O estado da comédia
romântica (a rom-com) contemporânea é
um motivo de grande tristeza para muitos cinéfilos, pelo menos é-o para mim. Na
verdade, este tipo de consideração poderia ser feita em relação a grande parte
da comédia mainstream, especialmente
a de origem nos estúdios americanos. Por muito divertidas que alguns dos
exemplos dos últimos anos possam ter sido, parece, usualmente, haver algo que
as impede de serem mais que filmes engraçados. Onde vão os dias de génios da
comédia como género de cinema de Howard Hawks ou mesmo dos Monty Python? Se bem
que este é um tipo de raciocínio bastante perigoso por onde se entrar. Este
tipo de comparação injusta para com o passado do meio, especialmente quando se
fala de um filme agora mesmo nos cinemas. Não será melhor olhar o filme como
uma obra do agora, válida por si só e não em comparação a uma herança
histórica?
Bem… penso que sim e
que não. Por um lado olhar uma comédia assim requer uma certa adaptação e
recalibração do olhar. Não há modo de examinar um filme de Judd Apatow como se
examina um filme de Howard Hawks, mas ao mesmo tempo há considerações e
comparações que penso serem importantes de se fazerem, sendo uma delas o
primeiro ponto que quero fazer em relação a este novo filme de Apatow com um
argumento da célebre Amy Schumer.
Falo do ritmo do
filme. Ritmo, sendo algo indispensável à comédia em qualquer meio, mas
especialmente no cinema, onde praticamente tudo, desde o tempo de uma fala, de
um silêncio, ao número de fotogramas de um plano de reação podem ser resumidos
a uma manipulação do tempo e do ritmo. Os filmes de Apatow, e de Paul Feigg por
exemplo, tendem a tratar a comédia em filme como prolongados exercícios de
improvisação de atores, o que ritmicamente, resulta em filmes desmesuradamente
longos para o enredo e personagens que em si incluem.
Este filme, com cerca
de duas horas, retrata Amy (Amy Schumer) uma mulher aparentemente promíscua e
avessa a compromissos e a sua relação com Aaron (Bill Hader), um médico de
atletas profissionais que conhece Amy quando esta o entrevista para um artigo
da revista em que trabalha. Uma rom-som misturada com uma história de redenção
da protagonista “descarrilada”, que pelo caminho inclui a sua relação com a
irmã (Brie Larson) e com o pai (Colin Quinn), um velho miserável que vai se
desvanecendo num lar de idosos ao longo do filme e que transmitiu a Amy grande
parte das suas ideias sobre compromissos.
É um enredo
extremamente básico, sem grandes complexidades que se estende por duas horas,
como já mencionei. Seria de esperar uma observação humorística das personagens
coloridas com que Apatow e Schumer enchem este seu filme, mas o máximo que
vemos destas figuras são superficialidades com intenções humorísticas, que,
infelizmente, têm a tendência a não ter a piada que os seus criadores parecem
pensar que têm. Não defendo que o filme necessitasse de um ênfase no
desenvolvimento das suas personagens, mas a ênfase de Apatow nelas acaba por
parecer meramente superficial quando nos apercebemos, perto do final do filme, quão
pouca impressão tantas destas figuras fizeram.
Grande parte deste
problema provém do ritmo acima mencionado. Apatow parece, por um lado, tentar
negar os ritmos dramáticos usadas em termos narrativos para estruturar as
tradicionais rom-com. O seu olhar e atenção é muito mais disperso e errático,
dando-nos algo que parece querer fugir estruturalmente da tradição cinemática
em que se inclui. Eu poderia aceitar tal decisão se o seu resultado fosse algo
mais agradável do que o que vejo aqui. Se este tipo de filme pretende
maioritariamente ser uma fonte de entretenimento, então acho um pouco estranho
o uso deste tipo de estrutura desajeitada da parte de Apatow, resultando num
filme cheio de momentos mortos, e que, passado um bocado, não consegue evitar
cair no tédio para o espetador.
