quinta-feira, 13 de agosto de 2015

MR. HOLMES (2015) de Bill Condon



 Mr. Holmes, o mais recente filme de Bill Condon, tenta reinterpretar e mostrar uma nova faceta da tão filmada figura de Sherlock Holmes. Sob a direção de Condon e a interpretação de Ian McKellen, o célebre detetive é apresentado à audiência como um homem de noventa e três anos a caminhar para o esquecimento da senilidade, enquanto se debruça com os arrependimentos do seu passado, nomeadamente o seu último caso. Dedicando-se, aquando da ação principal do filme em 1947, com as suas abelhas que cria e pouco mais, Holmes começa no início do filme a tarefa de recontar a realidade desse seu caso, sem a pátina de ficção glorificadora que ele acusa o já falecido John Watson de ter empregado aquando da criação da série de livros, que, nesta interpretação da figura, resultaram na sua fama internacional.

 Acompanhando a esvanecente figura do detetive reformado, estão a sua governanta (Laura Linney) e seu filho (Milo Parker). O jovem rapaz de nome Roger, trava uma amizade com o dono da casa onde a mãe trabalha e ambos habitam, olhando-o quase como um ídolo ao mesmo tempo que como um igual, sendo que a sua relação com a própria mãe é-nos apresentada como conflituosa e infetada com um desequilíbrio fatalista entre a inteligência e ambição da criança, com o realismo triste da figura maternal.

 Ao mesmo tempo que vamos observando o velho detetive lutar com a perda da sua memória, vamos tendo flashbacks tanto para o caso sobre o qual ele tenta escrever como para uma viagem recente ao Japão, onde Holmes terá tentado encontrar uma planta com poderes medicinais na esperança de adiar a aproximação da senilidade que ameaça durante todo o filme consumir a mente e a existência do velho e genial detetive.

 Não penso que seja preciso aprofundar muito acerca da natureza dos flashbacks, sendo que estes vão aparecendo em forma quase que incompleta e errática pelo filme, nunca se assemelhando a cenas completas e mais a lembranças de cenas passadas. O modo como são estruturados e filmados é francamente banal e desinteressante, mas o seu aparecimento no filme é deveras fascinante dependendo do olhar com que observamos este mecanismo narrativo. Enquanto Bill Condon nada mais poderia ter feito para retirar qualquer pinga de interesse ou dinamismo a estas recordações, o modo como são escritos estes excertos narrativos, estas narrativas secundárias, conferem algo de interessante ao filme, condensando a estrutura do filme à estrutura da mente do seu protagonista. As cenas nunca são particularmente desenvolvidas, o seu impacto é minúsculo comparado com o potencial que aparentam ter, e mais fazem para interromper a energia da narrativa principal que para facilitar a leitura do filme, mas, talvez inadvertidamente, o modo como estes momentos parecem existir na sua banalidade desinteressante, confere-lhes mais poder.

 Talvez poder não seja o termo correto, mas o seu impacto torna-se mais do que o de uma simples ferramenta textual. O foco dramático que o protagonista lhes coloca é apenas exacerbado pela sua potencial banalidade, tornando o verdadeiro conflito principal deste filme muito mais evidente. O filme não é uma história de como o génio que foi Holmes resolveu o seu último caso, mas sim uma exploração da relação de Holmes com os seus maiores adversários, a sua mortalidade e o peso do seu próprio mito.

 Nem Condon, nem McKellen, são principiantes no que diz respeito a abordar tais temas, sendo que em Gods and Monsters (o melhor filme da carreira de Condon), a equipa de realizador e ator chegou a algo verdadeiramente tocante, filmando o desespero de um mito nos seus últimos dias de um mito esquecido de Hollywood. Mas não é que em Holmes haja muito de James Whales, o protagonista do filme anterior, pois a figura no centro deste mais recente esforço mostra muito mais o peso físico dos anos que a figura de Whales alguma vez o fez. Enquanto em Gods and Monsters, McKellen representava alguém cuja existência já não fazia sentido para si mesmo, aqui vemos uma figura bastante diferente, cuja existência é amaldiçoada pelos crimes do passado, não de modo autodestrutivo, mas como fonte de reflexão e como vertiginosa luta contra a vinda inevitável da morte. O trabalho de McKellen é indispensável em ambos os filmes, sendo que em Holmes, vemos um dos seus mais belos trabalhos, tanto no homem que parece se ir desvanecendo ao longo do filme, como na figura mais jovem no pico do seu charme que vemos nos flashbacks para o caso passado.

