Com a disputada
distribuição e edição de Snowpiercer
e o que foi feito a este projeto de Ned Benson, a Weinstein Company parece
estar a tornar-se cada vez mais infame, já não fosse a reputação que tem vindo
a adquirir ao longo dos anos com as suas selváticas campanhas para os Óscares. Interessantemente,
a distribuição deste filme não parece ter recebido tão mediática atenção como
recebeu a do filme de Joon-ho Bong. Isto dever-se-á, sem dúvida, ao facto de
que a reedição de The Dissapearance of
Eleanor Rigby: Him e de The
Dissapearance of Eleanor Rigby: Her em The
Dissapearance of Eleanor Rigby: Them parece ter sido feita pelo seu próprio
realizador, sem quaisquer polémicas. Apesar disto é, sem dúvida, uma tragédia
de má distribuição que a maior parte das audiências mundiais terão primeiro
visto Them, antes de poderem visionar
Her e Him, tendo eu sofrido o mesmo tipo de experiência.
Estes três filmes são, na verdade, versões diferentes do mesmo projeto,
desenvolvendo-se os três à volta de um casal, Conor (James McAvoy) e Eleanor
(Jessica Chastain), a lidarem, ou melhor a fugirem, de uma perda pessoal, de
uma tragédia familiar. O título do filme deriva do desaparecimento de Eleanor
no início dos três filmes, que se refugia na casa dos pais (Isabelle Huppert e
William Hurt) para se ausentar da presença do seu marido, cujo comportamento,
face ao evento que aconteceu antes do filme e que marca todo o comportamento
dos protagonistas, a tem distanciado cada vez mais dele. Depois do seu desaparecimento
observamos os dois membros do casal ora a fugirem ora a perseguirem o outro,
dois humanos confusos e perdidos no seu próprio luto. Eleanor decide voltar a
estudar, Conor vê os seus esforços para manter o seu restaurante caírem por
terra na face do fracasso, e ambos veem-se mais próximos da sua família do que
teriam estado em anos, especialmente Conor com o seu pai (Cirian Hinds).
A originalidade deste drama vem do modo como
Benson o desenvolveu em dois filmes diferentes, filmando-os sobre duas diferentes
perspetivas dos mesmos eventos e da mesma relação. Him na perspetiva de Conor e Her
na de Eleanor. E isto não se trata de apenas olhar momentos diferentes na vida
deste casal que passa a maior parte do filme separado, mas também acaba por se
revelar como sendo um exercício em olhar os mesmos acontecimentos de duas
perspetivas subjetivas bastante diferentes, sendo que em certas ocasiões vemos
uma cena revelar reações diferentes de cada um dos protagonistas em cada um dos
filmes.
Uma cena, num carro à chuva entre os dois, é
particularmente interessante no modo como é diferente em ambas as versões. Em Her vemos muito mais arrependimento e
vulnerabilidade de ambos os partidos, em Him
observamos uma muito maior frieza e agressividade silenciosa da parte de ambos.
O modo como cada filme olha o outro membro do casal é particularmente
fascinante. Em Her, Conor parece
sempre um intruso, uma presença perturbadora para este filme que tanto parece
querer observar proximamente, mas reticentemente, Eleanor, chegando a níveis de
intimidade psicológica conseguida a partir do simples trabalho de ator que Him nunca faz com o seu protagonista.
Nesse outro filme, Eleanor aparece-nos quase como um espectro, uma cifra
indecifrável, pondo-nos na mente de um marido que de repente parece não
conseguir reconhecer a sua mulher. Numa cena perto do final do filme em que
Conor acorda no seu apartamento com Eleanor a observá-lo, é particularmente
marcante no modo como Eleanor parece aparecer e desaparecer como um fragmento
da imaginação de Conor, como uma assombração do protagonista.