Tendo já falado no
meu enorme problema com o ritmo do filme, há que falar, no que diz respeito
somente a Apatow, no modo desleixado como o filme é filmado. Com as composições
mais básicas imagináveis e com uma aparente aversão a aproveitar a presença dos
seus atores, Apatow filma grande parte do filme em grandes planos sucessivos,
nunca dando nem grande dinamismo ao filme nem grande possibilidade ao seu
elenco de fazer algo mais com o argumento do que simplesmente dizer as falas e
improvisar falas e conversas que se prolongam, sem qualquer disciplina
estrutural da parte do realizador.
Mas o trabalho de
Apatow não é a única coisa neste filme que requer algumas palavras, pois este
pode ser um filme de Apatow, mas também é invariavelmente um filme de Amy
Schumer, a escritora e protagonista. A presença carismática e o humor de
Schumer são, para mim, aquilo que mais vida e regozijo dá ao filme, sendo que,
ao contrário de Apatow e o seu próprio texto, ela parece exercer um equilíbrio
brilhante entre o mais lúrido humor e os momentos mais sérios do filme. Mas a
presença de Schumer no filme traz consigo um número de expectativas a que o
filme acaba por não corresponder.
Quando vemos um
filme, este jogo de expetativas é algo perigoso para o espetador. O facto do
filme ser uma rom-com de Apatow cria logo uma série de expectativas, a presença
de Schumer como argumentista e atriz principal, fazem o mesmo. O trabalho de
Schumer fora do filme aponta para um humor feminista e desbocado, muitas vezes
sem aparentes preocupações com a alienação da audiência. Fãs do seu programa,
como eu, talvez esperem a sua subversão de papéis de género ou o modo abrasivo
como trata a sua própria imagem, e assim se criam mais expectativas. Talvez,
olhando para Schumer e para o género do filme, esperemos uma subversão dos
estereótipos e fórmulas das comédias românticas sempre presas a uma perspetiva
heteronormativa e monógama? Mas isto é um caminho injusto para o filme e para
os seus autores.
Com este filme,
Schumer parece casar o seu humor de base em sketches televisivos, com as preocupações
classicistas de uma comédia romântica. O lado moralista muitas vezes presente
no cinema de Apatow também aqui se encontra, mas por vezes cortado com o humor
de Schumer. O tom do filme é uma constante inconsistência, com momentos, por
exemplo o início, a parecerem muito mais próximos da subversão usual de Schumer
e vai apontando para uma exploração do ideal de monogamia e da vilificação de
promiscuidade na cultura contemporânea heteronormativa, enquanto o final apela
a uma relação romântica monógama como o ideal desenvolvimento para a vida da
protagonista, o que parece trair grande parte do que anteriormente vimos da sua
personalidade, como modo de criar uma fantasia para o seu parceiro romântico.
Os impulsos de
Schumer e Apatow estão em constante desconexão no filme. No princípio, o humor
textual aponta a uma abordagem formal muito menos classicista que o que
acontece na verdade, e no final, a estruturação de Apatow parece pedir um desenvolvimento
textual das suas figuras bastante diferente do que realmente aconteceu no guião
do filme.
Nada disto, no
entanto, impede o filme de muitas vezes alcançar momentos de grande humor e
divertimento, em grande parte devido a um maravilhoso elenco que vai desde
figuras como Tilda Switnon a LeBron James. Gostaria de, principalmente,
salientar o trabalho de Brie Larson e Amy Schumer no seu trabalho em Trainwreck, onde conseguem alcançar um
registo cómico ao mesmo tempo apropriado aos momentos mais crus e abrasivos do
guião sem prejudicarem o olhar vago e disperso de Apatow, e ao mesmo tempo
registando uma delicadeza estranha nas suas reações e momentos dramáticos.
É um filme, como já
disse, divertido que eu acabaria, sem dúvida, por recomendar a outros que não
eu. O humor de Schumer consegue ir emergindo por entre o olhar entediante e
moralista de Apatow, e o filme acaba por despertar discussões interessantes,
devido grandemente às expectativas acima discutidas e mesmo ao texto de Schumer
que por vezes parece ir encontrando alguma da acidez que tanto a tornou popular
no panorama da comédia contemporânea.
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