 O trabalho de Condon em comparação com o seu anterior esforço em temas semelhantes, é bastante superior, como já disse, tornando a experiência de Mr. Holmes algo amarga para quem já viu o modo como Condon consegue abordar este tipo de narrativa. Uma cena em que vemos Holmes a observar a sua versão ficcionada num cinema é particularmente triste. Revela-se aqui uma recriação desajeitada e desapontante desse tipo de filme quando posta em comparação com as recriações e reinterpretações gloriosas em Gods and Monsters. Condon cria aqui mais um filme dito middlebrow, de prestígio, pelo menos em forma. Mas nem o seu trabalho e aparente desinteresse conseguem evitar alguns dos melhores momentos de Mr. Holmes.

 Uma cena indispensável no filme é uma recordação de uma conversa com a mulher no centro do caso misterioso, é um dos melhores exemplos da contribuição de Mckellen ao filme. Aqui, ao invés da maquilhagem de envelhecimento e de roupas largas e deselegantes, vemos McKellen em todo o seu esplendor Eduardino, envergando negro e impondo-se sobre o próprio  frame na sua majestade. Uma figura carismática e charmosa, uma sombra de um tempo meio esquecido, mas magnificamente apresentado pelo ator. Ao vermos esta criatura de manipulações fáceis e elegância inequívoca é difícil não sentir o choque na observação do mesmo homem com o peso de mais trinta anos nos seus ombros, aproximando-se do fim da sua vida. Mas talvez seja mesmo o modo como McKellen parece sempre encontrar uma certa acidez na figura de Holmes que vai impedindo o filme de cair nos impulsos sacarinos do seu realizador. Sim, talvez este último detalhe seja o seu maior contributo.

 Não tenho grande conhecimento sobre a figura literária que é Sherlock Holmes, pelo que não me posso manifestar grandemente em relação à reinterpretação deste filme, mas aventuro-me a chamar a atenção para o melancólico modo como o filme o retrata. Apesar do trabalho lamentável de Condon com o seu abismal controlo sobre o ritmo da obra, existe uma delicadeza na aproximação feita à figura principal, criando uma fissura entre um mito e uma realidade humana. Um mito é aqui eterno, sempre jovem e brilhante, capaz de influenciar a vida do próprio Holmes, moldando o seu comportamento, criando em si uma figura imortal em imagem mas mortal em corpo e mente. Holmes é uma figura isolada e solitária, que nos momentos mais belos do filme, parece ver a solidão humana manifesta na tentativa contínua de pessoas se agarrarem a outras pessoas. Essa ligação é aqui muitas vezes baseada na ficção, e a ficção manifesta-se como uma fonte imperfeita e brusca de empatia humana. Uma visão triste e solitária tanto da vida em geral como dos últimos dias de um individuo.

 O final, os momentos entre Roger e Holmes, a resolução do enredo japonês, etc. são todos componentes do filme que poderiam ter caído no mais descarado dos sentimentalismos baratos, mas a presença contínua da lembrança que poucos anos, senão meses ou mesmo dias, restam ao protagonista torna esses elementos mais fáceis de se apresentarem pelo filme sem cair na manipulação descarada. A alegria inspiradora é cortada pela melancolia, mas ao mesmo tempo ganha um certo impacto por essa mesma melancolia. A empatia criada com Holmes, para mim, foi inquestionável, mas penso que o texto deselegante de Jeffrey Hatcher e o trabalho magnífico de McKellen, estejam mais perto de serem as causas disso do que a infeliz prestação de Condon ou os elementos formais do filme.

 Este é um filme onde a ambição é praticamente inexistente, a não ser nalgumas inadequadas referências visuais a Hitchcock, sendo que poucos riscos foram tomados, tendo por consequência a inexistência de grandes desastres na obra final. É um filme simples, com momentos de delicadeza tocante que são constantemente acompanhados por momentos ou elementos pueris ou desajeitados como o trabalho de Laura Linney, uma atriz que normalmente admiro, ou um momento de dramatismo incrivelmente forçado que culmina na destruição de um ninho de vespas. Acho bem acrescentar o omnipresente simbolismo das abelhas e das vespas nessa lista de problemas do filme.

 Consequentemente a tudo isto, aqui vemos um filme fácil de apreciar, fácil de ver e fácil de nos conquistar, quer seja pelas reflexões que levanta sobre a mortalidade do protagonista, quer seja pelo trabalho de alguns membros do elenco, nomeadamente o já mencionado McKellen. Também há que referir Milo Parker numa interpretação simples e sem grandes afetações ou dramatismos, algo adequado, vá-se dizer, a um filme tão modesto, ligeiramente banal mas inesperadamente delicado como Mr. Holmes se vai revelando.



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