Mais do que um filme
de gangsters, como alguns têm dito deste filme, L’homme qu’on aimait trop segue a mesma linha temática de grande
parte da obra de André Téchiné, focando-se mais no drama humano e tentando
fazer um retrato intimista das suas personagens. Tenta sendo a palavra de ordem
aqui.
Antes de mais há que
falar um pouco do enredo e estrutura do filme.
O filme baseia-se
numa história verídica, relatando a relação atribulada entre Renée Le Roux
(Catherine Deneuve), a presidente, inicialmente vice-presidente, de um casino
em Nice, e a sua filha Agnès Le Roux (Adèle Haenel), recentemente divorciada e
de volta a Nice depois de ter vivido em África com o seu marido. A relação das
duas é severamente complicada pela sua fortuna, sendo que a herança que Renée
se recusa a dar à filha está aparentemente na génese de muitos dos seus
problemas. É claro desde início que Agnès apresenta um certo desdém pela sua
própria fortuna, querendo ao mesmo tempo usar o seu dinheiro para se tornar
independente da mãe e do casino, um espaço em que odeia entrar. A juntar a este
duo temos Maurice Agnelet (Guillaume Canet), um advogado de Renée pelo qual
Agnès se apaixona e que ao longo do filme vai manipulando as duas mulheres,
especialmente no que diz respeito à direção e controlo do casino.
Há ainda que acrescentar a este trio de
protagonistas uma constante ameaça da máfia, cujas agressões e ameaças são quase
somente relatadas oralmente. Ouvimos falar de um ataque, por exemplo, a Renée,
mas apenas a ouvimos falar disto. Apesar de grande parte do filme se focar
nesta ameaça e no estado do casino, é claro que Téchiné tem pouca paciência
para tais enredos neste filme, focando-se maioritariamente na relação entre os
três protagonistas.
Em 1977, Agnès
despareceu. O seu corpo nunca foi encontrado, sendo que o principal suspeito,
Maurice, esteve em liberdade até um julgamento em Abril de 2014, tendo sido
condenado a 20 anos de cadeia. Durante os mais de 30 anos que decorreram entre
o desaparecimento e a condenação de Maurice, a mãe da desaparecida dedicou a
sua vida a ver o homem que acreditava ser o assassino da filha na cadeia.
Muitos seriam os
realizadores que face a este tipo de história sensacionalista se focariam na
luta inspiradora de uma mãe a tentar lutar pela sua filha, mas Téchiné, apesar
do que o título inglês deste filme possa sugerir, apenas atribui a estes
acontecimentos um epílogo no final do filme, que parece mais uma filme separado
desajeitadamente colado a uma obra já existente, que uma continuação orgânica
do filme.
Tal como já referi, o filme centra-se principalmente na
relação entre os seus três protagonistas, focando-se imensamente nos seus
atores e no desenvolvimento das relações entre os três, desde a traição de
Agnès à mãe, ao ódio absoluto de Renée por Maurice nos últimos momentos do
filme. Mesmo com este foco, existe uma sobriedade delicada no modo como o
realizador trata o material que o impede de cair em melodrama lúrido, lembrando
alguns dos seus mais celebrados trabalhos.
O sucesso que Téchiné
consegue por vezes alcançar no filme, está maioritariamente assente no trabalho
dos três atores protagonistas, sendo que Adèle Haenel é a clara joia do filme.
Techiné parece adorar filmar a atriz, criando sequências em torno de uma
simples câmara a movimentar-se em torno da face da atriz, e usando os seus
únicos momentos de algum interesse estilístico e formal para a filmar. A sua
presença é uma lufada de ar fresco num filme que muitas vezes parece lembrar
uma versão mais calma e distante de um filme de prestígio de Hollywood, e o
desaparecimento da sua personagem marca uma rutura enorme no filme, ao privar a
audiência da única fonte de energia garantida em toda a obra. Uma cena em que a
atriz examina o seu corpo nu ao espelho é particularmente hipnótica e
gratificante no contentamento que parece transpirar de Haenel numa cena algo
inusual para com o resto do filme.
Deneuve é a sua usual
presença glamorosa e decidida, coberta em figurinos reluzentes até ao epílogo
do filme, o seu trabalho no filme é menos impressionante que o da atriz que
interpreta a sua filha. Mesmo assim alguns momentos do filme como uma viagem de
carro com um jovem chauffeur italiano, dão a Deneuve oportunidades para
demonstrarem o seu carisma de estrela. A única razão pela qual o final do filme
tem ainda algumas esperanças de funcionar estruturalmente, é o trabalho da
atriz.
A última peça deste
tríptico é a que menos sucesso parece ter no filme. Canet é um ator que já
admirei noutros filmes, mas aqui ele parece sofrer de um guião e de um
realizador que impõe demasiado enfase no seu trabalho, tornando Maurice o
centro de praticamente tudo o que acontece no filme, fazendo dele um
protagonista com a mesma relevância das duas mulheres e ao mesmo tempo tentando
distanciando-se de qualquer julgamento implícito no que diz respeito à
culpabilidade da personagem do ator. Maurice é portanto uma cifra durante todo
o filme, e Canet parece bloqueado numa espécie de registo de anti carisma,
tornando quase impossível a credibilidade das suas relações amorosas e
profissionais dentro do filme.
Com um vazio
entediante como Canet no centro da intriga, o filme perde grande parte do seu
interesse. A relação amorosa que dá título ao filme, nunca parece particularmente
plausível, especialmente quando observamos os extremos emocionais a que leva
Agnès. Por consequência, grande parte do filme perde o seu impacto. O que
poderia ser uma interessante atmosfera de estranheza e incompreensão por parte
da audiência em relação a esta cifra no meio do filme, nunca é
interessantemente explorada por Téchiné.
Por outro lado, a
relação entre mãe e filha é maioritariamente sugerida pelo trabalho das
atrizes, visto que o guião parece maioritariamente interessado em Agnès e
Maurice, deixando a interação entre as duas atrizes principais bastante
diminuta quando comparada ao tempo dado ao romance entediante entre os dois
apaixonados. Eu diria mesmo que mais do que o vácuo que é a figura de Maurice,
é mesmo a falta de desenvolvimento na relação mãe-filha no âmago do filme, que
realmente reduz o filme a um dos filmes menores do autor francês. Se os filmes
de Téchiné usualmente demonstram retratos intimistas das suas personagens
humanas, neste filme o seu olhar parece sempre ter um certo receio de se
investir em demasia.
Mesmo assim existe
uma certa reticência no modo como o realizador expõe as vidas no centro do seu
filme, que conjugado com a solarenga atmosfera do filme parecem criar uma
atmosfera algo curiosa para um filme que, para quem previamente conheça os
factos verídicos em que se baseia, acaba por ser uma marcha fúnebre para o
desaparecimento de Agnès. Talvez se Téchiné se tivesse singularmente focado na
perspetiva da herdeira desparecida, o seu filme pudesse ter alcançado algo mais
incisivo e interessante que a curiosa reticência de intenções que deixa à
audiência.
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