Tenho de admitir que não tenho o mínimo afeto ou respeito
pela categoria de Melhor Canção Original. Para mim, esta é uma categoria
completamente dispensável e tem vindo a tornar-se num poço de infindável mediocridade
em que filmes de outro modo esquecidos pela academia conseguem alcançar uma
fácil nomeação.
Independentemente dessas minhas reservas pessoais, nos
últimos anos esta categoria tem vindo a marcadamente oferecer admiráveis
seleções de nomeados, sendo que este ano é um pequeno desapontamento, não
havendo aqui nenhuma obra do calibre de “Skyfal” ou com a inescapável
popularidade de “Let it Go” e “Happy”, ou mesmo a insanidade energética de “Everything
Is Awesome”.
Mesmo assim, é um ano interessante, marcando a primeira vez
que uma categoria dos óscares apresenta mais do que um filme documental como
nomeado, para além das categorias propositadamente criadas para honrar esse
tipo de cinema. Assim como estes nomeados marcam a primeira vez que uma pessoa
abertamente transgénera é nomeada para um Óscar, Antony Hegarty, assim como a
primeira vez que todos os filmes desta seleção têm apenas esta nomeação a seu
nome. Um ano cheio de estreias e factoides destes não poderia deixar de ter
algum interesse, nem que seja pelo facto de 50 Sombras de Grey ser
agora um filme que sempre terá “Nominated for 1 Oscar” na sua página do IMDB.
Em termos de previsões, este ano poderá marcar o triunfo de
Diane Warren que, apesar de numerosas nomeações, nunca conseguiu arrecadar o
galardão. A ajudar o seu caso está Lady Gaga, a intérprete e coautora da letra
da canção que encerra o documentário The Hunting Ground. A estrela pop
tem sido uma incontornável presença nos media desde a sua nomeação, tendo já
até cantado a sua obra nomeada nos Producers Guild Awards. Isso é que é fazer
campanha para o ouro.
Pelo menos eu espero que seja a canção de Diane Warren a
ganhar o Óscar pois estremeço com a possibilidade de Sam Smith, autor de uma
das piores canções de um filme de James Bond desde o início do franchise na
década de 60, arrecadar um Óscar pelo seu trabalho. Apreciações destas, no
entanto, são mais apropriadas para o meu ranking dos nomeados pelo que
prossigamos.
RANKING DOS NOMEADOS:
Apesar de a música orquestral apresentar uma sedutora e
melosa melodia para acompanhar os vocais de Sam Smith, a letra edificada pelo
cantor britânico aniquila qualquer possibilidade de esta ser uma boa canção
para um filme de James Bond. As palavras lacrimosas que suplicam pela compaixão
da audiência apenas se tornam em risível melodrama e irritante sentimentalismo,
algo que nunca é bem-vindo num tema para um filme sobre o espião com mais
estilo da história do cinema. Poder-se-ia apontar que Smith apenas segue as
intenções sentimentais e estupidamente sérias da narrativa do filme,
especialmente no seu tratamento do passado do seu protagonista, mas ao cantar
os seus dúbios versos num tom que apenas exacerba a súplica choramingas do seu
conteúdo textual, Smith construiu uma das piores canções alguma vez usadas como
tema para um filme de James Bond. Que o seu trabalho vem em direta comparação
com “Skyfall” não ajuda, sendo que a robustez musical da canção de Adele ofusca
por completo quaisquer intenções de grandeza deste triste número musical. É uma
pena que a melodia seja destruída pelo trabalho de Smith, mas pelo menos Thomas
Newman teve a decência de usar o trabalho instrumental desta canção, desprovido
de acompanhamento vocal, na banda-sonora do filme, nomeadamente na sequência de
Roma.
4. “Til It Happens to You” de The
Hunting Ground, Diane Warren e Lady Gaga
3. “Earned It” de 50 Shades of Grey, Abel
Tesfaye, Ahmad Balshe, Jason 'DaHeala' Quenneville e Stephan Moccio
Sim, a letra de “Earned It” é ligeiramente repugnante no seu descarado chauvinismo, mas, tendo isso em consideração, é impossível negar quão bem esta canção funciona no contexto do seu filme. A adaptação ao cinema de 50 Sombras de Grey é um perfeito exemplo de como Hollywood tem uma relação curiosamente tresloucada e contraditória com o sexo. Por um lado, os estudos americanos estão sempre prontos a usar o desejo sexual da sua audiência como modo de os aliciar aos cinemas, tornando o sexo numa comodidade comercial completamente abusada pelo seu marketing, por outro, há uma estranha fobia na representação de sexo, desejo, ou mera atração. Em todo o edifício cinematográfico que é a adaptação do romance sensação de P. L. James, as canções que foram usadas para acompanhar o estranhamente casto relacionamento entre os dois protagonistas são uma das poucas graças do filme, trazendo à narrativa uma sensualidade e carnalidade que, de outra forma, apenas existiria nas férteis imaginações da sua audiência. Não é que eu seja grande fã desta canção, mas como uma obra musical criada com o intuito de complementar, apoiar e ajudar a construir um filme, este é um dos melhores nomeados.
