sexta-feira, 26 de fevereiro de 2016

Oscars 2015/16, MELHOR REALIZADOR



Já nos estamos a aproximar das últimas categorias!

Há algo que eu devia esclarecer que é o modo como eu e a Academia temos uma visão claramente diferente do que constitui um louvável trabalho de realização. Para mim, o trabalho de autores formalistas é normalmente aquele que eu mais valorizo enquanto para a Academia, as vozes autorais mais distintas e individualistas parecem ser algo desprezível, sendo que o Óscar de Melhor Realização tem vindo a demonstrar uma triste tendência para simplesmente reconhecer bons trabalhos de direção de autores, ignorando as restantes complexidades do trabalho de realização.

Interessantemente, apesar desta minha queixosa introdução, é de destacar como o provável vencedor deste ano, Alejandro Ginzález Iñarritu, está a alcançar este seu presente sucesso precisamente como uma consequência da sua vistosa pirotecnia técnica e não tanto pelos atores dos seus filmes. Seria erróneo ignorar como a vitória garantida de Leonardo DiCaprio tem catapultado este filme para a frente da Awards Season, mas seria igualmente erróneo menosprezar quanto a ambição formal de Iñarritu tem contribuído para a aclamação crítica do filme.

Outro aspeto grandemente atípico é a nomeação de George Miller, o grande favorito dos críticos pelo seu trabalho em Mad Max: Estrada da Fúria. Mais do que qualquer outro dos outros nomeados, que alcançou esta posição através da geral aceitação das suas obras pelos mecanismos mediáticos da Awards Season, Miller conseguiu esta nomeação pela absoluta mestria do seu trabalho que fez com que um filme tão grotesco e atípico conseguisse este reconhecimento por parte da Academia. Eu diria mesmo que é um verdadeiro milagre que Miller tenha conseguido esta nomeação, mas ainda bem que tal sucedeu.

Tom McCarthy e Adam McKay, pelo contrário, devem as suas nomeações quase que exclusivamente ao estatuto das suas obras como frontrunners para o óscar de Melhor Filme, assim como ao seu manejamento de enormes elencos cheios de nomes sonantes e aclamadas prestações.

A grande surpresa destas nomeações foi certamente Lenny Abrahamson que, para muitos que não eu roubou o lugar de Ridley Scott nesta seleção. Eu diria que este realizador irlandês não tem hipóteses nenhumas de vencer, mas este ano nunca se sabe com toda a temporada a ser caracterizada por uma deliciosa imprevisibilidade em todas as categorias que não as de Melhor Ator e Atriz.





RANKING DOS NOMEADOS:



5. Adam McKay por The Big Short


Da minha crítica de A Queda de Wall Street:

“Em termos formais, o filme é uma obra de crónica indisciplina e franca incompetência técnica. A fotografia é prosaica no melhor dos momentos e ativamente incompetente nos piores, focando-se na cara dos atores e em composições banais que quase dão a impressão de estarmos a ver um telefilme da ABC com noções de desproporcional importância própria. Isto não é ajudado pela montagem enlouquecida em que o conceito de continuidade, lógica espacial e ritmo dramático são conceitos obscuros e nunca aplicados. (…) hiperbólicos cortes que pouco fazem senão distrair e demonstrar um desenfreado desespero da parte dos cineastas em injetar energia num filme que se afoga na sua constante necessidade de expor informação a partir de longos monólogos.”

Há uma coisa que destaca McKay de todos os seus companheiros nesta categoria. Apesar das fragilidades que eu vejo no trabalho e visão de alguns dos outros nomeados, nenhum deles é o que chamaria de um mau realizador, pelo menos todos eles demonstram um certo domínio e conhecimento da linguagem do cinema. McKay, por outro lado, apenas demonstra uma crónica incompetência, limitada visão e absurda indisciplina. Eu entendo que é difícil conjurar um tom cómico da constante torrente de informação que o argumento de The Big Short atira contra a sua audiência, mas a abordagem deste realizador é nada mais que uma simples e intolerável coleção de forçados facilitismos estilísticos. Desde a horrenda e desesperada tentativa de injetar energia por entre a vasta verbosidade do argumento, à inconsistente direção do elenco, McKay nunca demonstra ser mais que um mestre da abjeta incompetência. É um insulto a todo o legado da Academia e do cinema americano que esta podridão diretorial esteja nomeada para o prémio de Melhor Realizador, mas enfim… acho que por esta altura já todos nós nos devíamos ter apercebido que os Óscares têm muito pouco que ver com verdadeira excelência cinematográfica.




