domingo, 21 de fevereiro de 2016

Oscars 2015/16, MELHOR ATOR



A categoria de Melhor Ator é o absoluto nadir da presente edição dos óscares, pelo menos no que diz respeito a qualidade. Os atores que estão nomeados não são certamente uma má coleção de nomes, mas as específicas prestações pela qual eles estão nomeados é uma das mais horrendas e medíocres seleções que a Academia apresenta há anos.

Eddie Redmayne, fresco de uma vitória pelo The Theory of Everything, volta aqui a interpretar uma personagem retirada de uma sofredora história verídica. Acrescentamos a estas fontes verídicas, a vistosa qualidade transformativa do papel de Lili Elbe, e a nomeação de Redmayne parecia já uma certeza desde que o seu casting foi anunciado. Houve mesmo quem conjeturasse se o ator conseguiria duplicar o que Tom Hanks alcançou nos anos 90 e ganhar o Óscar dois anos seguidos, mas, principalmente devido à qualidade deplorável do filme, tal é neste momento uma completa impossibilidade.

Tirando Redmayne, nenhum destes nomeados é um prévio vencedor de um Óscar pelo seu trabalho de ator. No entanto, Matt Damon é já um vencedor de um Óscar, tendo ganho o galardão para Melhor Argumento Original de 1997 pelo seu texto para O Bom Rebelde, o filme que lhe valeu também a sua primeira nomeação para Melhor Ator. Muitos anos depois, o ator encontra-se no apogeu da sua carreira enquanto estrela de cinema de Hollywood e se não fosse um certo ator fétiche de Martin Scorsese, Damon seria certamente uma aposta segura para ganhar o Óscar, mesmo que a ficção-cientifica seja um género usualmente aberrante para os Óscares.

A desfrutar a sua primeira nomeação está Bryan Cranston, um ator que certamente não terá falta de galardões, tendo já uma impressionante coleção de troféus pelo seu trabalho televisivo. Também a sua nomeação, como a de Redmayne, se deve principalmente à natureza biográfica do seu papel como Donald Trumbo, mas há que também valorizar quão popular este ator se tornou devido ao sucesso de Breaking Bad. De realeza da televisão a príncipe do cinema, Cranston parece estar imparável ultimamente, mesmo que isso nem sempre se reflita no seu trabalho.

Outro ator cuja carreira parece estar em constante e violenta ascensão é Michael Fassbender, cujas prestações, no entanto, apresentam, usualmente, um consistente nível de pura genialidade. Este ano o ator irlandês também poderia ter sido nomeado por Macbeth, mas é de esperar que a Academia mostre preferência pela obra mais segura, prosaica e, é claro, baseada em factos verídicos. Convém dizer, aliás, como desta categoria, apenas Matt Damon está nomeado por interpretar uma personagem fictícia.

Finalmente, temos Leonardo DiCaprio, o incontornável e imparável vencedor deste galardão. Apesar de Dicaprio ser apenas um dos muitos atores a nunca ter arrecadado um Óscar, por alguma razão a internet uniu-se em prol da sua campanha, declarando a sua falta de Óscar como uma injustiça apenas comparada aos mais hediondos genocídios na história do século XX. Talvez esteja a exagerar, mas não muito. O frenesim enlouquecido que tem envolvido o ator fez com que, assim que o projeto com Iñarritu foi publicamente anunciado, DiCaprio ganhasse o Óscar. De todas as categorias deste ano esta é a que está mais trancada, sendo também a pior delas todas, mas isso é uma conversa reservada para o ranking presente abaixo.




RANKING DOS NOMEADOS:



5. Eddie Redmayne em The Danish Girl


Na minha crítica de A Rapariga Dinamarquesa, publicada na Magazine HD, escrevi:

“Na primeira metade do filme, há uma cena em que Lili, ainda na persona de Einar, confessa que se apresentar como homem é sempre uma performance e que apenas é confortável como mulher, mas o trabalho de Redmayne nunca transmite tal coisa. Inicialmente, o carácter performativo da sua transformação em mulher parece ser justificado, mas, à medida que o filme avança, o desconforto e esforço nunca desaparecem do trabalho do ator, pejado de tiques nervosos e gestos forçosamente coquetes. Isto apenas piora nas cenas mais emocionais em que o ator vai demarcando os momentos mais dramáticos com um abandono momentâneo dos seus maneirismos, desastrosamente salientando como nas suas mãos, Lili nunca é mais que uma personagem a servir de exercício técnico para o ator. Lili nunca é credível como a verdadeira identidade da protagonista, o que subverte toda a mensagem que o texto tenta apresentar à audiência. Poucos atores em 2015 tanto trabalham contra a ideologia do seu próprio filme, por muito inadvertido que seja esse desajeitado esforço.”

