A categoria de Melhor Ator é o absoluto nadir da presente
edição dos óscares, pelo menos no que diz respeito a qualidade. Os atores que
estão nomeados não são certamente uma má coleção de nomes, mas as específicas
prestações pela qual eles estão nomeados é uma das mais horrendas e medíocres
seleções que a Academia apresenta há anos.
Eddie Redmayne, fresco de uma vitória pelo The Theory of Everything, volta aqui a interpretar uma personagem retirada
de uma sofredora história verídica. Acrescentamos a estas fontes verídicas, a
vistosa qualidade transformativa do papel de Lili Elbe, e a nomeação de
Redmayne parecia já uma certeza desde que o seu casting foi anunciado. Houve
mesmo quem conjeturasse se o ator conseguiria duplicar o que Tom Hanks alcançou
nos anos 90 e ganhar o Óscar dois anos seguidos, mas, principalmente devido à
qualidade deplorável do filme, tal é neste momento uma completa
impossibilidade.
Tirando Redmayne, nenhum destes nomeados é um prévio
vencedor de um Óscar pelo seu trabalho de ator. No entanto, Matt Damon é já um
vencedor de um Óscar, tendo ganho o galardão para Melhor Argumento Original de 1997
pelo seu texto para O Bom Rebelde, o filme que lhe valeu também a sua primeira
nomeação para Melhor Ator. Muitos anos depois, o ator encontra-se no apogeu da
sua carreira enquanto estrela de cinema de Hollywood e se não fosse um certo
ator fétiche de Martin Scorsese, Damon seria certamente uma aposta segura para
ganhar o Óscar, mesmo que a ficção-cientifica seja um género usualmente
aberrante para os Óscares.
A desfrutar a sua primeira nomeação está Bryan Cranston, um
ator que certamente não terá falta de galardões, tendo já uma impressionante
coleção de troféus pelo seu trabalho televisivo. Também a sua nomeação, como a
de Redmayne, se deve principalmente à natureza biográfica do seu papel como
Donald Trumbo, mas há que também valorizar quão popular este ator se tornou
devido ao sucesso de Breaking Bad. De realeza da
televisão a príncipe do cinema, Cranston parece estar imparável ultimamente,
mesmo que isso nem sempre se reflita no seu trabalho.
Outro ator cuja carreira parece estar em constante e
violenta ascensão é Michael Fassbender, cujas prestações, no entanto,
apresentam, usualmente, um consistente nível de pura genialidade. Este ano o
ator irlandês também poderia ter sido nomeado por Macbeth, mas é de esperar
que a Academia mostre preferência pela obra mais segura, prosaica e, é claro,
baseada em factos verídicos. Convém dizer, aliás, como desta categoria, apenas
Matt Damon está nomeado por interpretar uma personagem fictícia.
Finalmente, temos Leonardo DiCaprio, o incontornável e
imparável vencedor deste galardão. Apesar de Dicaprio ser apenas um dos muitos
atores a nunca ter arrecadado um Óscar, por alguma razão a internet uniu-se em
prol da sua campanha, declarando a sua falta de Óscar como uma injustiça apenas
comparada aos mais hediondos genocídios na história do século XX. Talvez esteja
a exagerar, mas não muito. O frenesim enlouquecido que tem envolvido o ator fez
com que, assim que o projeto com Iñarritu foi publicamente anunciado, DiCaprio
ganhasse o Óscar. De todas as categorias deste ano esta é a que está mais
trancada, sendo também a pior delas todas, mas isso é uma conversa reservada
para o ranking presente abaixo.
RANKING DOS NOMEADOS:
5. Eddie Redmayne em The
Danish Girl
“Na primeira metade do filme, há uma cena em que Lili, ainda
na persona de Einar, confessa que se apresentar como homem é sempre uma
performance e que apenas é confortável como mulher, mas o trabalho de Redmayne
nunca transmite tal coisa. Inicialmente, o carácter performativo da sua
transformação em mulher parece ser justificado, mas, à medida que o filme avança,
o desconforto e esforço nunca desaparecem do trabalho do ator, pejado de tiques
nervosos e gestos forçosamente coquetes. Isto apenas piora nas cenas mais
emocionais em que o ator vai demarcando os momentos mais dramáticos com um
abandono momentâneo dos seus maneirismos, desastrosamente salientando como nas
suas mãos, Lili nunca é mais que uma personagem a servir de exercício técnico
para o ator. Lili nunca é credível como a verdadeira identidade da
protagonista, o que subverte toda a mensagem que o texto tenta apresentar à
audiência. Poucos atores em 2015 tanto trabalham contra a ideologia do seu
próprio filme, por muito inadvertido que seja esse desajeitado esforço.”
