sexta-feira, 31 de julho de 2015

THE HOMESMAN (2014) de Tommy Lee Jones




 Por vezes existem filmes que necessitam de uma certa bagagem, de um certo conhecimento prévio dos códigos e fórmulas do cinema. Filmes que se empenham na desconstrução, ou pelo menos, na exploração das características do cinema em si, das suas especificidades e dos seus géneros particulares. Na sua segunda obra como realizador, Tommy Lee Jones parece ter-se, mais uma vez, embrenhado no mundo dos westerns, jogando aqui com as expetativas de uma audiência conhecedora do género, e explorando aspetos deste género, poucas vezes tratados na extensa filmografia que se estende no panorama cinemático americano desde os dias de hoje até ao início de Hollywood no princípio do século passado.

  Não é que The Homesman, seja apenas uma desconstrução de género, mas é certamente aquilo que mais me fascinou num filme com uma imensidão de ideias a voar à sua volta e que parece, em certos casos, encontrar enormes problemas na exploração dessas mesmas temáticas. O próprio modo como o filme foi filmado por Tommy Lee Jones e Rodrigo Prieto, pede comparações com as imagens cristalinas que emergiram da filmografia de tão lendários criadores como John Ford e Howard Hawks. A fotografia é, aliás, dos mais gloriosos componentes deste inesperadamente complexo western.

 O filme, num modo inicial, ocupa-se com a história de uma mulher solteira e com poucas oportunidades de deixar de o ser, Mary Bee Cuddy (Hilary Swank) no velho oeste americano e que acaba por obter a responsabilidade de cuidar de três mulheres supostamente loucas, Arabelle (Grace Gummer), Theoline (Miranda Otto) e Gro (Sonja Richter), através do deserto rumo à igreja de um reverendo e sua mulher (Meryl Streep), que se disponibilizam para acolher mulheres em condições assim. No início da sua viagem Cuddy encontra George Briggs (Tommy Lee Jones), um homem perseguido que ela salva do enforcamento em troca da ajuda deste na travessia com as mulheres. Assim partem na sua viagem com as três loucas com quem não conseguem comunicar, sendo que o filme vai explorando tanto o lugar da mulher na sociedade da época,como as personalidades feridas e cansadas do seu par de protagonistas. Ou pelo menos é o que parece que o filme vai desenvolver.

 Não quero revelar muito sobre o enredo do filme, um enredo que, adaptado de um romance da autoria de Glendon Swarthout, me conseguiu realmente surpreender, especialmente no que diz respeito à trajetória dos protagonistas e à estrutura do filme que parece dividir-se em duas metades com uma metade focada em cada um dos dois protagonistas, Cuddy e Briggs. Tenho que dizer que acho a primeira metade muito mais interessante, sendo que no seu niilismo e completo vácuo de esperança ou alegria, a segunda metade torna-se demasiado pesada para a sua experimentação, perdendo algum do seu impacto, especialmente com os seus ocasionais devaneios de tom e tema como um interlúdio violento num hotel que acaba por nos oferecer uma das mais belas e pitorescas imagens do filme.

 Se bem que, essas variações violentas de tom e registo, são parte do que cria um ambiente de tanta surpresa e imprevisibilidade no filme e que vão rompendo com as tradições ossificadas que tanto caracterizam o típico western. Mas, ao mesmo tempo, a falta de coerência traz ao filme problemas, especialmente no seu desenvolvimento da figura da mulher na época do western, que é interessantemente explorada na figura de Cuddy, uma mulher que, apesar de tentar incorporar em si todos os dotes e preceitos de uma boa mulher da época, e que tanto quer casar com alguém, parece estar condenada a uma invariável solidão, nem que seja uma solidão puramente na sua psique. Mas que nas figuras das mulheres, vítimas da sociedade e da austeridade violenta da vida no oeste, que aqui perde qualquer misticismo ou glamour que lhe possamos associar, parece perder-se. Elas tornam-se mais ideias que personagens, o que é bom e mau para o filme, criando imagens e momentos inesquecíveis e de enorme intensidade, mas criando também imagens bidimensionais de cifras ensandecidas em forma de mulher. A figura feminina como uma vítima indecifrável do oeste americano, algo que parece funcionar nas motivações opacas de Cuddy, mas que se torna bastante dúbio e, talvez, ineficaz nas figuras das três mulheres loucas.

 Mas complementando a aparente discordância temática e de tom, vem a concretização técnica do filme, que tudo faz para pegar nessa discordância e a tornar numa escolha deliberada e estilística, elevando todo o filme com isso. O som, em particular, é de salientar, usando efeitos sonoros expressivos e volumosos com uma banda-sonora da autoria de Marco Beltrami que torna toda a paisagem sonora do filme em algo alienígena e estranho. Junte-se à violenta atmosfera sonora com a fotografia que parece querer criar imagens cristalinas e potentes com uma inegável beleza estética, e temos um filme de intencionais contrastes e dissonâncias.

 A fotografia cheia de beleza estética é particularmente interessante, tendo em conta o modo como a cenografia de Merideth Boswell e os figurinos de Lahly Poore criam um mundo de paisagens e casas áridas onde as pessoas parecem enclausuradas em roupas desconfortáveis e rígidas, sujas, mas com pretensões de respeitabilidade. Existe uma beleza na criação da vida dura do Oeste, sendo que a fotografia de Pietro é, mesmo assim, essencial em diferenciar o filme de tantas outras duras e realistas representações da mesma época. O filme parece, a partir dos seus visuais e sons, comentar o modo como o próprio género cinematográfico que é o western glorifica e embeleza uma existência de interminável sofrimento e de uma natureza violenta e estéril, ignorando essa rudeza da realidade ou glorificando heroicamente esse mesmo sofrimento.

 A acompanhar este inspirado trabalho técnico vem o trabalho do elenco, que apesar de ter os seus limites textuais, especialmente no que diz respeito às três mulheres loucas, consegue trazer uma coleção de interpretações exemplares que parecem concretizar perfeitamente a visão de Jones. Swank é particularmente eficaz naquela que é, para mim, a sua melhor interpretação desde a sua vitoriosa performance em Boys Don’t Cry, trazendo uma vulnerabilidade inesperada ao seu trabalho e uma dureza e força superficial à sua postura. Apenas James Spader me desiludiu, mas isso é tanto um problema de interpretação, como é um problema de casting.

 Apesar de certos problemas com o guião, especialmente de um ponto de vista de análise feminista da segunda metade, o filme traz uma inesperada experimentação a um género que nos passados anos tem parecido perdido e sem rumo, mas a que Jones dá uma nova energia e vigor. Mesmo que nada traga de novo, este é um filme que me faz esperar antecipadamente a próxima aventura deste criador no papel de realizador.

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