Com esta análise à categoria de melhor filme chegamos ao fim
desta minha dissecação e exploração de todas as categorias dos Óscares
referentes a longa-metragens. Infelizmente, não tenho acesso à maior parte das curtas-metragens
nomeadas pelo que não tenho base com que escrever qualquer tipo de crítica das
três categorias que visam honrar esse tipo de cinema.
Voltando ao Óscar de Melhor Filme, depois das suas vitórias
nos BAFTAs e nos Golden Globes muitos estão a prever uma vitória sem
precedentes para The Revenant, que também é o favorito em, pelo menos, mais três
categorias. Eu não tenho grande convicção na vitória do filme protagonizado por
Leonardo DiCaprio. Em anos anteriores, quando confrontados com a escolha entre
um espetáculo de pirotecnia formal e alternativas com maior aparência de
relevância social, a Academia mostrou tendência a preferir os filmes com
mensagens mais relevantes e socialmente importantes.
Para além dessa tendência da Academia de Hollywood, também
existe o facto de que os Óscares apenas partilham o seu sistema de votação com
os PGAs, onde A Queda de Wall Street derrotou o filme de Iñarritu. Os Óscares
usam um sistema de votação preferencial, em que os votantes colocam os nomeados
por uma ordem de preferência ao invés de simplesmente nomearem aquele que acham
o melhor. Isto favorece filmes que não polarizem o corpo votante, e The
Revenant é tão adorado como é por muitos detestado, enquanto Spotlight
é abertamente louvado, mesmo por quem não esteja particularmente entusiasmado
com os seus feitos enquanto peça de cinema.
Com isto em conta assim como a geral imprevisibilidade da
temporada, que chegou à sua apoteose com a divisão dos sindicatos principais,
parece que estamos numa corrida de três filmes para o ouro. Pessoalmente
prefiro Spotlight aos outros dois e acho que é também aquele que menos
aversão consegue provocar na generalidade da população. Veremos se a minha
previsão se verifica ou se vamos sofrer a colossal tragédia de ver The
Revenant coroado como o Melhor Filme de 2015. Quase tremo só de pensar
em tal horror.
Em relação aos outros nomeados, parece-me que não têm grande
hipótese de ganhar aqui. É certo que Mad Max: Estrada da Fúria foi o
grande favorito das massas críticas internacionais, mas não consigo imaginar os
Óscares a fazerem uma escolha tão pouco ortodoxa, por muito que o filme mereça
esta honra.
De resto, Perdido em Marte, A
Ponte dos Espiões, Brooklyn e Room devem contentar-se
somente com a sua nomeação. Mas quem sabe? O filme de Lenny Abrahamson recebeu
um apoio surpreendente da Academia, com uma nomeação surpresa para Melhor
Realizador e é inegável como Jacob Tremblay tem vindo a conquistar o coração de
todos os que acompanham a Awards Season.
Não vou perder tempo a falar dos filmes que injustamente foram
ignorados, mas tenho de salientar como incrivelmente mediana e desinspirada é
esta seleção, com apenas um filme a se destacar pela sua incontornável
genialidade. Enfim, mediano e banal são expressões que poderiam caracterizar
grande parte dos nomeados a este Óscar desde a sua criação.
Mas chega de pensamentos negativos. Esta noite são os
Óscares! Vamos celebrar e pensar em cinema, mesmo que seja simplesmente para
afastarmos o pensamento das escolhas desastrosas da Academia. Viva o cinema!
RANKING DOS NOMEADOS:
8. The Revenant, Arnon Milchan, Steve
Golin, Alejandro González Iñárritu, Mary Parent, Keith Redmon
Da minha crítica de The Revenant – O Renascido:
“Juvenil, limitado e cansativo são boas palavras para
descrever The Revenant que, apesar da sua magnificência técnica, não
encontra qualquer glória cinematográfica na sua eficiência, e que apenas se
revelou como uma das mais tortuosas e estupidificantes experiências que tive ao
ver filmes deste passado ano de 2015. Enfim, parabéns a DiCaprio pelo seu Óscar
e a todos os nomeados deste filme, por muito que nenhum deles realmente tenha
merecido a aclamação que receberam.”
Para além da sua impressionante, mas conceptualmente vazia,
pirotecnia técnica, The Revenant é uma obra completamente desprezível. Há quem
encontre profundidade e humanidade neste filme, mas eu nada disso vejo.
