Já nos estamos a aproximar das últimas categorias!
Há algo que eu devia esclarecer que é o modo como eu e a
Academia temos uma visão claramente diferente do que constitui um louvável
trabalho de realização. Para mim, o trabalho de autores formalistas é
normalmente aquele que eu mais valorizo enquanto para a Academia, as vozes
autorais mais distintas e individualistas parecem ser algo desprezível, sendo
que o Óscar de Melhor Realização tem vindo a demonstrar uma triste tendência
para simplesmente reconhecer bons trabalhos de direção de autores, ignorando as
restantes complexidades do trabalho de realização.
Interessantemente, apesar desta minha queixosa introdução, é
de destacar como o provável vencedor deste ano, Alejandro Ginzález Iñarritu,
está a alcançar este seu presente sucesso precisamente como uma consequência da
sua vistosa pirotecnia técnica e não tanto pelos atores dos seus filmes. Seria
erróneo ignorar como a vitória garantida de Leonardo DiCaprio tem catapultado
este filme para a frente da Awards Season, mas seria igualmente erróneo
menosprezar quanto a ambição formal de Iñarritu tem contribuído para a
aclamação crítica do filme.
Outro aspeto grandemente atípico é a nomeação de George
Miller, o grande favorito dos críticos pelo seu trabalho em Mad
Max: Estrada da Fúria. Mais do que qualquer outro dos outros nomeados,
que alcançou esta posição através da geral aceitação das suas obras pelos
mecanismos mediáticos da Awards Season, Miller conseguiu esta nomeação pela
absoluta mestria do seu trabalho que fez com que um filme tão grotesco e
atípico conseguisse este reconhecimento por parte da Academia. Eu diria mesmo
que é um verdadeiro milagre que Miller tenha conseguido esta nomeação, mas
ainda bem que tal sucedeu.
Tom McCarthy e Adam McKay, pelo contrário, devem as suas
nomeações quase que exclusivamente ao estatuto das suas obras como frontrunners para o óscar de Melhor
Filme, assim como ao seu manejamento de enormes elencos cheios de nomes
sonantes e aclamadas prestações.
A grande surpresa destas nomeações foi certamente Lenny
Abrahamson que, para muitos que não eu roubou o lugar de Ridley Scott nesta
seleção. Eu diria que este realizador irlandês não tem hipóteses nenhumas de
vencer, mas este ano nunca se sabe com toda a temporada a ser caracterizada por
uma deliciosa imprevisibilidade em todas as categorias que não as de Melhor
Ator e Atriz.
RANKING DOS NOMEADOS:
5. Adam McKay por The Big Short
Da minha crítica de A Queda de Wall Street:
“Em termos formais, o filme é uma obra de crónica
indisciplina e franca incompetência técnica. A fotografia é prosaica no melhor
dos momentos e ativamente incompetente nos piores, focando-se na cara dos
atores e em composições banais que quase dão a impressão de estarmos a ver um
telefilme da ABC com noções de desproporcional importância própria. Isto não é
ajudado pela montagem enlouquecida em que o conceito de continuidade, lógica
espacial e ritmo dramático são conceitos obscuros e nunca aplicados. (…) hiperbólicos
cortes que pouco fazem senão distrair e demonstrar um desenfreado desespero da
parte dos cineastas em injetar energia num filme que se afoga na sua constante
necessidade de expor informação a partir de longos monólogos.”
Há uma coisa que destaca McKay de todos os seus companheiros
nesta categoria. Apesar das fragilidades que eu vejo no trabalho e visão de
alguns dos outros nomeados, nenhum deles é o que chamaria de um mau realizador,
pelo menos todos eles demonstram um certo domínio e conhecimento da linguagem
do cinema. McKay, por outro lado, apenas demonstra uma crónica incompetência,
limitada visão e absurda indisciplina. Eu entendo que é difícil conjurar um tom
cómico da constante torrente de informação que o argumento de The
Big Short atira contra a sua audiência, mas a abordagem deste
realizador é nada mais que uma simples e intolerável coleção de forçados
facilitismos estilísticos. Desde a horrenda e desesperada tentativa de injetar
energia por entre a vasta verbosidade do argumento, à inconsistente direção do
elenco, McKay nunca demonstra ser mais que um mestre da abjeta incompetência. É
um insulto a todo o legado da Academia e do cinema americano que esta podridão
diretorial esteja nomeada para o prémio de Melhor Realizador, mas enfim… acho que
por esta altura já todos nós nos devíamos ter apercebido que os Óscares têm
muito pouco que ver com verdadeira excelência cinematográfica.
