Tradicionalmente, tenho de admitir, o Óscar de Melhor Ator
Secundário é certamente a categoria de atuação que menos interesse tem
despertado em mim. Possivelmente isto é uma consequência deste prémio ser um
estranho veículo para atores conceituados receberem recompensas de carreira,
sendo que, em certos anos, parece que a qualidade individual das prestações
nomeadas é colocada em segundo plano em prol de narrativas e campanhas
desenvolvidas em volta de filmografias ilustres.
Este ano, curiosamente, não sinto que esse seja o caso. De
facto, os dois grandes frontrunners,
Mark Rylance e Sylvester Stallone são curiosas anomalias. Nenhum deles possui
os anos de filmes criticamente aclamados que outros vencedores já possuíram,
apesar de que a campanha de Stallone é fortemente apoiada na sua longevidade
profissional e que Rylance é um dos mais aclamados intérpretes de teatro em língua
inglesa da atualidade.
Outra tendência que felizmente se começou a dissipar foi
certamente a de usar esta categoria para reconhecer os vilões mais marcantes
dos filmes de prestigio. Este ano isso apenas caracteriza a prestação de Tom
Hardy, que também foi certamente auxiliado pelo amor geral que agraciou o seu
filme assim como pelo curioso facto de que sempre que foi nomeado para Melhor
Ator, Leonardo DiCaprio foi acompanhado por um dos seus colegas a ser nomeados
para Melhor Ator Secundário. Deste modo Hardy junta-se a Jonah Hill, Djimon
Hounson e Alan Alda. É claro que há que se reconhecer o modo como a carreira em
meteórica ascensão de Hardy foi também de grande ajuda para a sua indicação
aqui. Com o inegável sucesso de Mad Max: Fury Road, o reconhecimento
crítico por prestações em filmes como Legend, Locke e Bronson
e a celebridade que o ator tem adquirido pelo seu trabalho em blockbusters,
especialmente os filmes de Christopher Nolan, Hardy é uma escolha apropriada se
os Óscares querem reconhecer um dos jovens atores com maiores esperanças de ter
um futuro de monumental sucesso e prestígio.
Mark Ruffalo e Christian Bale são dois atores que
grandemente devem as suas nomeações ao sucesso dos seus filmes respetivos. Com
elencos enormes, The Big Short e Spotlight ofereceram aos membros da
Academia amplas escolhas para esta categoria, mas estes dois anteriores
nomeados, e vencedor no caso de Bale, destacaram-se. Penso que esse destaque se
deve ao modo como Bale e Ruffalo escolhem abordagens bastante díspares e
discordantes do resto dos elencos em que se incluem mas esse tipo de análise é
mais apropriado para o meu ranking dos nomeados.
RANKING DOS NOMEADOS
5. Tom Hardy em The Revenant
Em The Revenant, Tom Hardy acrescenta
mais um grosseiro sotaque e grotesco registo vocal à sua curiosa coleção que
inclui filmes como The Dark Knight Rises e Mad Max: Fury Road. Mais do que se
integrar na sua prestação de modo orgânico, ajudando a uma caracterização
naturalística, esta decisão técnica da parte de Hardy apenas distrai,
especialmente quando posto em direta comparação com os restantes membros do seu
elenco. Há uma qualidade imensamente vistosa no trabalho de Hardy, como se o
ator estivesse aterrorizado de perder energia ou a atenção constante do seu
público. Junte-se a isto uma panóplia de maneirismos telegrafados sem o mínimo
de subtileza e um filme completamente focado numa pretensão de ultranaturalismo
e Hardy é uma perfeita catástrofe, possivelmente mais merecedor de um Razzie
que de um Óscar. Mesmo assim, tenho de admitir que o seu trabalho me deu um
curioso prazer, injetando uma teatral e energética presença à carcaça de um
filme cuja representação de sofrimento humano é uma perfeita ilustração da
experiência que é a tortura que a obra inflige sobre sua audiência. Grotesco,
exagerado, completamente unidimensional na sua vilania e impossivelmente
ridículo, é uma tragédia que esta prestação marque a primeira nomeação de um
ator tão promissor como Hardy, mas há sempre a esperança que nomeações mais
merecidas se encontrem no seu futuro.
4. Mark Ruffalo em Spotlight
A prestação coletiva do elenco de Spotlight é caracterizada
por uma enorme modéstia e descrição. Nada de gritos ou histerias despropositadas,
o modo como Tom McCarthy dirige os seus atores e evita sentimentalismos
inapropriados ou manipulações emocionais forçadas é um dos melhores aspetos
deste grande favorito ao Óscar de Melhor Filme. É pena, portanto, que a única prestação
a fugir a este registo tenha sido a escolhida pela academia aquando da votação
para Melhor Ator Secundário. Mark Ruffalo é um ator que eu admiro há anos,
especialmente a sua habilidade em nunca deixar qualquer esforço transparecer
nas suas caracterizações, resultando num naturalismo descontraído e sem os
histrionismos que usualmente resultam em nomeações aos prémios da Academia de
Hollywood. Em Spotlight, no entanto, o ator cai nessas mesmas histrionias,
adotando um estado de constante fúria moral que nunca é explorada com qualquer
subtileza, mas sim gritada e exposta em cenas de explosiva e inapropriada
intensidade. O seu trabalho em Spotlight representa o tipo de
abordagem medíocre e óbvia que podia ter levado o filme a ser apenas mais uma
enfadonha obra de cinema de prestígio americano e não a subtil criação de
preciso humanismo que acabou por ser. Como consequência disto mesmo tenho de
dizer que, invariavelmente da qualidade técnica do seu trabalho, Mark Ruffalo é
o pior membro do elenco do seu filme e um injusto nomeado a este Óscar que
seria uma honra mais apropriada a um imenso número de outros atores de Spotlight
como Michael Keaton, Liev Schreiber ou Stabnley Tucci, entre muitos outros.