Já não tenho mais paciência ou energia para pensar nesta
prestação. É, simplesmente, um desastre, do princípio ao fim do filme, com
apenas alguns momentos nas cenas de festa enquanto Einar que redimem o ator e o
elevam um pouco acima do nível de abjeta e trágica incompetência. Este é o pior
trabalho na carreira de Eddie Redmayne e é um crime que tal pestilência
cinematográfica esteja nomeada a um Óscar, um galardão que, supostamente,
deveria reconhecer excelência.
4. Bryan Cranston em Trumbo
Como apaixonado pela história de Hollywood nos seus anos
dourados e devoto fã de cinema político, Trumbo é um filme que me ofendeu
profundamente com a sua bastardização histórica, repugnante e desleixado texto,
simplismos morais, uso desenfreado de arquétipos e desumanas caricaturas no
lugar de personagens credíveis, e geral mediocridade enquanto uma obra de
cinema. Apesar de toda esta animosidade para com a pútrida obra que se propõe a
pintar Donald Trumbo como o singular herói da luta contra a blacklist aquando do McCartismo, eu
tenho de admitir que consegui encontrar uma relativa salvação nas prestações do
seu elenco. No entanto, apesar de ser um ator pelo qual eu tenho grande
admiração, Bryan Cranston não está incluído nesse grupo de atores que conseguem,
de algum modo, redimir a monstruosidade de Trumbo. Todo o elenco do filme está preso
a um registo típico deste tipo de obra medíocre e de prestígio, onde a palavra
toma primazia e onde os atores parecem deleitar-se em entrar num doentio jogo
de ver quem consegue ser mais vistoso no seu diálogo. Até um certo ponto, a
teatralidade forçada que Cranston injeta no papel titular é justificada tanto
pelo texto como pela tese que o filme tem sobre o seu protagonista, insistindo
em retratar o argumentista como uma personalidade arrogante e com ideias de
auto importância que faziam com que falasse como se estivesse num filme em que
cada uma das suas falas se possa tornar numa icónica catchphrase cheia de peso e importância moral. Esta é uma abordagem
interessante mas muito superficial e, infelizmente, Cranston nunca se afasta
desse registo superficial, tornando o centro narrativo do filme numa figura de
implausível falsidade e vazia. Como um estudo de personagem Trumbo
é, portanto, um desastre, parcialmente devido à incapacidade de Cranston em
modular a sua prestação ou elevar o material pueril que o argumento lhe propõe.
É uma tristeza que Cranston esteja nomeado a um Óscar por aquela que é uma das
piores prestações na sua ilustre carreira, mas isso parece ter sido uma doentia
temática nos nomeados deste ano para Melhor Ator.
3. Leonardo DiCaprio em The Revenant
Da minha crítica de The Revenant:
“(…)Há que louvar o esforço do ator, mas a sua prestação é
pouco mais que um simplista e bidimensional momento de agonia estendido por uma
inteira narrativa. Não há grande complexidade ou humanidade no trabalho do
ator, apenas uma vistosa fisicalidade que nada transmite a não ser puro
sofrimento. Acabamos o filme sem saber nada sobre Glass para além da superfície
da sua agonia. Isso é tanto culpa da abordagem de Iñarritu como do trabalho
simplista do seu protagonista. DiCaprio pode ter comido e vomitado um fígado de
bisonte cru, mas isso não indica de modo algum que o seu trabalho em The
Revenant é mais que uma prestação limitada. Noutros filmes o ator tocou
sinfonias com a sua expressividade e aposta em complexidade psicológica, aqui
ele apenas consegue tocar uma triste nota. Toca-a de modo intenso e trabalhoso,
mas nunca deixa de ser uma só nota.”
Leonardo DiCaprio ganhou o Óscar no momento em que aceitou
este papel, mesmo que ele tivesse sido um abjeto desastre já teria a sua
estatueta dourada assegurada. Felizmente, DiCaprio não é catastrófico, mas
também está longe de ser genial. Tal como já tinha dito na minha crítica do filme,
este é um trabalho limitado e unidimensional com alguns momentos de destaque
como a tentativa desesperada de Glass em não pestanejar face a uma ameaça da
personagem de Tom Hardy. No entanto, também o filme está recheado de horrendos
momentos em que o ator se deixa levar pela hubris do seu realizador e pela
falaciosa ideia que esforço e pirotecnia técnica é sinónimo de qualidade,
nomeadamente todo o último ato do filme. Ele vai ganhar, mas será por uma
prestação que está longe de ser a sua melhor. Eu diria mesmo que o seu trabalho
como Hugh Glass é das piores prestações da sua carreira. Enfim… Parabéns Leo! E
internet, já chega de ultraje sobre este ator não ter um Óscar.
