segunda-feira, 29 de fevereiro de 2016

Oscars 2015/16, Post mortem e análise da cerimónia e vencedores



Primeiro que tudo, tenho de dizer que, ao contrário do que parece ser a maioria da população mundial com acesso à internet, eu nunca achei que Leonardo DiCaprio fosse um enorme injustiçado dos Óscares, nem que ele devesse ganhar por The Revenant. Sinceramente, nunca lhe daria nenhum Óscar por qualquer uma das suas prestações, se bem que nomearia várias. Quando existem tantos maravilhosos artistas que não têm Óscares como Roger Deakins, Diane Warren, Thomas Newman, entre muitos outros, não percebo qual a razão para este fanatismo em volta de DiCaprio. Olhemos, por exemplo, para 1993 quando este ator recebeu a sua primeira nomeação. Ralph Fiennes recebeu também nesse ano a sua primeira nomeação e, tal como DiCaprio até ontem, ele não ganhou qualquer Óscar. Fiennes é, para mim, um ator monumentalmente superior a DiCaprio mas nunca se ouve ninguém falar de como a Academia lhe deve um Óscar. Para quem esteve anos a martelar a cabeça da Academia que Leo devia ganhar um destes prémios, eu dou o exemplo de Peter O’Toole, que nunca teve essa sorte antes de morrer e que foi um dos grandes atores da história do cinema. Basicamente, por favor pessoas da internet acalmem-se com a vossa desmedida paixão por Leonardo DiCaprio.

Com tudo isso dito e com a maior parte dos leitores afugentados, tenho de admitir que adorei o discurso de DiCaprio e que ele me conquistou nesses momentos. A sua vitória era certa e ele teve tempo de preparar o modo como iria aceitar este prémio e fez justiça às altas espectativas. Parabéns!
Esquecendo um pouco a vitória incontornável do ator que para mim será sempre Jack Dawson, falemos um pouco dos restantes vencedores da noite.


Nas minhas previsões pessoais apenas acertei em 15 dos eventuais escolhidos da Academia, tendo-me enganado em Ator Secundário, Canção original, Efeitos Visuais, ambas as categorias de som, Caracterização, Filme numa Língua Estrangeira, e melhor curta-metragem de animação e documental. Enfim, já tive anos piores e anos melhores e a verdade é que eu adoro surpresas na noite dos Óscares, mesmo quando são ocasionalmente desagradáveis.

Eu diria mesmo que a pior surpresa do ano e pior vencedor da noite foi a vitória de Sam Smith na categoria de Melhor Canção Original. Quem diria que ele conseguiria traduzir a sua vitória nos Globos de Ouro numa coroação pela Academia? E por uma das piores canções alguma vez nomeadas em toda a história da categoria. Certamente a Academia não supunha que Smith fosse ganhar, sendo que toda a produção da prestação musical de Lady Gaga parecia prenunciar uma celebração ao estilo de “Glory” o ano passado. Pelo menos esta vitória deu-nos a oportunidade de ver a melhor atuação da carreira de Gaga, quando esta forçou um dos mais insinceros sorrisos que já vi aquando da vitória do seu adversário nesta categoria.


As restantes surpresas foram infinitamente mais prazerosas, com a vitória de Ex Machina na categoria de Melhores Efeitos Visuais a ser o meu ponto alto da noite. Quem diria que a Academia iria contrariar décadas de uma preferência por obras vistosas nesta categoria, decidindo honrar aquele que é possivelmente o menos gritado e explosivo dos cinco nomeados. Apenas a vitória de Babe em 1995 é comparável.

Também a completa torrente de apoio para com Mad Max: Estrada da Fúria me tomou de surpresa, sendo que já tinha perdido a esperança que o filme conseguisse arrecadar mais que 2 ou 3 Óscares. O filme de George Miller varreu quase que por completo as categorias técnicas, saindo do Dolby Theatre como um dos grandes vencedores da noite com 6 galardões, todos eles imensamente merecidos. A vitória de Margaret Sixel foi de particular júbilo para mim.


Ainda a destacar nas minhas previsões erróneas está a vitória de O Filho de Saul do Óscar de Melhor Filme numa Língua Estrangeira. Eu estava certo que a Academia ia renunciar esta obra agressiva e iria refugiar-se na relativa convencionalidade de Mustang, especialmente considerando a força de alguns dos detratores do filme de Lázló Nemes. Felizmente a qualidade triunfou sobre a tradição, e o discurso do jovem realizador foi, para mim, um dos melhores de uma noite repleta de belos discursos, apesar de nenhum deles se realmente comparar à fogosidade de alguns do ano passado.