2. “Manta Ray” de Racing Extinction, J.
Ralph e Antony Hegarty
Esta é a segunda vez que J. Ralph alcança uma nomeação surpresa por uma canção de um documentário até então completamente ignorado na Awards Season, e ainda bem que o fez, pois “Manta Ray” é, inquestionavelmente, um dos melhores nomeados desta categoria. Ao contrário da canção com vocais de Lady Gaga, esta obra integra-se perfeitamente no seu filme, sendo que toda a banda-sonora da autoria de J. Ralph se apoia grandemente em volta das melancólicas melodias em pano que caracterizam a parte instrumental de “Manta Ray”, cuja letra, uma triste saudação à magnificência das gigantescas mantas que estão no precipício da extinção, é igualmente simbiótica com todo o conteúdo e tom de Racing Extinction. A cereja no topo do bolo é mesmo a prestação vocal de Antony Hegarty, uma artista que eu admiro grandemente, e que confere a esta canção a sua usual intensidade entristecida, que perfeitamente transmite a tragédia do desaparecimento deste gigante dos oceanos, funcionando quase como um hino fúnebre, ao mesmo tempo que deixa transparecer uma arrebatadora adoração pela sua majestade e beleza. Ouvir a música no contexto do filme é algo que destroça o coração da audiência, especialmente pelo modo como o ritmo pacífico e temperado de “Manta Ray” funciona como uma pausa de reflexão num documentário que está constantemente a bombardear o seu público com uma enchente de monstruosas informações sobre uma das mais imperdoáveis tragédias ecológicas da atualidade.
Na minha crítica de A Juventude, eu escrevi:
“A climática canção, Simple Song #3, é particularmente
extasiante na sua gloriosa intensidade, simplicidade, e carga emocional. No seu
clímax, o filme é glorioso e um dos melhores de 2015. É só pena o resto do
filme que antecede estes derradeiros momentos.”
Os meus pensamentos em relação à qualidade desta canção pouco se têm alterado desde o meu primeiro visionamento da mais recente obra de Paolo Sorrentino, pelo que tenho a acrescentar como na sua simplista sinceridade sentimental, estrutura repetitiva e redutora visão de romance, a letra da canção acaba por se tornar numa magistral extensão das próprias limitações da filosofia do seu protagonista. Em resumo, é fácil perceber como Fred Ballinger, a personagem de Michael Caine, poderia plausivelmente ter escrito esta canção, assim como é perfeitamente fácil acreditar na sua inexorável popularidade. Há algo de estranhamente memorável nesta canção do mestre compositor David Lang e, se ele conseguisse ganhar o Óscar não há dúvida que esta canção se tornaria numa das mais estranhas criações a alguma vez ter alcançado o troféu, assim como uma das mais curiosamente difíceis de esquecer. Esta canção está longe de ser uma obra de perfeição musical, eu até diria que prefiro “Manta Ray”, mas pelo modo como “Simple Song #3” consegue revitalizar a carcaça de A Juventude, conferindo-lhe um glorioso final, esta obra merece o Óscar.
PREVISÕES E DESEJOS:
Quem vai ganhar: Diane Warren e Lady Gaga
Quem eu quero que ganhe: Diane Warren e Lady Gaga
Quem merece ganhar: David Lang
5 escolhas alternativas que a Academia ignorou*:
- “Fighting Stronger” de Creed, Meek Mill,
Jhene Aiko e Ludwig Göransson
- “It’s My Turn Now” de Dope, Pharrell
Williams
- “None Of Them Are You” de Anomalisa, Charlie
Kaufman e Carter Burwell
- “Pray 4 My City” de Chi-Raq, Rico Cox, Robert Amparan, Leroy Griffin, Jr. e Nick
Cannon
- “Sit Down for This” de Chi-Raq, Kortney Pollard, Dean McIntosh e Pete Martin
*Esta
seleção pessoal foi feita com base na lista de canções elegíveis que a academia
divulgou previamente às nomeações.
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