sábado, 20 de fevereiro de 2016

Oscars 2015/16, MELHOR FILME DE ANIMAÇÃO



Parabéns Academia! Esta é uma gloriosa seleção de nomeados e uma rara mostra de independência face às pressões do mercado cinematográfico americano e à horrenda presunção que o cinema de animação é algo exclusivamente concebido para audiências infantis.

Apenas dois dos nomeados são americanos, Inside Out e Anomalisa, sendo que o filme de Charlie Kaufman é um raro exemplo de cinema de animação norte-americano criado propositadamente para audiências dos circuitos art house, exclusivamente adultos.

Entre os restantes nomeados temos dois filmes praticamente mudos. Um deles é Shaun the Sheep Movie, uma adorável sobremesa cinematográfica britânica, e O Menino e o Mundo, uma sofisticada narrativa brasileira sobre o implacável avançar do desenvolvimento industria que vai destruindo o mundo natural e as culturas ancestrais de uma nação em crise.

Finalmente, temos Omoide no Mânî, o filme que será a ultima longa-metragem produzida pelos Estúdios Ghibli. Para qualquer amante de animação, a notícia do encerramento do mais importante estúdio de cinema de animação japonês terá, certamente sido uma cataclísmica tragédia, e parece que a Academia decidiu honrar o legado do estúdio. Há ainda que apontar que este filme e Inside Out são focados na psique e no custoso crescimento emocional de duas jovens raparigas, ambas prestes a entrar na sua adolescência, algo que é raro no cinema de modo geral, e ainda mais em filmes tão comerciais como usualmente o cinema de animação acaba por ser. Num panorama cinematográfico em que perspetivas femininas são menosprezadas e onde complexidades emocionais são tidas como algo de menor importância, este apoio da Academia de Hollywood a filmes assim é de uma importância formidável.

Com estes cinco nomeados, a Academia, ou pelo menos os votantes das categorias de animação, demonstra mais uma vez como não estão completamente cegos ao cinema de outras nacionalidades que não americanas e que nem sempre preferem a banalidade ao virtuosismo artístico. Para além do mais, com esta coleção de filmes, a Academia acaba por honrar a Pixar, a Aardman Animations e o Estúdio Ghibli, três dos mais importantes estúdios na história do cinema de animação, para além de que, indiretamente, acabam também por honrar a Disney e a GKids como distribuidoras norte-americanas de alguns dos mais importantes filmes de animação de sempre.

Eu adoro cinema de animação com uma força que não diminui desde os anos da minha infância em que tais filmes eram fontes inesgotáveis de alegria, prazer, e uma imaginação sem igual. Como tal, é um sonho observar esta formidável seleção em que, mesmo que eu não concorde com todos os nomeados, em geral a categoria é indiscutivelmente gloriosa.





RANKING DOS NOMEADOS:



5. Anomalisa, Charlie Kaufman, Duke Johnson e Rosa Tran


Eu sou um grande fã do trabalho passado de Charlie Kaufman, sendo que, face à inicial premissa de Anomalisa, o seu primeiro filme de animação, eu estava perfeitamente pronto para voltar a ser deslumbrado por este entusiasta do pós-modernismo cinematográfico. No entanto, o filme foi, para mim, um imenso desapontamento, demonstrando como, possivelmente, a criatividade de Kaufman se começa a esgotar e como os mais perniciosos aspetos da sua visão do mundo apenas se estão a tornar mais evidentes e difíceis de ignorar. Kaufman foca-se, em Anomalisa, em mais um homem desiludido e entediado com o mundo que o rodeia, vivendo uma existência cronicamente isolada e apática. Tomando a ideia de uma verdadeira doença mental, Kaufman concebeu uma visão subjetiva em que o mundo do seu protagonista é povoado por pessoas que partilham exatamente a mesma voz e feições, sendo que apenas uma mulher que ele conhece numa vulgar e triste noite num hotel, consegue emergir como outro ser humano fora desse absoluto anonimato.