Na maior parte das restantes categorias, os esperados vencedores triunfaram, mesmo aqueles que mais fraudulentamente arrecadaram os seus prémios como Alicia Vikander, cuja prestação não pertence de modo algum à categoria que visa reconhecer a excelência de prestações secundárias. Talvez apenas a vitória de Mark Rylance me tenha realmente surpreendido nas categorias ditas principais. Eu já calculava que Stallone fosse perder ao estilo de Mickey Rourke, mas tinha assumido que Ruffalo fosse propulsionado tanto pela força das suas anteriores nomeações como pela vitória que já previa para Spotlight na mais alta honra da noite.


E assim chegamos a Melhor Filme e Realizador. Orgulho-me, tenho de admitir, de ter previsto este final desenrolar de uma Awards Season cheia de imprevisibilidades e falta de consenso. No final, a votação preferencial fez a sua magia e The Revenant mostrou-se como uma obra demasiado polarizante para ganhar. É claro que Iñarritu acabou por voltar a ganhar, mas aí eu tinha poucas esperanças de um diferente resultado. Tal como Leo, no entanto, tenho de reconhecer o valor do seu discurso, especialmente no que diz respeito à sua indignação para com alguma da atual retórica política xenófoba que domina as primárias republicanas dos EUA.


Dos vencedores tenho apenas a acrescentar que foi maravilhoso finalmente ver Ennio Morricone a ganhar um Óscar.


Falemos agora da cerimónia em si.

Sei que muitas pessoas irão discordar desta minha opinião, mas eu adorei o monólogo de abertura de Chris Rock. Nunca na minha vida como devoto seguidor do falso ídolo que é o Óscar, eu alguma vez vi uma audiência tão desconfortável perante o apresentador e isso é de louvar, especialmente quando esse desconforto é resultado de uma agressiva e jocosa dissecação politica e ideológica e não de um humor juvenil e ordinário ao estilo de Seth McFarlane há uns anos. Concordei com todas as intervenções de Chris Rock ao longo da cerimónia? Não. Achei que todas as piadas resultaram? Não. Mas tenho de reconhecer que ele é o mais ousado apresentador desta celebração há décadas e que algumas das porções do seu monólogo inicial são de um incalculável valor. A sua descrição do doentio racismo que rege a Hollywood contemporânea foi de particular valor, especialmente na sua comparação para com os preconceitos de uma fraternidade universitária.


Com tudo isso dito tenho de confessar que me comecei a irritar progressivamente devido ao modo completamente binário com que Rock estava a abordar a questão da diversidade, Este problema não se resume somente a brancos e pretos. Pergunto onde está então a representação latina, árabe, asiática, homossexual, transgénera, etc,? Disso quase ninguém fala mas é tudo igualmente horrendo.

A atenuar alguma dessa faceta redutora na abordagem do apresentador, tivemos um formidável discurso de Cheryl Boone Isaacs, a presidente da Academia. Eloquente, precisa e violentamente incisiva na sua crítica e apelo à ação. É muito fácil falar sobre os problemas de diversidade sem nada fazer. Aquelas pessoas ali presentes são algumas das faces mais influentes de toda a indústria e é nas suas ações que devia começar a mudança que tantos pedem sem nada para ela contribuírem.


Numa nota mais leve e infinitamente menos positiva, os Óscares continuam a ter uma bizarra relação com a sua longa duração.

Todos os anos parece que os produtores tentam encontrar maneiras de encurtar a duração da emissão televisiva e cada uma é mais ofensiva que a outra, para os verdadeiros fãs desta cerimónia e instituição. Este ano, a mais vistosa mudança foi o acrescento de uma barra infográfica que ia dando a conhecer as pessoas a quem os vários vencedores queriam agradecer, supostamente ajudando assim a diminuir a extensão dos discursos. Para mim, isto foi uma escolha horrível e demonstra uma enorme falta de respeito para com os vencedores, mas enfim.

Pior ainda é a já recorrente e tragicamente tradicional falta dos vencedores dos Óscares honorários. É um crime que a Academia roube a Gena Rowland, Spike Lee e Debbie Reynolds a oportunidade de falarem ao vivo para todo o mundo. Lee, em particular, teria sido um espetacular acrescento a esta cerimónia cheia de uma volátil carga política, que abrangeu problemas de representação diversa, racismo, xenofobia, problemas ecológicos, igualdade dos sexos e até uma necessária e importante manifestação de força e apoio para com vítimas de agressões sexuais que se estão a revelar como uma epidemia na sociedade americana.