4. Alejandro González Iñarritu por The Revenant
Da minha crítica de The Revenant:
“O que é que, no entanto, resulta de toda esta eficiência
técnica? Um espetáculo da mais formidável pirotecnia que Hollywood tem para
oferecer com os seus luxuosos recursos, mas não, de modo algum, a exposição de
ousada aventura e risco cinematográfico e humano obsessivamente descrito pela
sua equipa sedenta de troféus dourados. Já muito se ouviu falar das
dificuldades das filmagens deste filme, da carga de sofrimento psicológico e
físico que todos os envolvidos tiveram de suportar, mas, no entanto, nenhum
desse risco se regista na obra final que não poderia ser um mais descarado
fruto da industrial competência dos estúdios da atualidade. Nenhuma da perigosa
ousadia e impetuosa vanguarda de Herzog se consegue encontrar aqui, e muito
menos o tipo de filosofia multifacetada e estruturação fluida do cinema de
Malick. No final, apesar de Iñarritu praticamente forçar a sua audiência a
comparar o seu trabalho com o desses outros autores, esta comparação apenas
resulta na perceção de quão abjetamente superficial e completamente vazio de
ideias se encontra o filme sobre Hugh Glass.”
Para ser perfeitamente sincero, eu estou a ficar exausto de
tanto escrever sobre este filme. Tal como podem ler na minha crítica, eu não
tenho nenhum afeto por The Revenant e este já é o 12º artigo em que falo desta
obra de Alejandro González Iñarritu. Grande parte da minha irritação com este
filme devém da abordagem do seu realizador que parece julgar que a imitação
equivale a genialidade cinematográfica. Os comentários do autor mexicano sobre
o seu próprio filme têm apenas ajudado a alimentar a minha animosidade. Em
resumo, eu não valorizo o esforço técnico que Iñarritu passou como uma marca
segura de qualidade, sendo que o filme, de modo geral, é um desastre
ideológico, uma catástrofe desumana e um irritante fracasso no que diz respeito
a telegrafar para a sua audiência a interioridade e perspetiva individual do
seu protagonista, preferindo observá-lo à distância com um olhar formalista e
quase pornográfico na sua exploração de sofrimento humano. Um trabalho deplorável
que é apenas admirável pela sua impressionante eficiência técnica.
3. Lenny Abrahamson por Room
Muitas vezes, quando observamos uma formidável prestação por
um ator infantil, temos tendência a descartar tal magnificência como uma
consequência exclusiva de boa realização e direção. Eu discordo desta
perspetiva que retira qualquer mérito ao trabalho do jovem ator, mas tenho de
admitir que essa terá sido a principal razão pela qual Lenny Abrahamson recebeu
uma nomeação surpresa pelo seu trabalho em Room. Apesar disso, eu não reduziria
o feito diretorial de Abrahamson a uma simples proeza de conseguir extrair de
Jacob Tremblay aquela que é, para mim, uma das mais esplendorosas prestações do
ano. Mesmo que simples, a abordagem espacial e rítmica de Abrahamson é
interessante e eficiente, especialmente no que diz respeito aos contrastes
tonais entre a primeira e a segunda metade. Na primeira porção do filme é
admirável o modo como o realizador trabalha em volta do espaço diminuto do
quarto em que os dois protagonistas estão aprisionados, movimentando a câmara e
enquadrando os elementos humanos da composição de modo a quase desfragmentar os
limites espaciais, diluindo a claustrofobia deste tipo de existência, seguindo,
deste modo, a perspetiva inocente da personagem de Tremblay. Na segunda metade,
a relação espacial é completamente invertida, com planos gerais a dominarem a
mise-en-scène e os interiores a serem fortemente enfatizados. Mesmo os ritmos
do filme se alteram, com o tempo de cada plano a notoriamente se distender, com
algumas cenas a decorrerem maioritariamente em planos gerais ou médios, em que
a falta de dinamismo visual força a audiência a examinar as interações de todas
as personagens e sua própria relação com o ambiente em que se encontram. Nem
tudo é admirável, no entanto, e o realizador é particularmente incapaz de
eficientemente modular os tons emocionais do filme, tendendo a cair numa
infeliz sentimentalidade. Para além disso, tenho de admitir que a energética
sequência da fuga de Jack me parece cada vez mais problemática,
maioritariamente pela abordagem estilística de Abrahamson. Mesmo assim, é um
admirável trabalho que mostra grande potencial para o futuro do autor, que, se
conseguir amadurecer enquanto realizador, se poderá tornar uma das grandes
vozes do cinema de prestígio das próximas décadas.