2. Michael Fassbender em Steve Jobs
Quando aqui falei sobre o trabalho de Rachel McAdams em O
Caso Spotlight, elogiei a mestria da atriz em transmitir a ideia de
ouvir, sendo que parte da qualidade da sua prestação devia precisamente do modo
como ela consegue telegrafar o processo silenciosos de assimilar e processar
informação. No caso de Michael Fassbender em Steve Jobs, a genialidade
do ator está precisamente no oposto, na arte de não ouvir. Seguindo a
megalómana caracterização presente no texto de Aaron Sorkin e sua teatral
estrutura, Fassbender é particularmente eficiente durante os dois primeiros
atos em verbosos duetos que mais se assemelham a duelos verbais que a diálogos.
O modo como o ator mantém a sua expressão neutra de olhos vítreos e postura que
ameaça movimento a qualquer momento, demonstra como Jobs não dignifica nenhum
dos seus companheiros de cena com a sua atenção, estando sempre pronto com uma
resposta no exato momento em que o outro ator termina a sua fala. A narrativa
do filme não pede a Fassbender grande complexidade, pelo que é nesta cuidada
concretização das indicações do texto que o ator mais brilha, construindo uma
fantástica mistura de arrogância e inegável carisma, obviamente proveniente da
magnética presença de Fassbender. Os seus pas
de deux com Kate Winlset no papel de Joana Hoffman são de particular
destaque, especialmente no que diz respeito à sua evolução ao longo dos três
atos. No primeiro o ator eleva-se acima da sua colega, eleva a sua voz, impõe a
sua sufocante presença e ergue-se como um gigante face a uma criatura diminuta.
No segundo, vemos o crescimento da sua relação no modo como Fassbender altera a
sua postura, mais descontraída e igualitária face a Winslet, até baixando a sua
cabeça durante um dos mais atacantes momentos de Winslet. Finalmente, no terceiro
ato, Jobs ouve Hoffman, a sua postura é quase a de um aluno face ao seu pedagogo,
os silêncios que ele deixa estender entre as suas falas e respostas são uma
maravilhosa indicação de uma relação mais matura, mais desenvolvida e até de um
crescente respeito. Infelizmente, nem tudo é louvável, e o ator tem colossais
problemas em tornar credível a evolução da relação de Jobs para com a sua filha
e, tragicamente, esse é o alicerce narrativo de todo o texto de Soorkin, cujas
piores qualidades de simplismos psicológicos e grandeza forçada apenas são
exacerbados pelo trabalho de Michael Fassbender.
1. Matt Damon em The Martian
Já muito falei desta prestação, tanto na minha crítica de Perdido em Marte como num perfil que escrevi especificamente sobre este
trabalho de Matt Damon quando a sua nomeação era apenas uma conjetura.
Resumidamente, Damon é Mark Watney, o protagonista da mais recente aventura
espacial de Ridley Scott, que, aquando da sua missão em Marte, é deixado para
trás pela sua equipa após um acidente. Depois de uma breve sequência em que
Damon realmente investe a sua energia em telegrafar a sua angústia quando
confrontado com a sua horrenda situação, o ator passa a interpretar a sua
personagem como um amistoso youtuber
a gravar um programa de sobrevivência. Perdido em Marte é o mais leve e
cómico de todos os filmes de Ridley Scott e o charme e descontração do trabalho
de Damon são componentes essenciais para esse tom resultar. No entanto, essa
mesma qualidade de bonacheirão amigo de todos acaba por ser uma das mais
estranhas fragilidades do filme. Ao oferecer às suas audiências uma prestação
que evita a complicação e se constrói sobre os alicerces do carisma de estrela,
Damon acaba por roubar o filme de muita da tensão e sentido de perigo que são
invariavelmente necessárias para o final ter qualquer género de eficiente
impacto emocional. Esta prestação, está portanto, bastante longe de ser
perfeita, mas é certamente a mais sólida e positivamente consistente de todos
estes nomeados, contendo até alguns momentos que revelam uma grandeza maioritariamente
escondida pela atitude obsessivamente otimista de Damon e sua personagem. Eu
gostaria de salientar o momento, já referido, em que Watney se apercebe, pela
primeira vez, da sua situação e a natureza quase maníaca e desconfortável que
Damon confere à enlouquecida alegria e bravura de Watney aquando do final de Perdido
em Marte.
PREVISÕES E DESEJOS:
Quem vai ganhar:
Leonardo DiCaprio
Quem eu quero que
ganhe: Michael Fassbender
Quem merece ganhar:
Matt Damon
5 escolhas alternativas que a Academia ignorou*:
- Tom Courtenay em 45 Years
- Michael Fassbender em Macbeth
- Michael B. Jordan em Creed
- Ben Mendelsohn em Mississippi Grind
- Jacob Tremblay em Room
*Esta seleção pessoal tem por base a lista de elegibilidade
da Academia e não a generalidade de 2015 enquanto ano cinematográfico.
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