Com todos estes problemas de diversidade há que ainda apontar o modo como os produtores da cerimónia decidiram cortar as performances de duas das canções, impedindo uma cantora de ópera coreana, Sumi Jo, e a primeira nomeada abertamente transgénera da história da Academia, Anohni, de cantarem ao vivo. Recomendo a todos os que se interessem por estas questões que leiam a carta aberta que Anohni escreveu a justificar o seu boicote desta cerimónia.

Apesar destes cortes, os Óscares continuam a integrar várias montagens que para mim são desnecessárias assim como vídeos de sketches que, sinceramente, poderiam ser muito menos longos e repetitivos, apesar da sua justificável revolta e teor provocativo.


Numa nota mais positiva, com a exceção da catástrofe que foi Sam Smith, as prestações musicais foram, no mínimo, competentes, com Lady Gaga a tentar repetir o impacto de “Glory” o ano passado com apenas uma fração do sucesso.


Numa nota ainda mais positiva, gostaria de fazer referência a alguns momentos e aspetos individuais como:

O modo como Jacob Tremblay prova, mais uma vez, que é o ser humano mais adorável de Hollywood.


A reação chorosa de Kate Winslet ao ver Leonardo DiCaprio ganhar o Óscar.

A presença de Julianne Moore, Cate Blanchett e Angela Bassett na minha televisão, especialmente quando as primeiras duas se encontram na companhia de Todd Haynes.

Quão comovente o In Memorian acabou por ser, apesar de uma desinteressante prestação musical.

O desprezo que radiava de algumas das estrelas quando confrontadas com Ryan Seacrest na passadeira vermelha.


A jovial felicidade de George Miller face ao sucesso do seu filme durante a cerimónia.

A camaradagem e mútua admiração entre Jonh Williams e Ennio Morricone.

O casaco de Jenny Beavan com o símbolo do crânio a gritar de Immortan Joe.


A considerável diversidade dos vencedores que incluíram várias mulheres, um homem abertamente homossexual, cineastas da América Latina e mesmo uma realizadora paquistanesa.

A clara infelicidade de Alejandro Gonzalez Iñarritu face ao inesperado fracasso de The Revenant nas categorias técnicas. Eu irritei-me com a sua rudeza ao não aplaudir os vencedores de Mad Max de modo descarado, mas não consigo negar o meu Schadenfreude face à sua má disposição.

A seleção de clipes para as categorias de Melhor Atriz Secundária e Melhor Ator Principal foram surpreendentemente boas. Melhor Atriz e Ator Secundário tiveram a infeliz tendência a apenas salientar os momentos mais gritados dos seus nomeados.

A orquestra ter mostrado respeito pela vitória de Ennio Morricone.

A apresentação das categorias sonoras, que conseguiu explicar de modo sucinto e eficaz a diferença entre as categorias, ao mesmo tempo que deu magníficos exemplos do trabalho dos nomeados.

E, por último, as hilariantes presenças de Tina Fey, Kristen Wiig e Louis C.K., que deviam ser tidos em consideração para apresentarem os Óscares num destes próximos anos.



Apesar das minhas reticências, esta foi uma boa noite dos Óscares, especialmente pelo modo como nos deu tanto para discutir. Ao contrário do desastre que foi Neil Patrick Harris o ano passado, Chris Rock foi o perfeito apresentador para uma noite cheia de carga política, exacerbando-a e moldando-a de modo tão divertido como desconfortável. Sei que há quem prefira uma banalidade confortável nas suas cerimónias, mas eu tenho muito mais apreço por este tipo de festividade cheia de surpresas, discursos políticos, humor provocador mas inteligente e uma boa dose vencedores merecedores.



Em consequência de tudo isto só me resta dizer. Viva os Óscares, que mesmo quando estão desesperadamente presos a preconceitos, convenções estúpidas e mesquinhos jogos de fama e influencia, conseguem sempre ser produtores de debate e fascinação cultural. E, já agora, parabéns a Spotlight e Mad Max, seus criadores e ao cinema em si. Afinal, penso que o amor pelo cinema deveria ser sempre a força regente neste tipo de celebrações, por isso ergamos os nosso copos e brindemos ao cinema e sua glória e esperemos que a próxima Awards Season seja ainda melhor!




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