2. Tom McCarthy por Spotlight
Da minha crítica de Spotlight:
“Por muito que o argumento e o elenco sejam maioritariamente
geniais, o filme não seria o sucesso que é sem a concretização formal
possibilitada por McCarthy e a sua equipa. Nunca tendo sido um realizador com
um estilo particularmente distinto ou visível, não é de admirar quão modesta é
a formalidade de Spotlight, mas para este tipo de narrativa jornalística há algo
de perfeitamente essencial na apresentação direta e simples das histórias
humanas. Mesmo assim é de louvar o modo como o realizador evita deixar o seu
filme com a aparência de um telefilme, ao criar uma mise-en-scène fortemente
apoiada em visões de coletivos humanos a partir de planos gerais e eficientes
composições de atores no frame.”
Muitas vezes eu desespero pelo facto desta categoria acabar,
em alguns anos, por se tornar uma espécie de desinteressante celebração de
direção de atores em oposição a realização de um filme e todos os elementos
formais que isso engloba. No entanto, também existem os casos em que a modéstia
formal se torna numa inteligente e elegante escolha estilística e em que a
sublime direção de atores torna-se o elemento essencial e necessário para um
magistral retrato humano. Eu nunca colocaria o trabalho de Tom McCarthy em Spotlight
numa lista de melhores feitos de realização de qualquer ano, mas há que
respeitar a inteligência deste realizador e a sua subtileza, especialmente
quando o provável vencedor desta mesma categoria representa, para mim, o pior
exemplo possível de um realizador colocar a pirotecnia formal acima de tudo em
detrimento de ideias, humanidade, etc. Brilhante direção de atores, inteligente
fuga a histrionismos e dramatismos necessários, uma magistral modulação de tom
e uma sobriedade que consegue evitar a mediocridade banal de tantos esforços
semelhantes, McCarthy é um louvável nomeado.
1. George Miller por Mad
Max: Fury Road
Vou ser perfeitamente claro, Mad Max: Estrada da Fúria
é o mais espetacular filme de ação que eu vi a ser feito na última década de
Hollywood. Como obra cinematográfica, esta criação do ensandecido génio de
George Miller é como uma perfeita máquina, quase como um dos seus infernais
veículos, com todos os componentes a funcionarem na perfeição para um explosivo
resultado final. Desde os elementos de design, à sonoridade opressiva, passando
pelo exagero cromático da abordagem fotográfica ao argumento recheado de ideias
subversivas para com as usuais fórmulas narrativas do género de ação, todo o
filme é um trabalho magistral, expondo uma visão individual de formidável
ambição e bravura, concretizada com uma impetuosidade assombrosa. Miller
abordou este filme com uma coragem de imensa raridade no cinema de estúdios da
atualidade, recusando-se a compromissos artísticos e com um orçamento que lhe
possibilitou uma completa e estonteante execução. Explosiva energia é mesclada
de uma pulsante humanidade que nunca permite ao filme tornar-se um simples
exercício de forma e ritmo, revelando uma maturidade formidável com que alguns
dos outros nomeados deveriam aprender. Oxalá os Óscares valorizem esta
genialidade… eu sei que a sua nomeação já é algo miraculosa, mas alguém me pode
repreender por ainda me agarrar à ténue esperança que um dos mais estonteantes
trabalhos de realização de 2015 tenha possibilidade de arrecadar o Óscar de
Melhor Realizador?
PREVISÕES E DESEJOS:
Quem vai ganhar: Alejandro
González Iñarritu
Quem eu quero que
ganhe: George Miller
Quem merece ganhar:
George Miller
5 escolhas alternativas que a Academia ignorou*:
- Todd Haynes por Carol
- Spike Lee por Chi-Raq
- Lázló Nemes por Saul fia
- Miroslav Slaboshpitsky por Plemya
- Dennis Villeneuve por Sicario
*Esta
seleção pessoal tem por base a lista de elegibilidade da Academia e não a
generalidade de 2015 enquanto ano cinematográfico.
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