Eu percebo as intenções de Kaufman, mas não as consigo celebrar. Este ano está recheado de filmes em que homens de sucesso e privilegiados são retratados como criaturas isoladas e incompreendidas, vítimas da sua própria arrogância, e, pessoalmente, já estou um pouco cansado desta irritante fórmula. Os defensores deste tipo de filme afirmam que o filme se apercebe dos problemas dos seus protagonistas, mas custa-me ver em Anomalisa, algo mais que uma montra da autopiedade de Kaufman e sua hubris cinematográfica. Eu consigo apreciar o filme de um ponto de vista puramente técnico e até aprecio o trabalho vocal dos atores, mas a obra perde qualquer integridade na sua construção misógina da figura titular, Lisa.

A mulher que concentra em si a peculiar e individualista banalidade da vida humana é pouco mais que um mecanismo narrativo para o arco da personagem masculina principal, e mesmo a sua personalidade parece existir apenas em função dos problemas dele, sendo que os diálogos entre os dois, por muito bem representados que sejam, são um perfeito exemplo de como subtilmente um texto consegue relegar uma das suas figuras a um objeto. O problema encontra-se no modo como Lisa deveria ser diferente, deveria ser palpavelmente humana, mesmo que por instantes, mas Kaufman cai nos erros que pensa estar superiormente a pintar na sua personagem principal, mostrando uma imaturidade incomum no seu trabalho e uma desumanidade assustadora. Muitos adoram este filme, mas não consigo fazer. Reconheço o seu valor enquanto criação ambiciosa e impetuosa de animação para adultos, mas o resultado final sofre de uma fétida podridão ideológica que, infelizmente, afundam todo o edifício do filme.




4. Shaun the Sheep Movie, Mark Burton e Richard Starzak



Da minha crítica de A Ovelha Choné – O Filme:

Shaun the Sheep Movie é um ótimo filme de animação familiar longe das complexidades emocionais de outras obras de animação deste ano mas não por isso menos charmoso ou encantador. Há algo de reconfortante na simplicidade e relativa falta de ambição do projeto. Uma delícia ligeira confecionada com um virtuosismo magistral numa técnica, cuja visibilidade tem vindo a desaparecer com o apogeu da animação digital. E talvez principalmente por esta última razão, eu não consiga de modo algum resistir aos encantos do filme e adorá-lo apesar de alguns problemas cruciais que anteriormente referi.”

Tenho pouco a acrescentar a estas palavras. Esta é uma obra adorável e imensamente charmosa, sendo que é difícil resistir aos seus encantos. É cinema essencial? Talvez não, mas para um amante de animação, qualquer produção dos estúdios Aardman é uma joia cinematográfica.




3. Omoide no Mânî, Hiromasa Yonebayashi e Yoshiaki Nishimura


Como o derradeiro filme de um dos mais importantes estúdios de animação na história do cinema, Memórias de Marnie impõe um certo respeito e admiração. Felizmente, o filme não se reduz a ser um simples marco histórico, e é, na verdade, uma tocante visão de uma rapariga em doloroso processo de crescimento, estando carregado de uma melancolia e intensidade emocional assombrosas. No seu retrato do florescer de uma amizade entre uma rapariga solitária e o que parece ser uma visão de uma rapariga do passado, o filme concebe um dos mais complexos dramas psicológicos que se viu este ano no cinema de animação, e, para além de tudo o mais, essa mesma narrativa desenrola-se com a extraordinária beleza e delicadeza visual que viemos a associar com este estúdio, não possuindo, no entanto, a vistosa experimentação que marcaram algumas das suas mais memoráveis obras passadas. Aceito que, por vezes, os aspetos mais metafísicos do enredo tenham tendência a se tornarem um pouco distrativos no seu declarativo simbolismo e confusa apresentação, mas quando o resultado dessa mesma narrativa metafísica possui a surpreendente maturidade emocional de Memórias de Marnie e nos oferece uma visão tão peculiar de uma amizade entre duas jovens em crescimento, há que ignorar algumas das fragilidades da obra e simplesmente nos deixar apaixonar pela qualidade geral do filme. Para um último adeus dos Estúdios Ghibli, esta obra é curiosamente pequena e delicada, mas talvez por isso tenha ainda mais valor.




