólicas que se encontram na sua premissa inicial de uma atriz célebre a revisitar o papel mais importante da sua juventude, agora no papel de uma vítima envelhecida. De predadora a presa, de mestra a serva, de jovem nos seus píncaros sexuais a uma mulher esquecida, dessexualizada e abandonada em cena…

 As personagens dentro do filme passam os últimos dois terços do filme em constantes diálogos, em constantes discussões à volta destes mesmos temas, tornando óbvio tudo o que poderia ser apenas subtexto e retirando qualquer interesse à figura de Maria que à medida que o filme avança parece cada vez mais cair em cliché. Narrativas semelhantes já foram maravilhosamente exploradas em filme por autores como Cassavetes e atrizes como Gena Rowlands, Bette Davis ou mesmo Paprika Steen, e nenhum desses exemplos caiu em tão enfático lugar-comum como esta obra.

 Assayas consegue esvair todo o interesse de Maria, deixando uma carcaça cheia de clichés no corpo de Juliette Binoche para aguentar nos seus ombros o resto do filme, especialmente tendo em conta que Valentine e por consequência Stewart, desaparecem antes do início do ultimo terço do filme, despindo assim o filme de qualquer energia que o propulsionasse para o final.

 O aparecimento de Chloe Grace Moretz como a atriz no papel da jovem sedutora para a protagonista mais velha de Maria, não ajuda de todo o filme. A sua presença traz consigo questões de atuação em filmes e teatro que apenas dão mais material às figuras do filme para se perderem em discussões detalhadas destes mesmos temas, quase que insultando a audiência no modo como parecem ter de explicar tudo o que pode ser extraído da situação temática em que se encontram.

 Assayas está longe de ser um mau realizador, mas aqui um desastroso texto da sua autoria acaba por afundar qualquer hipótese que o filme pudesse ter tido de chegar aos calcanhares dos seus melhores trabalhos. O seu toque delicado no que diz respeito ao lado formal dos seus filmes, ainda se encontra aqui presente, especialmente na primeira secção do filme, se bem que isto não se regista muito bem no uso de metáforas visuais na apresentação da paisagem montanhosa durante o meio do filme, em que Valentine e Maria ensaiam e analisam o texto até à exaustão numa casa pertencente ao falecido autor do texto dramático no centro de toda esta espiral de autorreflexão forçada por metáforas textuais.

 O elenco é a única parte do filme que consigo abertamente recomendar, se bem que tirando Stewart, ninguém consegue elevar-se acima do texto. Binoche, uma das minhas favoritas atrizes, é uma infeliz vítima dum texto que insiste em expor em diálogo todos os detalhes da sua personagem, as suas motivações, comportamentos, etc, e Binoche nunca parece atuar em contrário disto, apenas sublinhando todas as informações já expostas à audiência pelo diálogo.

 Este foi um dos grandes desapontamentos que tive ultimamente. Um filme que reúne um dos meus favoritos realizadores contemporâneos com uma das minhas favoritas atrizes contemporâneas, e que se revela um trabalho entediante e sufocante na sua insistência no cliché, no lugar-comum, e sobretudo, na explicação de todo o seu texto à audiência do modo mais desastrosamente óbvio possível.



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