Aquilo a que se deu o nome de “category fraud” raramente é
discutido durante a Awards Season, a não ser que o vosso blogue de eleição seja
The Film Experience. Este ano, no entanto, isso mudou, e várias publicações
decidiram criar uma enorme controvérsia em volta das campanhas fraudulentas
feitas pelos estúdios em que atores e atrizes principais são promovidas como
secundários para que mais facilmente arrecadem uma nomeação. Algumas
organizações, como a HFPA, decidiram retificar estas ridículas injustiças,
acabando por nomear Rooney Mara e Alicia Vikander na categoria de Melhor Atriz
Principal.
Eu há vários anos que detesto este tipo de campanhas
mercenárias, e este ano finalmente parece que o resto do mundo acordou para
esta situação, que já resultou em muitas categorizações ridículas e
detestavelmente desonestas. Infelizmente, parece que a Academia pouco se
importa com isto, sendo que as grandes favoritas ao Óscar de Melhor Atriz
Secundária são duas prestações indubitavelmente principais. Alicia Vikander irá
provavelmente ganhar por um filme que se apoia na tragédia da sua personagem
face à transição do seu marido numa mulher em A Rapariga Dinamarquesa.
Ainda mais absurda é a pretensão que Therese Belivet,
interpretada por Rooney Mara, é uma personagem secundária em Carol.
Apesar do seu título, este é um filme sobre um romance entre duas mulheres e
ambas são igualmente fulcrais para a narrativa. Eu diria mesmo que, entre as
duas, Mara é muito mais protagonista que Cate Blanchett, sendo que o filme se
inicia e termina na sua perspetiva pessoal e esse seu olhar é uma constante em
quase toda a narrativa, tal como no romance original de Patricia Highsmith.
Como consequência das campanhas fraudulentas destes filmes,
o resto das atrizes nomeadas estão incrivelmente prejudicadas, sendo que poucas
pessoas têm discutido as suas prestações ou probabilidade de ganharem o Óscar. Entre
Rachel McAdams, Jennifer Jason Leigh e Kate Winslet, talvez a atriz britânica
seja a única com alguma esperança de arrecadar o galardão pelo seu trabalho em Steve
Jobs, tendo já alcançado uma inesperada vitória nos Golden Globes.
RANKING DOS NOMEADOS:
5. Alicia Vikander em The Danish Girl
Depois de um ano marcado pelo sucesso e omnipresença nos
cinemas, Alicia Vikander tem a infeliz honra de ser reconhecida pela Academia
pela que é provavelmente a pior prestação que a atriz teve em filmes elegíveis
aos óscares deste ano. O meu ódio por A Rapariga Dinamarquesa será bem
conhecido para quem tiver lido a minha análise na MagazineHD, pelo que,
possivelmente, estou a deixar que a qualidade geral do filme influencie de modo
prejudicial a minha perspetiva sobre a prestação desta jovem estrela em
ascensão. É inegável que, de todos os atores desta miséria cinematográfica,
Alicia Vikander é quem mais se destaca, injetando uma curiosa contemporaneidade
e energia carismática à narrativa. Infelizmente, Tom Hooper e o argumento estão
longe de querer aproveitar esta carismática presença jovial, forçando a atriz a
interpretar uma infinita sequência de momentos trágicos em que a única
abordagem desta intérprete é a de lacrimejar de modo atraente. Não culpo
Vikander pela bidimensionalidade da sua personagem, mas é frustrante ver a sua
luminosa presença nos primeiros momentos do filme ser reduzida a uma desastrada
acumulação de cenas repetitivas que culminam no odioso final do filme, em que a
manipulação emocional chega a níveis tão descarados que são quase risíveis, não
tivesse o tédio já atordoado a audiência quando o misericordioso final de A
Rapariga Dinamarquesa finalmente se manifesta. E pensar que Vikander podia ter
sido nomeada por Ex Machina, em que, apesar de também interpretar uma
personagem principal, a sua prestação é incalculavelmente mais complexa e
fascinante que a sua encarnação de Gerda Wegener em A Rapariga Dinamarquesa.