Sinceramente, esta foi das mais odiosas experiências que o cinema de 2015 me
trouxe, pois há poucas experiências mais irritantes que ver um desastre
cinematográfico com pretensiosismos de genial grandeza e que, pelo caminho,
conseguiu convencer muitos críticos e espectadores dessa mesma importância
ilusória.
7. The Big Short, Brad Pitt, Dede
Gardner e Jeremy Kleiner
Da minha crítica de A Queda de Wall Street:
“Para mim, o maior problema de todo este filme nem é a sua
incompetência formal ou a sua desumana coleção de caracterizações limitadas,
mas sim o seu tom, que já anteriormente referi. Ao investir num constante
registo de insinceridade, The Big Short, que já é um projeto
de premissas dúbias quando celebra o sucesso financeiro de um grupo de homens
que se aproveitou da iminente miséria de milhões de pessoas para ganhar
milhões, acaba por ser o arquiteto da sua própria irrelevância. O filme
pretende explorar a doentia realidade e o perigo de um sistema capitalista
caído em completa selvajaria gananciosa, e estas são ideias importantes para
transmitir a uma audiência, mas eu não penso que reduzir tudo a uma comédia
irónica e despreocupada seja a chave para tal, especialmente quando o tom do
filme apenas parece retirar importância à informação que nos vai sendo dada.”
Apesar de eu conseguir encontrar valor nas intenções deste
filme, a sua abordagem, para mim, é um completo desastre, ativamente
trabalhando contra qualquer tipo de nobreza ideológica que possa estar na
génese do projeto. Talvez a parte mais trágica de tudo isto seja mesmo o modo
como o filme demonstra o potencial para ser uma obra de cinema muito superior
ao que acabou por ser, com um elenco cheio de fantásticos atores, uma
impetuosidade incomum na exploração da corrupção do sistema financeiro
americano e um empenho extraordinário na disseminação de informações cruciais
para o entendimento da catástrofe económica que explodiu em 2008 e cujas repercussões
ainda estamos a sentir hoje em dia.
6. The Martian, Simon Kinberg, Ridley
Scott, Michael Schaefer e Mark Huffam
Da minha crítica de Perdido em Marte:
“O que principalmente admirei no filme foi, de certo modo, a
sua relativa simplicidade e falta de ambição. Tal parece ser uma crítica em
forma de elogio traiçoeiro, mas não o é de todo, sendo que é exatamente nessa
simplicidade que o filme floresce e evita cair nos perigos do pretensiosismo e
auto glorificação que deflagram por outros filmes semelhantes como forças
destruidoras. Para mim, aliás, os únicos momentos em que o filme realmente me
começou a desiludir foram durante as cenas do resgate final em que começa a
existir uma enfática insistência no dramatismo da situação que acaba por cair
num cliché sentimentalista que não se conjuga bem com o resto da abordagem do
filme. Isto é, eu volto a salientar, particularmente surpreendente quando
consideramos a absoluta falta de leveza ou delicadeza tonal que se espalha pela
filmografia de Scott, se bem que aqui o realizador tem muito que agradecer ao
seu elenco.”
Quem diria que Ridley Scott ainda era capaz de criar uma
leve peça de entretenimento cheia de humor e nenhuma da seriedade carrancuda
que tem vindo a dominar a sua recente filmografia? Eu certamente não seria uma
dessas pessoas e fico feliz com esse erro hipotético, sendo que este é o melhor
filme do realizador desde Thelma e Louise. No entanto, é difícil
ignorar alguns dos maiores problemas tonais do filme, assim como a sua abjeta
falta de tensão. Perdido em Marte acaba por ser uma experiência facilmente
descartável, mas não por isso menos digna de alguma admiração. Por vezes, há
que valorizar cinema populista de entretenimento sem grandes ambições pela
simples eficiência da sua concretização. Para além disso, é raro vermos um
blockbuster construído em volta do que é quase uma celebração de heroísmo
coletivo, de trabalho colaborativo e não do simples e redutivo arquétipo do
indivíduo heroico.
5. Room, Ed Guiney
Da minha crítica de Room:
“O
filme como um todo tem alguns problemas, há que dizer, mas é uma inegável
experiência de emoções arrebatadoras, que consegue ser tocante mesmo quando a
manipulação emocional é grosseiramente óbvia.”