4. Alejandro González Iñarritu por The Revenant


Da minha crítica de The Revenant:

“O que é que, no entanto, resulta de toda esta eficiência técnica? Um espetáculo da mais formidável pirotecnia que Hollywood tem para oferecer com os seus luxuosos recursos, mas não, de modo algum, a exposição de ousada aventura e risco cinematográfico e humano obsessivamente descrito pela sua equipa sedenta de troféus dourados. Já muito se ouviu falar das dificuldades das filmagens deste filme, da carga de sofrimento psicológico e físico que todos os envolvidos tiveram de suportar, mas, no entanto, nenhum desse risco se regista na obra final que não poderia ser um mais descarado fruto da industrial competência dos estúdios da atualidade. Nenhuma da perigosa ousadia e impetuosa vanguarda de Herzog se consegue encontrar aqui, e muito menos o tipo de filosofia multifacetada e estruturação fluida do cinema de Malick. No final, apesar de Iñarritu praticamente forçar a sua audiência a comparar o seu trabalho com o desses outros autores, esta comparação apenas resulta na perceção de quão abjetamente superficial e completamente vazio de ideias se encontra o filme sobre Hugh Glass.”

Para ser perfeitamente sincero, eu estou a ficar exausto de tanto escrever sobre este filme. Tal como podem ler na minha crítica, eu não tenho nenhum afeto por The Revenant e este já é o 12º artigo em que falo desta obra de Alejandro González Iñarritu. Grande parte da minha irritação com este filme devém da abordagem do seu realizador que parece julgar que a imitação equivale a genialidade cinematográfica. Os comentários do autor mexicano sobre o seu próprio filme têm apenas ajudado a alimentar a minha animosidade. Em resumo, eu não valorizo o esforço técnico que Iñarritu passou como uma marca segura de qualidade, sendo que o filme, de modo geral, é um desastre ideológico, uma catástrofe desumana e um irritante fracasso no que diz respeito a telegrafar para a sua audiência a interioridade e perspetiva individual do seu protagonista, preferindo observá-lo à distância com um olhar formalista e quase pornográfico na sua exploração de sofrimento humano. Um trabalho deplorável que é apenas admirável pela sua impressionante eficiência técnica.




3. Lenny Abrahamson por Room


Muitas vezes, quando observamos uma formidável prestação por um ator infantil, temos tendência a descartar tal magnificência como uma consequência exclusiva de boa realização e direção. Eu discordo desta perspetiva que retira qualquer mérito ao trabalho do jovem ator, mas tenho de admitir que essa terá sido a principal razão pela qual Lenny Abrahamson recebeu uma nomeação surpresa pelo seu trabalho em Room. Apesar disso, eu não reduziria o feito diretorial de Abrahamson a uma simples proeza de conseguir extrair de Jacob Tremblay aquela que é, para mim, uma das mais esplendorosas prestações do ano. Mesmo que simples, a abordagem espacial e rítmica de Abrahamson é interessante e eficiente, especialmente no que diz respeito aos contrastes tonais entre a primeira e a segunda metade. Na primeira porção do filme é admirável o modo como o realizador trabalha em volta do espaço diminuto do quarto em que os dois protagonistas estão aprisionados, movimentando a câmara e enquadrando os elementos humanos da composição de modo a quase desfragmentar os limites espaciais, diluindo a claustrofobia deste tipo de existência, seguindo, deste modo, a perspetiva inocente da personagem de Tremblay. Na segunda metade, a relação espacial é completamente invertida, com planos gerais a dominarem a mise-en-scène e os interiores a serem fortemente enfatizados. Mesmo os ritmos do filme se alteram, com o tempo de cada plano a notoriamente se distender, com algumas cenas a decorrerem maioritariamente em planos gerais ou médios, em que a falta de dinamismo visual força a audiência a examinar as interações de todas as personagens e sua própria relação com o ambiente em que se encontram. Nem tudo é admirável, no entanto, e o realizador é particularmente incapaz de eficientemente modular os tons emocionais do filme, tendendo a cair numa infeliz sentimentalidade. Para além disso, tenho de admitir que a energética sequência da fuga de Jack me parece cada vez mais problemática, maioritariamente pela abordagem estilística de Abrahamson. Mesmo assim, é um admirável trabalho que mostra grande potencial para o futuro do autor, que, se conseguir amadurecer enquanto realizador, se poderá tornar uma das grandes vozes do cinema de prestígio das próximas décadas.