Existem outros aspetos interessantes nesta
divisão, passando especialmente pelo modo como Benson filma os seus atores,
enchendo o filme de cenas em que a câmara parece seguir o protagonista ao longo
de ruas, recusando-se a desviar o seu olhar examinador. Mas estes filmes não
são apenas feitos de uma análise de perspetivas dentro de um casal, Benson
almeja muito mais que isto, enchendo o filme de reflexões sobre diferentes
relações intrafamiliares, sobre a natureza da perda e do modo como diferentes
pessoas lidam com isso, sem contar com a personagem de Viola Davis, uma
professora de Eleanor, cujo objetivo no filme parece ser o de oferecer uma
reflexão cómica e abrasiva sobre várias das suas temáticas como o casamento, a
maternidade, ou mesmo o modo como uma inteira geração privilegiada parece presa
ao ensino superior como modo de adiar a responsabilidade adulta da vida fora da
condição de estudante.
Este é um projeto, obviamente, cheio de
ambições temáticas e estruturais que, infelizmente, vai admitidamente cair em
muitos lugares comuns e desinspirados na sua narrativa. Mas qualquer ambição ou
sombra de complexidade acaba por desaparecer quando editada num terceiro filme.
Um filme que parece destruir qualquer propósito artístico do projeto original. Them elimina qualquer jogo de
perspetivas díspares, arrasa com grande parte da intimidade retratista que
Benson consegue alcançar na criação psicológica dos seus personagens nos dois
filmes originais. O que resulta disto é um filme em que tudo o que era
interessante no projeto original de dois filmes é extinto, e em que os
problemas desse mesmo projeto são exacerbados, ao focar o filme numa narrativa
problemática, especialmente em termos de ritmo, e que está sempre a cair em
clichés outrora disfarçados pelo jogo de perspetiva.
Um dos maiores problemas desta terceira versão
vem grandemente dos problemas estruturais originários na fusão de dois filmes
baseados no ponto de vista subjetivo dos seus protagonistas. Them acaba por tender em grande parte
para as versões apresentadas em Him,
o menos interessante dos dois primeiros filmes, especialmente no princípio e no
final do filme, com as cenas que marcavam a vida na casa dos pais e na
faculdade, como a grande parte de Her
que acaba nesta fusão. Isto origina uma problemática apresentação de Eleanor
que vai aparecendo no seu registo distante nas cenas com Conor para
imediatamente estar num registo bastante mais próximo e íntimo nas cenas longe
deste. Na referida cena do carro à chuva, a falta de perspetivas diferentes é
particularmente problemática. Temos assim um filme confuso com as suas próprias
personagens, com a sua própria narrativa, e em que a fusão de dois filmes
separados cria uma grande inconsistência, em que os picos de originalidade do
projeto anterior são erradicados.
Para além de salientar os problemas do
argumento, o terceiro filme também oferece uma litania de problemas aos atores,
especialmente a Chastain que adquire com esta terceira instalação uma
inconsistência de tom e uma certa confusão de registos e psicologias que não
estava presente em Her e em Him. Mesmo assim isto não disfarça a
qualidade do trabalho da atriz, que é aqui luminosa, especialmente em Her, e que consegue representar uma
mulher perdida, confundida com as suas próprias reações e que vive num estado
de contrastes, querendo afastar-se do passado e da sua perda, mas ao mesmo
tempo agarrando-se à sua tragédia pessoal, de um modo que Conor não faz de modo
tão explícito ou visível, criando uma barreira entre os dois. McAvoy também é
bastante bom, mas não chega aos píncaros de Chastain, mas este é um elenco
bastante eficaz na generalidade, mesmo nos papéis mais diminutos como Nina
Ariadna como uma empregada no restaurante de Conor, ou a já referida Viola
Davis.
Apesar
dos problemas criados pelo guião, este é um projeto de grande ambição, cujo
elenco justifica o investimento da audiência. Him e Her parecem
prometer uma nova e interessante voz no cinema americano, cujas ideias visuais
e técnicas ainda parecem um pouco básicas mas cuja ambição temática e
estrutural é óbvia, apesar do seu papel chave na criação do incrivelmente
medíocre Them, cujo visionamento
deveria ser evitado por qualquer pessoa interessada na criatividade ou na visão
prometida pelo projeto original de Benson.
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