2. Inside Out, Pete Docter e Jonas Rivera


Da minha crítica de Divertida-mente:

“No final Inside Out é uma preciosa raridade no panorama contemporâneo do cinema supostamente feito para audiências juvenis, sendo uma gloriosa celebração da empatia humana e uma ode à complexidade emocional que parece amedrontar mesmo os mais adultos filmes a serem produzidos pela Hollywood atual. O filme torna dores de crescimento numa das mais espetaculares viagens emocionais do ano, revelando-se como uma obra essencial para qualquer cinéfilo, rica em inteligente complexidade mas completamente acessível assim como uma peça de maravilhoso entretenimento.”

Para além de toda esta maravilhosa qualidade conceptual e emotiva, tenho de salientar que este filme consegue ainda ser uma das mais hilariantes comédias do ano, assim como apresenta um dos mais formidáveis elencos de 2015, ainda que os seus atores apenas se manifestem em forma de sublimes prestações vocais. Como uma obra mainstream de um dos mais poderosos estúdios do mundo, este filme é quase perfeito, sendo que apenas poderia nele criticar algumas dúbias escolhas estruturais na edificação mental que caracteriza o mundo do filme. Mesmo assim, há que celebrar esta criação. A Pixar finalmente parece ter regressado em grande!




1. O Menino e o Mundo, Alê Abreu


Em termos puramente formais, a sua estética é quase primitiva quando colocada em abismal contraste com os outros nomeados desta categoria, mas O Menino e o Mundo encontra nessa mesma simplicidade e grosseira, se genial, concretização um dos seus maiores alicerces ideológicos. Seguindo o mesmo tipo de abordagem dos visuais, a narrativa deste filme brasileiro desenvolve-se de um modo ativamente simplista e, por vezes, indisciplinadamente caótico, oferecendo uma declarativa visão de uma nação à beira de um apocalipse cultural em que o modernismo contemporâneo ameaça a completa destruição de um mundo mais antigo, em harmonia com os ambientes naturais e com as heranças mais ancestrais da sociedade do Brasil. Tudo isto pode indicar uma obra cronicamente juvenil e ingenuamente focada numa efémera luta contra a implacável evolução de um mundo em desenvolvimento, mas há em O Menino e o Mundo um nível de sofisticação cinematográfica incomparável a qualquer outra obra de animação a estrear em 2015 nas salas norte-americanas. Este é um filme de animação para adultos, cuja maturidade vai muito mais além que os pretensiosismos de Anomalisa, concebendo uma tapeçaria de imagens inesquecíveis e ensandecidas na sua criatividade, rugindo com uma fúria política imensamente incomum na produção do cinema de animação atual e demonstrando uma magistral construção de uma história, altamente alegórica, em que a inocência de um menino se torna numa melancólica canção fúnebre para um Brasil do passado e em que o próprio tempo parece fluir com a maleabilidade inefável que caracteriza a memória humana. O Menino e o Mundo é um sonho cinematográfico e um dos mais essenciais filmes de animação da última década, de tal modo que a sua existência é uma luminosa justificação para a importância de todo este muito menosprezado tipo de cinema.




PREVISÕES E DESEJOS:

Quem vai ganhar: Inside Out
Quem eu quero que ganhe: Omoide no Mânî
Quem merece ganhar: O Menino e o Mundo



Três* escolhas alternativas que a Academia ignorou**:
  • The Good Dinosaur, Peter Sohn e Denise Ream
  • The Peanuts Movie, Steve Martino, Paul Feig, Bryan Schulz, Craig Schulz, Michael J. Travers e Cornelius Uliano
  • The SpongeBob Movie: Sponge Out Of Water, Paul Tibbitt, Mike Mitchell, Mary Parent e Paul Tibbitt


*Não consigo, em boa-fé, listar aqui mais do que estes três filmes

**Esta seleção pessoal tem por base a lista de elegibilidade da Academia e não a generalidade de 2015 enquanto ano cinematográfico.


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