4. Jennifer Jason Leigh em The Hateful Eight
Eu sou um grande fã de Jennifer Jason Leigh e, até há pouco
tempo, também me considerava um fã de Quentin Tarantino, sendo que a sua
coleção de formidáveis personagens femininas sempre foi algo que me encantou na
maioria da sua filmografia. Mesmo tendo em conta as minhas reservas em relação
a Os
Oito Odiados, eu não esperava, de todo, que acabaria por considerar a
prestação de Leigh como uma das menos interessantes em todo o filme. Tal como
em A
Rapariga Dinamarquesa, o meu problema com a prestação desta formidável
atriz depreende de questões textuais e de direção mais do que o trabalho
concreto da intérprete. Em resumo, do mesmo modo que todas as personagens de Os
Oito Odiados são mais símbolos que humanos credíveis, também Daisy Domergue, a
personagem de Jennifer Jason Leigh, é uma unidimensional e inumana presença,
cuja principal característica é a sua bizarra atitude de constante antagonismo
e vitriólico ódio por todos os que a rodeiam. De certo modo, especialmente no
seu persistente uso de insultos raciais, Domergue é como que uma personificação
do doentio niilismo de Tarantino face à realidade social e cultural do seu
país, como que incorporando aqueles que são, para mim, os piores elementos
ideológicos do filme. Eu poderia então simplesmente descartar a falta de
complexidade ou credível humanidade de Domergue aos problemas originados no
trabalho de Tarantino, mas o facto é que Walton Goggins e Samuel L. Jackson
pegam num material imensamente semelhante ao de Leigh e encontram nos seus
papéis uma formidável e carismática teatralidade, assim como sugerem nas suas
reações algo mais humano e complicado que a caracterização oferecida no texto
de Tarantino. Jennifer Jason Leigh, infelizmente, não tem aqui a mesma
habilidade e genialidade desses dois atores, e o seu trabalho tem a mesma
complexidade e credibilidade que um simplista cartoon. O melhor do seu trabalho
é mesmo a sua energia e grotesca capacidade de fazer de cada um dos seus
movimentos uma juvenil e jovial manifestação do ódio que propulsiona todas as
ações de Daisy, fazendo de alguns momentos, como a sua pantomima de um
enforcamento, pequenos instantes de triunfante comédia negra.
3. Rachel McAdams em Spotlight
Rachel McAdams recebeu o tipo de nomeação típica de filmes
com o estatuto de frontrunner na corrida ao Óscar de Melhor Filme. Sendo a
única mulher num elenco quase exclusivamente masculino, a atriz salta
imediatamente à vista e a sua nomeação é uma fácil maneira de celebrar o filme
e lhe atribuir mais uma nomeação. Apesar da sua nomeação se dever quase
exclusivamente à qualidade geral de Spotlight e ao seu prestígio
enquanto favorito da Awards Season, o trabalho de Rachel McAdams como Sacha
Pfeiffer, a única mulher na equipa Spotlight do Boston Globe aquando da
narrativa do filme, não é de menosprezar. Superficialmente, McAdams não tem
nenhuma da pirotecnia emocional ou técnica das outras nomeadas nesta categoria,
mas, tal como quase tudo neste filme, a modéstia e subtileza não são
indicadores de mediocridade. A prestação de McAdams é construída
maioritariamente a partir de reações silenciosas, sendo que a sua personagem
tem como principal função ouvir e assimilar a informação proferida por outros.
Isso pode parecer algo simples, mas é raro observar alguém, num filme de
Hollywood, tão perfeitamente recriar o processo de se ouvir e processar mentalmente
a informação que vamos registando. Na sua postura, nos seus olhares, na sua
mínima expressividade, McAdams oferece uma formidável prestação que é
principalmente louvável pelo modo como se recusa a chamar a atenção para si
mesma. Talvez o seu mecanismo interpretativo mais visível seja mesmo a sua
mudança de postura e atitude quando está em casa, num ambiente familiar. Há
algo de inteligentemente reticente e inseguro nestes momentos, como se McAdams
estivesse a telegrafar uma vulnerabilidade incompatível com a vida profissional
de Sacha mas que se pode manifestar face à sua família, nomeadamente à sua avó.