´
3.
Christian Bale em The Big Short
Bale em The Big Short é o estranho oposto de
Ruffalo em Spotlight. Enquanto o nomeado do filme de Tom McCarthy destoa
do seu filme devido à sua abordagem histriónica, Bale destoa do seu filme e
elenco como consequência de uma abordagem muito menos caricaturada ou redutora
que a dos seus colegas no elenco de The Big Short. Sinceramente, a única
razão pela qual coloquei esta prestação acima da de Ruffalo é o facto de
Spotlight ser um ótimo filme ligeiramente prejudicado pelas escolhas do
ator nomeado, enquanto The Big Short é um filme imensamente
problemático que depende da presença contrastante de Bale para injetar alguma
humanidade nos seus procedimentos narrativos. Independentemente de tudo isto, a
prestação de Bale como Michael Burry, o primeiro indivíduo a realmente se
aperceber da catástrofe económica que estava para se abalar sobre o mundo em
2008, é caracterizada pela usual pirotecnia técnica do ator. Burry é, em The
Big Short, uma nervosa pilha de maneirismos e ineptidão social.
Contudo, Christian Bale consegue transparecer uma inegável insegurança e
frustração nas atitudes da sua personagem, elevando a desumanidade do seu filme
a algo mais interessante e complexo. Tal como The Big Short, a
prestação de Bale é bastante errática e rasgada por momentos de curiosa
indisciplina, mas, ao contrário do filme da generalidade do filme de McKay,
Christian Bale também tem ocasionais momentos de palpável humanidade.
2. Mark
Rylance em Bridge of Spies
Poucos seriam os atores que conseguiriam pegar na
catchphrase “Would it help?” e torná-la em algo mais que uma irritante gracinha
textual. Felizmente para A Ponte dos Espiões, Mark Rylance é um desses atores
e, apesar do seu incontornável pedigree teatral, e criticamente aclamadas
aventuras passadas no mundo do cinema, o intérprete nunca se deixa cair em
distrativos jogos de primor técnico ou vistosos mecanismos. Pelo contrário,
Mark Rylance pega num papel marcado no texto pela sua reticência e opacidade, e
constrói uma prestação que se rege por essas mesmas intenções estilísticas,
tornando em Abel, um espião soviético, uma figura distante e suficientemente
misteriosa para que a audiência não perca o interesse na sua figura, ou no seu
destino. O génio de Rylance poderá não ser muito aparente nessa sua opacidade,
mas é visível na afável postura do ator que, de uma personagem muito pouco
definida textualmente, consegue conjurar uma palpável presença humana sem
abdicar desse mesmo mistério e descrição exigidas pela narrativa. O modo como
todo o final ato do filme se torna numa melancólica tragédia humana em redor do
seu destino incerto é um testamento ao impacto que Rylance teve na audiência.
Para um ator deste calibre, a prestação final poderá não ser algo de
monumentalmente impressionante ou um bom reflexo da sua genialidade artística,
mas é inegável como a sua modesta mestria funciona dentro dos convencionalismos
de Spielberg e como todo o edifício cinematográfico de A Ponte dos Espiões seria
prejudicado sem o seu consumado trabalho.
1. Sylvester Stallone em Creed
Da minha crítica de Creed:
“Rocky é um mamute vivo, um fóssil que ainda respira e vibra
com uma cansada vitalidade. Ele é um homem que perdeu as pessoas mais
importantes na sua vida e que, na sua velhice, parece estar desgastado pelo
simples ato de continuar a viver, não fosse a luminosa presença de Adonis, que
força este herói a regressar às suas glórias e a lutar pela sua existência,
contra a doença, contra o desgaste do tempo e contra a inevitabilidade da sua
irrelevância no panorama da atualidade. Aquando de uma coleção de intensas
confrontações entre o jovem lutador e o seu mentor, Stallone demonstra uma
subtileza emocional mais poderosa que qualquer outro trabalho na filmografia do
ator, cuja própria linguagem corporal enquanto Rocky Balboa demonstra a
formidável força do seu físico passado obscurecida pelo implacável peso dos
anos, da idade e da fatiga.”
Nunca pensei que chegasse o dia em que eu estaria a
selecionar Sylvester Stallone como minha escolha para um Óscar, mas aqui
estamos. O ator deve muito ao magistral argumento que manobra um perfeito
equilíbrio entre uma ponderação sobre as glórias passadas, sua assimilação na
contemporaneidade em forma de lenda, e a necessidade de seguir em frente face
ao incerto futuro, assim como à direção de Ryan Coogler, mas nada disso lhe
retira mérito. Uma das mais comoventes prestações do ano e possivelmente o
melhor trabalho na carreira desta ator. Bravo!
PREVISÕES E DESEJOS:
Quem vai ganhar: Mark Ruffalo
Quem eu quero que ganhe: Sylvester Stallone
Quem merece ganhar: Sylvester Stallone
5 escolhas alternativas que a Academia ignorou*:
- Emory Cohen em Brooklyn
- John Cusack em Chi-Raq
- Oscar Isaac em Ex-Machina
- Michael Shannon em Freeheld
- Benicio del Toro em Sicario
*Esta seleção
pessoal tem por base a lista de elegibilidade da Academia e não a generalidade
de 2015 enquanto ano cinematográfico.
Sem comentários:
Enviar um comentário