Poucas vezes no panorama do cinema mainstream americano se encontram filmes que tão abertamente se
proponham a explorar os efeitos de trauma, especialmente quando os sujeitos do
filme são uma mulher e uma criança. Room não é nem de perto nem de longe
a ideal exploração disso mesmo, mas é um louvável esforço apoiado em duas espetaculares
prestações dos seus atores principais, de onde se desdobra uma maravilhosa e
pulsante humanidade a que é difícil ficar indiferente. É verdade que muitas
decisões como o uso de voz-off e a horrenda banda-sonora prejudicam muita da
delicadeza humana do filme, mas em alguns momentos ocasionais, Room
sugere uma grandeza impressionante. Está longe de ser uma obra ideal, mas eu
também não acusaria este filme de Lenny Abrahamson de inconsequente banalidade.
É fácil perceber as razões por detrás desta nomeação, sendo que alguns momentos
são de um estonteante impacto emocional e poucas coisas conseguem mais
facilmente conquistar a Academia que um forte sentimentalismo.
4. Bridge of Spies, Steven Spielberg,
Marc Platt e Kristie Macosko Krieger
Da minha crítica de A Ponte dos Espiões:
“Em conclusão, A Ponte dos Espiões é um filme que
surpreende pela multiplicidade de tons que se propõe a abordar, sugerindo a
comédia e o ridículo nas situações mais tensas, e sombreando o triunfo com a
tragédia humana que nunca é completamente exposta. Spielberg criou assim um
belo exercício de eficaz convencionalismo cinemático. Este realizador americano
é um dos cineastas contemporâneos que mais se deixa cair no seu amor por
valores do passado e uma nostalgia cinematográfica bastante forte mas que,
ocasionalmente, concebe obras como esta, onde isso nunca é um defeito mas sim
um dos seus mais fascinantes aspetos e inteligentes decisões estilísticas.”
Eu não sou um particular entusiasta do tipo de classicismo
nostálgico que permeia toda a obra de Steven Spielberg. Por muito que este
autor americano seja considerado como um dos grandes mestres do cinema de
Hollywood, eu sempre me mostrei um pouco resistente a tais epítetos. No
entanto, tenho de confessar que fiquei agradavelmente surpreendido com A
Ponte dos Espiões. Talvez tenha sido a colaboração dos irmãos Coen no
argumento, ou a formidável prestação de Hanks que ancora todo o filme ou mesmo
o tema político da narrativa, mas este filme junta-se a Munique e Lincoln
como o cânone de um Spielberg mais maturo e sóbrio que o seu usual romantismo.
Que esse mesmo romantismo marca presença neste filme como veículo para a
interrogação moral da narrativa é ainda mais louvável, demonstrando que este
realizador ainda consegue ter algumas surpresas na sua carreira. É um filme
essencial? Não, mas é uma obra sólida, eficaz e elegantemente concretizada.
3. Brooklyn,
Finola Dwyer e Amanda Posey
Da minha crítica de Brooklyn:
“No final, Brooklyn é um filme que está longe
de ser perfeito e que tem na sua maior qualidade também o seu maior defeito,
sendo que o filme encontra glória no seu tradicionalismo na mesma medida que
acaba por cair num registo tristemente prosaico quando parece poder alcançar
verdadeiras maravilhas se arriscasse um pouco e não se limitasse tanto. No
entanto, para os grandes fãs dos romances clássicos de Hollywood, esta é uma
obra essencial e deliciosa. Visto que eu sou precisamente um fã desse tipo de
cinema, há que admitir que me deixei apaixonar completamente pelos charmes
deste simples filme, por muito que reconheça as suas fragilidades.”
Eu reconheço os problemas de Brooklyn e também quão
cronicamente inofensivo e convencional todo o edifício do filme é, mas não
consigo resistir ao seu encanto. Quando recentemente revi o filme, um dos
aspetos de maior destaque foi precisamente o modo como a prestação dos atores,
nomeadamente de Saoirse Ronan, consegue elevar o material, injetando uma subtil
e complexa humanidade num filme completamente dependente de classicismos tão
intensos que quase parecem cair na mímica vazia de estilos passados, não fosse
toda a atmosfera do filme contribuir para o romantismo necessário para o arco
emocional delineado pelo argumento. Brooklyn é tão simples como
delicioso e apaixonante, sendo um dos mais tocantes filmes desta seleção.