Já não tenho mais paciência ou energia para pensar nesta prestação. É, simplesmente, um desastre, do princípio ao fim do filme, com apenas alguns momentos nas cenas de festa enquanto Einar que redimem o ator e o elevam um pouco acima do nível de abjeta e trágica incompetência. Este é o pior trabalho na carreira de Eddie Redmayne e é um crime que tal pestilência cinematográfica esteja nomeada a um Óscar, um galardão que, supostamente, deveria reconhecer excelência.




4. Bryan Cranston em Trumbo


Como apaixonado pela história de Hollywood nos seus anos dourados e devoto fã de cinema político, Trumbo é um filme que me ofendeu profundamente com a sua bastardização histórica, repugnante e desleixado texto, simplismos morais, uso desenfreado de arquétipos e desumanas caricaturas no lugar de personagens credíveis, e geral mediocridade enquanto uma obra de cinema. Apesar de toda esta animosidade para com a pútrida obra que se propõe a pintar Donald Trumbo como o singular herói da luta contra a blacklist aquando do McCartismo, eu tenho de admitir que consegui encontrar uma relativa salvação nas prestações do seu elenco. No entanto, apesar de ser um ator pelo qual eu tenho grande admiração, Bryan Cranston não está incluído nesse grupo de atores que conseguem, de algum modo, redimir a monstruosidade de Trumbo. Todo o elenco do filme está preso a um registo típico deste tipo de obra medíocre e de prestígio, onde a palavra toma primazia e onde os atores parecem deleitar-se em entrar num doentio jogo de ver quem consegue ser mais vistoso no seu diálogo. Até um certo ponto, a teatralidade forçada que Cranston injeta no papel titular é justificada tanto pelo texto como pela tese que o filme tem sobre o seu protagonista, insistindo em retratar o argumentista como uma personalidade arrogante e com ideias de auto importância que faziam com que falasse como se estivesse num filme em que cada uma das suas falas se possa tornar numa icónica catchphrase cheia de peso e importância moral. Esta é uma abordagem interessante mas muito superficial e, infelizmente, Cranston nunca se afasta desse registo superficial, tornando o centro narrativo do filme numa figura de implausível falsidade e vazia. Como um estudo de personagem Trumbo é, portanto, um desastre, parcialmente devido à incapacidade de Cranston em modular a sua prestação ou elevar o material pueril que o argumento lhe propõe. É uma tristeza que Cranston esteja nomeado a um Óscar por aquela que é uma das piores prestações na sua ilustre carreira, mas isso parece ter sido uma doentia temática nos nomeados deste ano para Melhor Ator.




3. Leonardo DiCaprio em The Revenant


Da minha crítica de The Revenant:

“(…)Há que louvar o esforço do ator, mas a sua prestação é pouco mais que um simplista e bidimensional momento de agonia estendido por uma inteira narrativa. Não há grande complexidade ou humanidade no trabalho do ator, apenas uma vistosa fisicalidade que nada transmite a não ser puro sofrimento. Acabamos o filme sem saber nada sobre Glass para além da superfície da sua agonia. Isso é tanto culpa da abordagem de Iñarritu como do trabalho simplista do seu protagonista. DiCaprio pode ter comido e vomitado um fígado de bisonte cru, mas isso não indica de modo algum que o seu trabalho em The Revenant é mais que uma prestação limitada. Noutros filmes o ator tocou sinfonias com a sua expressividade e aposta em complexidade psicológica, aqui ele apenas consegue tocar uma triste nota. Toca-a de modo intenso e trabalhoso, mas nunca deixa de ser uma só nota.”

Leonardo DiCaprio ganhou o Óscar no momento em que aceitou este papel, mesmo que ele tivesse sido um abjeto desastre já teria a sua estatueta dourada assegurada. Felizmente, DiCaprio não é catastrófico, mas também está longe de ser genial. Tal como já tinha dito na minha crítica do filme, este é um trabalho limitado e unidimensional com alguns momentos de destaque como a tentativa desesperada de Glass em não pestanejar face a uma ameaça da personagem de Tom Hardy. No entanto, também o filme está recheado de horrendos momentos em que o ator se deixa levar pela hubris do seu realizador e pela falaciosa ideia que esforço e pirotecnia técnica é sinónimo de qualidade, nomeadamente todo o último ato do filme. Ele vai ganhar, mas será por uma prestação que está longe de ser a sua melhor. Eu diria mesmo que o seu trabalho como Hugh Glass é das piores prestações da sua carreira. Enfim… Parabéns Leo! E internet, já chega de ultraje sobre este ator não ter um Óscar.




