Quase me sinto mal
por só agora ter visto Magic Mike XXL,
apenas quando está quase a sair dos cinemas. Sinto-me mal, pois isso faz deste
texto algo um pouco despropositado, tendo em conta que muito brevemente o filme
não estará disponível a não ser que esperemos pela sua distribuição em DVD e
Blu-Ray, mas também me sinto mal porque passei quase dois meses a privar-me a
mim mesmo da oportunidade e do prazer de ver o filme em si.
O filme, realizado pelo
antigo assistente de realização de Steven Soderbergh, inicia-se três anos
depois da narrativa do filme anterior ter acabado, sendo que Mike tem agora o
seu tão desejado negócio de mobiliário. No entanto, quando o grupo de antigos
colegas e amigos do último filme aparece e o alicia a partir com eles numa
viagem para uma convenção de strippers, como uma despedida final aos seus anos
na profissão, Mike vai com eles, deixando para trás o seu negócio em pausa e a
sua namorada, que descobrimos ter recusado um pedido de casamento do
protagonista. O resto do filme simplesmente acompanha o grupo de amigos na sua
viagem, parando em bares, clubes e até mansões sulistas, normalmente para
deliciar a audiência tanto com sequências de dança como com uma coleção
deliciosa de personagens secundárias. Não existe grande conflito, e o final não
oferece grande resolução a nada, todo o filme se movimenta relaxadamente ao
longo de duas horas fazendo o máximo para entreter a sua audiência.
Esse mesmo tom de
diversão simples é o grande trunfo do filme, que parece recuar de qualquer
oportunidade para acrescentar dramatismo ou peso às suas personagens, o que
realmente o distingue do seu predecessor. Enquanto o filme de Steven Soderbergh
era um drama que olhava e comentava a situação económica atual, explorando o
corpo masculino como uma fonte de estabilidade económica, este filme é uma
comédia leve, um road movie perfeito
para uma tarde de Verão. Não há aqui grande complexidade apesar de algum
desenvolvimento das personagens dos strippers, e da exclusão de alguns dos
elementos mais negros ou desconfortáveis do filme anterior como as personagens
de Matthew McConaughey e Alex Ptyffer. O filme até tem um refrescante sentido
de humor que não desaparece nem nas cenas de strip, aqui condimentadas com uma
boa dose de gozo e alegre despreocupação.
Muito do filme parece
ser, francamente, criado num laboratório de modo a perfeitamente corresponder
às expetativas da sua audiência. Os problemas ou reticências mostradas para com
o filme anterior desaparecem. O filme acrescenta um grande número de
personagens femininas, admite e olha o apelo do filme a uma audiência
homossexual masculina, dá muito mais relevo à audiência das cenas de strip que
o filme anterior, mostra-nos uma presença afro-americana, e até acrescenta mais
números musicais. Talvez um dos únicos componentes do filme que não parece
corresponder aos desejos da audiência alvo é a relativa falta de nudez do
filme. Enfim, não se pode ter tudo.
Admito que o filme
seja culpado de tentar satisfazer a sua audiência alvo em demasia, mas quando
os resultados são tão bons como este é difícil alguém se queixar. Apesar desse
desejo de satisfação, o filme não se deixa tornar banal ou desenxabido nos seus
aspetos técnicos, formais ou mesmo performativos, sendo cuidadosamente
concebido por uma equipa que em si inclui o próprio Steven Soderbergh como
produtor executivo, editor e diretor de fotografia do filme.
Os filtros amarelos
que tornavam até as mais solarengas praias de Magic Mike em paisagens doentias e subtilmente desconfortáveis,
aqui desaparecem. Este é um filme muito mais colorido, mais preocupado em criar
um ambiente de beleza visual que em desafiar a audiência com os as suas
escolhas estéticas. Os movimentos da câmara de Soderbergh nunca foram tão
dinâmicos como na sequência final, e a sua iluminação também raramente foi tão
colorida ou primorosa como aqui. O primeiro encontro entre Channing Tatum e
Amber Heard, iluminados por um contraluz distante, é particularmente belo na
sua simplicidade, desenhando as duas figuras em contornos luminosos na
escuridão. Mas ainda melhor que a fotografia é a montagem de Soderbergh, tendo aqui
encontrado um ritmo vagaroso mas nunca aborrecido, sempre parecendo estar em
desafio da usual maneira de apresentar os momentos e cenas. O que quero dizer
com isto é particularmente explicável pela observação de uma sequência na
mansão de uma rica mulher sulista interpretada por Andie MacDowell. Aqui,
quando ocorre uma festa improvisada entre um grupo de mulheres e os
protagonistas do filme, a montagem parece contra intuitivamente focar-se muito
mais nas reações silenciosas das mulheres, afastando o olhar do espetador até
quando a personagem de Matt Bommer começa a cantar para uma das amigas do
grupo.
Mas não é só o
trabalho de Soderbergh que demonstra o cuidado e precisão com a criação do
filme, o elenco também é de felicitar. Os atores que voltam do filme anterior estão
aqui muito mais relaxados e fixados num registo de humor descontraído,
apoiando-se mais no seu carisma que em qualquer complexidade psicológica. Joe
Manganiello é particularmente fantástico, quase que roubando o filme a Tatum, e
tendo um dos melhores momentos do filme, uma dança meio ridícula meio sexy numa
loja de conveniência.
Mas são os novos
membros do elenco que realmente marcam a diferença entre este filme e seu
antecessor. Andie MacDowell e Amber Heard já foram aqui mencionadas e ambas são
uma brisa de ar fresco. McDowell é especialmente deliciosa na sua criação de
uma divorciada sulista com uma atitude imensamente positiva sobre sexo, que se
diverte e se embebeda na companhia dos rapazes, pontuando uma das mais divertidas
sequências no filme. Outros atores como Donald Glover e Elizabeth Banks também
fazem boas contribuições mas a verdadeira estrela do filme, para além do elenco
masculino principal, é Jada Pinkett-Smith como Rome, uma antiga colega de Mike,
aqui tornada mestre-de-cerimónias tanto do seu próprio clube de strip masculino
como do espetáculo final que serve de clímax ao filme. Quando a ouvimos aliciar
a audiência, é também a nós que ela alicia com a sua segura e poderosa
interpretação, que não deixa de se manter no registo simples e despreocupado do
filme. Sinceramente eu não me importava de ver um filme inteiro apenas sobre
Rome.
Como uma peça de
entretenimento fácil, o filme é um magnífico sucesso, mas a sua estrutura, ou
melhor a sua falta de estrutura, e o seu virtuosismo em todos os aspetos da sua
criação elevam o filme acima da maioria do entretenimento simplista a que
estamos, como audiência, normalmente habituados. O final é, em particular, uma
ótima nota para terminar o filme. Aí vemos o grupo de amigos a observar o
fogo-de-artificio do 4 de Julho. Focamo-nos nas suas faces e não no espetáculo
pirotécnico. A câmara mostra-se quase reticente, quase realçando o modo como o
que vimos não resolveu nenhuma das incertezas das suas personagens. Os seus desenhos
e desejos não estão mais perto de se tornarem realidade, mas por momentos, nos
momentos em que os acompanhamos, houve gozo, regozijo, alegria, divertimento, e
um último grito de glória antes das suas vidas avançarem para o desconhecido.
Um momento belo na sua simplicidade e leve melancolia, que termina uma das
melhores e mais alegres experiências que tive nos cinemas este Verão.
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