2. Spotlight, Michael Sugar, Steve
Golin, Nicole Rocklin e Blye Pagon Faust
Da minha crítica de O Caso Spotlight:
“Em resumo, a linha que Spotlight balança entre frieza
clínica na sua observação de um processo de investigação jornalística e o seu
lado humano, permitem a este filme ser uma das mais eficazes e belissimamente
concretizadas obras de cinema de prestígio de 2015. É um filme sobre um
coletivo de pessoas e sobre uma causa, mas é sagaz o suficiente para retratar
cuidadosamente cada um dos seus intervenientes, nunca vilificando ou
simplificando as pessoas envolvidas na narrativa, quer do lado dos
investigadores, das vítimas, da instituição religiosa ou mesmo dos agressores.
Um triunfo modesto e limitado pela sua respeitabilidade própria do cinema de
estúdio atual, mas não por isso menos louvável.”
Modéstia estilística e elegância discreta não são usualmente
menosprezados pela Academia que prefere conforto cinematográfico a qualquer
tipo de desafio. Eu, pelo contrário, normalmente mostro uma certa resistência
para com este tipo de cinema respeitável e de prestígio. No entanto, tenho de
reconhecer a precisa e humana construção de um drama de investigação jornalística
que se pode encontrar em Spotlight. É imensamente fácil de
imaginar versões muito mais sensacionalistas, manipuladoras ou individualistas
desta mesma história, e mesmo que só por essa razão, eu penso que se deve dar
grande valor a esta obra de Tom McCarthy.
1. Mad Max: Fury Road, Doug Mitchell e
George Miller
Uma explosiva experiência de cinema de ação que não
demonstra qualquer contenção ou compromisso artístico. George Miller alcançou
com este quarto volume da saga Mad Max, o raro feito de criar um
filme a que eu consigo dar o adjetivo de perfeito. Todas as componentes do
filme são como partes de um mecanismo fogoso, perfeitamente criadas com o
intuito de um violento e estonteante resultado final. Mad Max: Estrada da Fúria
é como um tiro, como um murro no peito que nos faz perder a respiração.
Sensorialmente intenso de um modo quase impossível de encontrar em outras obras
do cinema de ação mainstream, energeticamente frenético com uma bravura estilística
rara até nos mais rebuscados e obscuros filmes que nunca saem do circuito dos
festivais. Com todo este primor estético e rítmico o filme já seria um grande
feito cinematográfico, mas a acrescentar a isto está um curiosamente formidável
elenco que perfeitamente dá vida e humanidade a um argumento que contém numa
página mais ideias que a maior parte dos outros nomeados em toda a sua duração.
Desafio quem quer que discorde a nomear-me outro blockbuster contemporâneo que
se tenha atrevido a construir toda a sua base ideológica sobre os alicerces de
uma narrativa proto feminina que ao mesmo tempo é uma aterradora exploração da
religião a ser utilizada como ferramenta de subjugação. A mera existência deste
filme é um milagre, a sua nomeação aqui quase convence alguém da existência de
uma entidade divina superior. Se o filme conseguir ganhar, talvez tenha de me
subjugar à fé. A minha divindade será George Miller e o seu profeta a
enraivecida intensidade de Furiosa encarnada por Charlize Theron. Um sonho de
cinema inesquecível, intenso e impossível de ignorar em toda a sua
magnificência.
PREVISÕES E DESEJOS:
Quem vai ganhar: Spotlight
Quem eu quero que ganhe: Mad Max: Fury Road
Quem merece ganhar: Mad Max: Fury Road
Dez escolhas alternativas que a Academia ignorou*:
- 45 Years, Tristan Goligher
- Carol, Elizabeth Karlsen, Tessa Ross, Christine Vachon e Stephen Woolley
- Chi-Raq, Spike Lee
- Creed, Robert Chartoff, William Chartoff, Sylvester Stallone, Kevin King Templeton, Charles Winkler, David Winkler e Irwin Winkler
- Inside Out, Jonas Rivera
- It Follows, Rebecca Green, David Kaplan, David Robert Mitchell, Erik Rommesmo e Laura D. Smith
- The Look of Silence, Signe Byrge Sørensen
- Plemya, Miroslav Slaboshpitsky e Valentyn Vasyanovych
- Saul fia, Gábor Rajna e Gábor Sipos
- Sicario, Basil Iwanyk, Thad Luckinbill, Edward McDonnell e Molly Smith
*Esta seleção pessoal tem por base a lista de elegibilidade
da Academia e não a generalidade de 2015 enquanto ano cinematográfico.
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