2. Tom McCarthy por Spotlight


Da minha crítica de Spotlight:

“Por muito que o argumento e o elenco sejam maioritariamente geniais, o filme não seria o sucesso que é sem a concretização formal possibilitada por McCarthy e a sua equipa. Nunca tendo sido um realizador com um estilo particularmente distinto ou visível, não é de admirar quão modesta é a formalidade de Spotlight, mas para este tipo de narrativa jornalística há algo de perfeitamente essencial na apresentação direta e simples das histórias humanas. Mesmo assim é de louvar o modo como o realizador evita deixar o seu filme com a aparência de um telefilme, ao criar uma mise-en-scène fortemente apoiada em visões de coletivos humanos a partir de planos gerais e eficientes composições de atores no frame.”

Muitas vezes eu desespero pelo facto desta categoria acabar, em alguns anos, por se tornar uma espécie de desinteressante celebração de direção de atores em oposição a realização de um filme e todos os elementos formais que isso engloba. No entanto, também existem os casos em que a modéstia formal se torna numa inteligente e elegante escolha estilística e em que a sublime direção de atores torna-se o elemento essencial e necessário para um magistral retrato humano. Eu nunca colocaria o trabalho de Tom McCarthy em Spotlight numa lista de melhores feitos de realização de qualquer ano, mas há que respeitar a inteligência deste realizador e a sua subtileza, especialmente quando o provável vencedor desta mesma categoria representa, para mim, o pior exemplo possível de um realizador colocar a pirotecnia formal acima de tudo em detrimento de ideias, humanidade, etc. Brilhante direção de atores, inteligente fuga a histrionismos e dramatismos necessários, uma magistral modulação de tom e uma sobriedade que consegue evitar a mediocridade banal de tantos esforços semelhantes, McCarthy é um louvável nomeado.




1. George Miller por Mad Max: Fury Road


Vou ser perfeitamente claro, Mad Max: Estrada da Fúria é o mais espetacular filme de ação que eu vi a ser feito na última década de Hollywood. Como obra cinematográfica, esta criação do ensandecido génio de George Miller é como uma perfeita máquina, quase como um dos seus infernais veículos, com todos os componentes a funcionarem na perfeição para um explosivo resultado final. Desde os elementos de design, à sonoridade opressiva, passando pelo exagero cromático da abordagem fotográfica ao argumento recheado de ideias subversivas para com as usuais fórmulas narrativas do género de ação, todo o filme é um trabalho magistral, expondo uma visão individual de formidável ambição e bravura, concretizada com uma impetuosidade assombrosa. Miller abordou este filme com uma coragem de imensa raridade no cinema de estúdios da atualidade, recusando-se a compromissos artísticos e com um orçamento que lhe possibilitou uma completa e estonteante execução. Explosiva energia é mesclada de uma pulsante humanidade que nunca permite ao filme tornar-se um simples exercício de forma e ritmo, revelando uma maturidade formidável com que alguns dos outros nomeados deveriam aprender. Oxalá os Óscares valorizem esta genialidade… eu sei que a sua nomeação já é algo miraculosa, mas alguém me pode repreender por ainda me agarrar à ténue esperança que um dos mais estonteantes trabalhos de realização de 2015 tenha possibilidade de arrecadar o Óscar de Melhor Realizador?



PREVISÕES E DESEJOS:

Quem vai ganhar: Alejandro González Iñarritu

Quem eu quero que ganhe: George Miller

Quem merece ganhar: George Miller



5 escolhas alternativas que a Academia ignorou*:
  • Spike Lee por Chi-Raq
  • Lázló Nemes por Saul fia
  • Miroslav Slaboshpitsky por Plemya



*Esta seleção pessoal tem por base a lista de elegibilidade da Academia e não a generalidade de 2015 enquanto ano cinematográfico.


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