domingo, 16 de agosto de 2015

A LITTLE CHAOS (2014) de Alan Rickman





I hated this movie. Hated, hated, hated, hated, hated this movie. Hated it. (…)”

- Roger Ebert acerca de North de Rob Reiner


  Poucas vezes na minha vida eu me senti tão simpatético para com essa célebre citação de Roger Ebert, que quando vi A Little Chaos, o segundo filme realizado por Alan Rickman, um nome que me custa ver associado a tal criação.

 Para ser honesto, um pouco da minha aversão ao filme talvez provenha de expetativas injustas que tinha para com a obra. Como um amante de história e de figurinismo, tendo um particular gosto pela opulência absolutista da Corte de Luís XIV, um filme como este cria alguma antecipação. Junte-se a isto um elenco repleto de nomes sonantes como Kate Winslet, Matthias Schoenaerts, Alan Rickman, Jennifer Ehle, Helen McCrory e Stanley Tucci, e temos os ingredientes para um cinéfilo que antecipa um filme minimamente agradável e com valor de entretenimento. Mas também como um amante de História e figurinismo e como um cinéfilo, é-me impossível olhar este filme e ver algo mais que uma repelente catástrofe que é um insulto à própria palavra “cinema”.

 Antes de continuar na minha enunciação repetitiva de insultos ao filme, talvez seja apropriado revelar um pouco do enredo da obra. Pois bem, A Little Chaos conta a história fictícia de Sabine de Barra (Kate Winslet) uma jardineira francesa que, durante a construção dos jardins de Versalhes sob as ordens de Luís XIV (Alan Rickman), fica encarregue do desenho e construção de uma porção dos imensos jardins do palácio. Sabine, para além de ser uma mulher, algo imediatamente notório numa sociedade fortemente dominada por homens, também se apresenta como uma inovadora no que toca a arquitetura paisagística, defendendo um pouco de caos e não a rígida geometria da moda de então. O filme acompanha-a, juntamente com outras personagens como o rei, o seu irmão (Stanley Tucci), a amante do rei, madame de Montespan (Jennifer Ehle), a mesquinha Madame Françoise Le Nôtre (Helen McCrory) e seu marido André Le Nôtre (Matthias Schoennarts). Em relação a este último há que apontar que Sabine trabalha sob o seu comando, como principal encarregue da criação dos jardins, e os dois acabam por se relacionar romanticamente, pelo caminho resolvendo os traumas pessoais de Sabine. O filme termina com o seu sucesso e uma cena jovial de dança nos jardins terminados, tentando assim concluir o filme numa nota inspiradora e alegre, apesar das quase duas horas de tortura que impingiu à audiência.

 Apesar do que está acima escrito, este filme sofre catastroficamente de uma sintomática falta de foco, atenção ou intencionalidade, levantando enredos e ideias a todo o momento, para simplesmente se esquecer deles no próximo. Olhemos para a condição de Sabine numa sociedade patriarcal e numa posição de considerável poder, o filme parece querer dizer algo sobre isto no seu início, mas… passadas algumas cenas parece que nenhum conflito ou problema existe com isso. As visões não conformistas que a protagonista tem com as paisagens do jardim também parecem ir ser um tema importante do filme, até que nunca mais ouvimos falar de tais crenças por parte da protagonista mais ou menos passado um terço do filme. O olhar sardónico do filme sobre o ridículo dos rituais da corte extremamente teatral de Luís XIV, apenas existe na primeira cena, acabando por acabar por representar o rei de um modo açucarado e sentimentalista, completamente superficial e banal. O romance dos dois principais membros do elenco parece aparecer do nada, sendo que o seu desfecho romântico parece completamente incongruente tanto com as personagens como com o resto do enredo do filme. O passado sombrio de Sabine é um cliché comum, e sua resolução com um romance parece apenas reforçar algumas dos impulsos mais repugnantemente sexistas deste tipo de filme.

 O guião do filme é das piores coisas que aconteceu ao cinema inglês nos últimos anos, sendo um fracasso tanto a um nível simplesmente narrativo e emocional, como a um nível histórico. A falta de qualquer vislumbre de conhecimento histórico junto à dispersão desastrada de ideias e enredos que já referi, fazem do filme algo semelhante ao que que eu penso que obteria se pedisse a alguém, sem grandes conhecimentos históricos, que me contasse uma história sobre a construção de Versalhes enquanto completamente embriagado.

 Mas não é só textualmente que o filme não mostra uma pitada de conhecimento histórico ou originalidade, basta olharmos para os trajes que vestem o elenco para vermos a completa incompetência de praticamente tudo neste filme. Uma mistura de roupa de outras épocas, e de figurinos originais baratos e mal ajustados aos atores, eles oferecem mais distrações irritantes para a audiência do que ajudam a criar um visual ou um ambiente para o filme. A caracterização de Winslet e Schoenaerts também não ajuda, sendo que o cabelo constantemente despenteado da atriz é particularmente distrativo em grandes planos de cenas em que tal tipo de aparência parece completamente incongruente com a situação.

 Nem a fotografia salva este filme, cheio de cenas que parecem, francamente, demasiado iluminadas, dando ao filme uma espécie de olhar indiferente e comum. Isto é particularmente triste quando conjugado com a cenografia e as localizações do filme, que nunca conseguem esconder de modo muito convincente que o filme foi filmado em Inglaterra e não em França.

 Alan Rickman, apesar do seu fracasso como realizador do projeto, é bastante sólido como o monarca absolutista, sendo particularmente louvável nas cenas mais sentimentais do filme. Apesar dos meus problemas cm a escrita da figura, o trabalho de Rickman vai conseguindo assim salvar algum do seu filme, assim como a paciência da audiência. Para além do ator realizador, também Jennifer Ehle é o único outro membro do elenco cheio de atores de prestígio, que consegue deixar uma impressão positiva, encontrando uma delicadeza quase fantasmagórica nas suas breves cenas no filme e tornando uma personagem bastante afastada do centro dramático do filme, na sua única fonte de genuíno interesse para este membro da audiência.

 Suponho que, para além do trabalho desses dois atores, também a caracterização seja de louvar, excluindo todo o trabalho feito sobre Winslet e Schoenaerts. A corte está apropriadamente decorada ao ponto de ridículo, com penteados complexos e exuberantes, sendo que a caracterização de Ehle é particularmente bem concebida, tornando-a etérea e delicada sem se desviar em demasia das referências históricas. Para além disso… suponho que com 117 minutos, apesar de demasiado comprido para o seu próprio bem, o filme consegue não ser uma tortura excessivamente longa para ser humanamente suportável.


 O género do filme de época, o costume drama, tem má reputação entre a generalidade dos cinéfilos, e depois de ver um filme assim é fácil compreender esse desdém generalizado. O que é que são obras-primas de Gillian Armstrong, Jane Campion ou Terrence Davies quando ensombradas por crimes cinemáticos como este? Sinceramente, apetece-me cometer um pequeno plágio e roubar uma ideia a Tim Brayton do magnífico blogue Antagony & Ecstasy, criando uma etiqueta, uma tag, dizendo crime contra a arte. Penso que só assim é que conseguiria justamente classificar esta abominação.

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