2. Michael Fassbender em Steve Jobs


Quando aqui falei sobre o trabalho de Rachel McAdams em O Caso Spotlight, elogiei a mestria da atriz em transmitir a ideia de ouvir, sendo que parte da qualidade da sua prestação devia precisamente do modo como ela consegue telegrafar o processo silenciosos de assimilar e processar informação. No caso de Michael Fassbender em Steve Jobs, a genialidade do ator está precisamente no oposto, na arte de não ouvir. Seguindo a megalómana caracterização presente no texto de Aaron Sorkin e sua teatral estrutura, Fassbender é particularmente eficiente durante os dois primeiros atos em verbosos duetos que mais se assemelham a duelos verbais que a diálogos. O modo como o ator mantém a sua expressão neutra de olhos vítreos e postura que ameaça movimento a qualquer momento, demonstra como Jobs não dignifica nenhum dos seus companheiros de cena com a sua atenção, estando sempre pronto com uma resposta no exato momento em que o outro ator termina a sua fala. A narrativa do filme não pede a Fassbender grande complexidade, pelo que é nesta cuidada concretização das indicações do texto que o ator mais brilha, construindo uma fantástica mistura de arrogância e inegável carisma, obviamente proveniente da magnética presença de Fassbender. Os seus pas de deux com Kate Winlset no papel de Joana Hoffman são de particular destaque, especialmente no que diz respeito à sua evolução ao longo dos três atos. No primeiro o ator eleva-se acima da sua colega, eleva a sua voz, impõe a sua sufocante presença e ergue-se como um gigante face a uma criatura diminuta. No segundo, vemos o crescimento da sua relação no modo como Fassbender altera a sua postura, mais descontraída e igualitária face a Winslet, até baixando a sua cabeça durante um dos mais atacantes momentos de Winslet. Finalmente, no terceiro ato, Jobs ouve Hoffman, a sua postura é quase a de um aluno face ao seu pedagogo, os silêncios que ele deixa estender entre as suas falas e respostas são uma maravilhosa indicação de uma relação mais matura, mais desenvolvida e até de um crescente respeito. Infelizmente, nem tudo é louvável, e o ator tem colossais problemas em tornar credível a evolução da relação de Jobs para com a sua filha e, tragicamente, esse é o alicerce narrativo de todo o texto de Soorkin, cujas piores qualidades de simplismos psicológicos e grandeza forçada apenas são exacerbados pelo trabalho de Michael Fassbender.




1. Matt Damon em The Martian


Já muito falei desta prestação, tanto na minha crítica de Perdido em Marte como num perfil que escrevi especificamente sobre este trabalho de Matt Damon quando a sua nomeação era apenas uma conjetura. Resumidamente, Damon é Mark Watney, o protagonista da mais recente aventura espacial de Ridley Scott, que, aquando da sua missão em Marte, é deixado para trás pela sua equipa após um acidente. Depois de uma breve sequência em que Damon realmente investe a sua energia em telegrafar a sua angústia quando confrontado com a sua horrenda situação, o ator passa a interpretar a sua personagem como um amistoso youtuber a gravar um programa de sobrevivência. Perdido em Marte é o mais leve e cómico de todos os filmes de Ridley Scott e o charme e descontração do trabalho de Damon são componentes essenciais para esse tom resultar. No entanto, essa mesma qualidade de bonacheirão amigo de todos acaba por ser uma das mais estranhas fragilidades do filme. Ao oferecer às suas audiências uma prestação que evita a complicação e se constrói sobre os alicerces do carisma de estrela, Damon acaba por roubar o filme de muita da tensão e sentido de perigo que são invariavelmente necessárias para o final ter qualquer género de eficiente impacto emocional. Esta prestação, está portanto, bastante longe de ser perfeita, mas é certamente a mais sólida e positivamente consistente de todos estes nomeados, contendo até alguns momentos que revelam uma grandeza maioritariamente escondida pela atitude obsessivamente otimista de Damon e sua personagem. Eu gostaria de salientar o momento, já referido, em que Watney se apercebe, pela primeira vez, da sua situação e a natureza quase maníaca e desconfortável que Damon confere à enlouquecida alegria e bravura de Watney aquando do final de Perdido em Marte.




PREVISÕES E DESEJOS:

Quem vai ganhar: Leonardo DiCaprio

Quem eu quero que ganhe: Michael Fassbender

Quem merece ganhar: Matt Damon



5 escolhas alternativas que a Academia ignorou*:
  • Michael Fassbender em Macbeth
  • Michael B. Jordan em Creed
  • Ben Mendelsohn em Mississippi Grind
  • Jacob Tremblay em Room


*Esta seleção pessoal tem por base a lista de elegibilidade da Academia e não a generalidade de 2015 enquanto ano cinematográfico.


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