Um trabalho que está longe de ser gritado, mas que também está distante de ser
uma nomeação não merecida.
2. Kate Winslet em Steve Jobs
Da minha análise de Kate Winslet em Steve Jobs:
“Num filme que decorre em palcos e bastidores, Winslet torna
Joanna em atriz, encenadora, produtora, assistente e contrarregra dos
acontecimentos à sua volta. Steve Jobs pode ser a estrela deste filme, mas sem
a presença da Joanna Hoffman de Winslet todo o edifício cinematográfico cairia
por terra. Esta não será das mais reveladoras interpretações da atriz mas é das
mais inteligentes e das mais necessárias dentro do seu filme.”
Apesar de um sotaque duvidoso, mantenho a minha admiração
por esta prestação que, sendo secundária, receberia o meu voto nesta categoria.
Posso ter alguns problemas com o texto do filme, mas Winslet prova-se exímia na
modulação dos barrocos diálogos de Aaron Sorkin e as suas cenas com Michael
Fassbender são uma supernova de carisma de verdadeiras estrelas de cinema,
sendo os melhores momentos do filme. Finalmente a Kate Winslet que eu adorava
voltou, só espero que a atriz consiga manter este nível de energética qualidade
nos seus futuros trabalhos.
1. Rooney Mara em Carol
Da minha crítica de Carol,
originalmente publicada na MagazineHD:
“Mara encontra-se num registo bastante distante do adotado
pela sua coprotagonista, sendo que de modo magistral a atriz se torna num
espelho humano, refletindo as emoções e perceções que terceiros projetam na sua
pessoa. A sua expressividade é mínima quando comparada com a sinfonia que se
revela na face de Blanchett, mas, ao longo do filme, Mara desabrocha em
contidas explosões de emoção naturalista, como se a sua reação surpreendesse a
sua própria personagem. E é aí que se encontra a mestria na sua abordagem,
tornando Therese numa insularidade confusa mesmo para si mesma, uma mulher em
crescimento, autodescoberta e processo de definição pessoal confrontada com uma
oportunidade romântica de esmagadora e inesperada intensidade. Com a sua
reticência, que nunca cai em opacidade emocional, é fácil perceber a fascinação
que Therese desperta na personagem titular.”
Sinceramente, Rooney Mara dá em Carol a melhor prestação de
qualquer ator ou atriz no cinema de 2015, mas, devido ao facto de ela estar
categorizada como uma atriz secundária, eu nunca lhe daria o meu voto. Mesmo
assim, esta é uma miraculosa interpretação que, pela sua subtileza e magistral
recusa de seguir os impulsos estilísticos da sua coprotagonista, é duplamente
admirável. Uma corajosa e meticulosa abordagem que, em olhares, minúsculas
expressões, ou no reticente virar da sua cabeça consegue expressar uma
tempestade emocional, explosivamente humana e delicadamente simples.
PREVISÕES E DESEJOS:
Quem vai ganhar: Alicia
Vikander
Quem eu quero que
ganhe: Kate Winslet
Quem merece ganhar:
Kate Winslet (Mara dá a melhor prestação, mas não merece este prémio ao ser uma
protagonista)
5 escolhas alternativas que a Academia ignorou*:
- Angela Bassett em Chi-Raq
- Jada Pinkett Smith em Magic Mike XXL
- Kristen Stewart em Clouds of Sils Maria
- Kristen Wiig em The Diary of a Teenage Girl
*Esta seleção pessoal tem por base a lista de elegibilidade
da Academia e não a generalidade de 2015 enquanto ano cinematográfico.
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