domingo, 2 de agosto de 2015

L’HOMME QU’ON AIMAIT TROP (2014) de André Téchiné



 Mais do que um filme de gangsters, como alguns têm dito deste filme, L’homme qu’on aimait trop segue a mesma linha temática de grande parte da obra de André Téchiné, focando-se mais no drama humano e tentando fazer um retrato intimista das suas personagens. Tenta sendo a palavra de ordem aqui.

 Antes de mais há que falar um pouco do enredo e estrutura do filme.

 O filme baseia-se numa história verídica, relatando a relação atribulada entre Renée Le Roux (Catherine Deneuve), a presidente, inicialmente vice-presidente, de um casino em Nice, e a sua filha Agnès Le Roux (Adèle Haenel), recentemente divorciada e de volta a Nice depois de ter vivido em África com o seu marido. A relação das duas é severamente complicada pela sua fortuna, sendo que a herança que Renée se recusa a dar à filha está aparentemente na génese de muitos dos seus problemas. É claro desde início que Agnès apresenta um certo desdém pela sua própria fortuna, querendo ao mesmo tempo usar o seu dinheiro para se tornar independente da mãe e do casino, um espaço em que odeia entrar. A juntar a este duo temos Maurice Agnelet (Guillaume Canet), um advogado de Renée pelo qual Agnès se apaixona e que ao longo do filme vai manipulando as duas mulheres, especialmente no que diz respeito à direção e controlo do casino.

 Há  ainda que acrescentar a este trio de protagonistas uma constante ameaça da máfia, cujas agressões e ameaças são quase somente relatadas oralmente. Ouvimos falar de um ataque, por exemplo, a Renée, mas apenas a ouvimos falar disto. Apesar de grande parte do filme se focar nesta ameaça e no estado do casino, é claro que Téchiné tem pouca paciência para tais enredos neste filme, focando-se maioritariamente na relação entre os três protagonistas.

 Em 1977, Agnès despareceu. O seu corpo nunca foi encontrado, sendo que o principal suspeito, Maurice, esteve em liberdade até um julgamento em Abril de 2014, tendo sido condenado a 20 anos de cadeia. Durante os mais de 30 anos que decorreram entre o desaparecimento e a condenação de Maurice, a mãe da desaparecida dedicou a sua vida a ver o homem que acreditava ser o assassino da filha na cadeia.

 Muitos seriam os realizadores que face a este tipo de história sensacionalista se focariam na luta inspiradora de uma mãe a tentar lutar pela sua filha, mas Téchiné, apesar do que o título inglês deste filme possa sugerir, apenas atribui a estes acontecimentos um epílogo no final do filme, que parece mais uma filme separado desajeitadamente colado a uma obra já existente, que uma continuação orgânica do filme.

Tal como já referi, o filme centra-se principalmente na relação entre os seus três protagonistas, focando-se imensamente nos seus atores e no desenvolvimento das relações entre os três, desde a traição de Agnès à mãe, ao ódio absoluto de Renée por Maurice nos últimos momentos do filme. Mesmo com este foco, existe uma sobriedade delicada no modo como o realizador trata o material que o impede de cair em melodrama lúrido, lembrando alguns dos seus mais celebrados trabalhos.

 O sucesso que Téchiné consegue por vezes alcançar no filme, está maioritariamente assente no trabalho dos três atores protagonistas, sendo que Adèle Haenel é a clara joia do filme. Techiné parece adorar filmar a atriz, criando sequências em torno de uma simples câmara a movimentar-se em torno da face da atriz, e usando os seus únicos momentos de algum interesse estilístico e formal para a filmar. A sua presença é uma lufada de ar fresco num filme que muitas vezes parece lembrar uma versão mais calma e distante de um filme de prestígio de Hollywood, e o desaparecimento da sua personagem marca uma rutura enorme no filme, ao privar a audiência da única fonte de energia garantida em toda a obra. Uma cena em que a atriz examina o seu corpo nu ao espelho é particularmente hipnótica e gratificante no contentamento que parece transpirar de Haenel numa cena algo inusual para com o resto do filme.

 Deneuve é a sua usual presença glamorosa e decidida, coberta em figurinos reluzentes até ao epílogo do filme, o seu trabalho no filme é menos impressionante que o da atriz que interpreta a sua filha. Mesmo assim alguns momentos do filme como uma viagem de carro com um jovem chauffeur italiano, dão a Deneuve oportunidades para demonstrarem o seu carisma de estrela. A única razão pela qual o final do filme tem ainda algumas esperanças de funcionar estruturalmente, é o trabalho da atriz.

 A última peça deste tríptico é a que menos sucesso parece ter no filme. Canet é um ator que já admirei noutros filmes, mas aqui ele parece sofrer de um guião e de um realizador que impõe demasiado enfase no seu trabalho, tornando Maurice o centro de praticamente tudo o que acontece no filme, fazendo dele um protagonista com a mesma relevância das duas mulheres e ao mesmo tempo tentando distanciando-se de qualquer julgamento implícito no que diz respeito à culpabilidade da personagem do ator. Maurice é portanto uma cifra durante todo o filme, e Canet parece bloqueado numa espécie de registo de anti carisma, tornando quase impossível a credibilidade das suas relações amorosas e profissionais dentro do filme.

 Com um vazio entediante como Canet no centro da intriga, o filme perde grande parte do seu interesse. A relação amorosa que dá título ao filme, nunca parece particularmente plausível, especialmente quando observamos os extremos emocionais a que leva Agnès. Por consequência, grande parte do filme perde o seu impacto. O que poderia ser uma interessante atmosfera de estranheza e incompreensão por parte da audiência em relação a esta cifra no meio do filme, nunca é interessantemente explorada por Téchiné.

  Por outro lado, a relação entre mãe e filha é maioritariamente sugerida pelo trabalho das atrizes, visto que o guião parece maioritariamente interessado em Agnès e Maurice, deixando a interação entre as duas atrizes principais bastante diminuta quando comparada ao tempo dado ao romance entediante entre os dois apaixonados. Eu diria mesmo que mais do que o vácuo que é a figura de Maurice, é mesmo a falta de desenvolvimento na relação mãe-filha no âmago do filme, que realmente reduz o filme a um dos filmes menores do autor francês. Se os filmes de Téchiné usualmente demonstram retratos intimistas das suas personagens humanas, neste filme o seu olhar parece sempre ter um certo receio de se investir em demasia.

 Mesmo assim existe uma certa reticência no modo como o realizador expõe as vidas no centro do seu filme, que conjugado com a solarenga atmosfera do filme parecem criar uma atmosfera algo curiosa para um filme que, para quem previamente conheça os factos verídicos em que se baseia, acaba por ser uma marcha fúnebre para o desaparecimento de Agnès. Talvez se Téchiné se tivesse singularmente focado na perspetiva da herdeira desparecida, o seu filme pudesse ter alcançado algo mais incisivo e interessante que a curiosa reticência de intenções que deixa à audiência.

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