Primeiro que tudo, penso que é necessário explicar as
diferenças entre as duas categorias a honrar o Melhor Som nos Óscares. Sound
Editing, que se traduziria a algo como Montagem ou Edição de Som, refere-se à
criação de elementos sonoros individuais, efeitos sonoros. Num filme como Star
Wars: O Despertar da Força, um dos nomeados deste ano em ambas as
categorias, este prémio iria reconhecer a produção dos sons dos sabres de luz,
dos mecanismos, dos tiros etc. mas não a conjugação ou manipulação de todos
estes elementos na sonoplastia do filme.
A conjugação dos efeitos sonoros, da música, do diálogo, do
som ambiente etc. corresponde a Sound Mixing, ou Mistura de Som. Outro aspeto
fulcral da mistura de som é a criação do equilíbrio ou desequilíbrio sonoro de
um filme, nomeadamente em termos de volume e relevância de certos elementos
sonoros na final experiência do filme. Por exemplo, quando Interstellar estreou
gerou-se uma pequena controvérsia acerca do seu som, especificamente em volta
de algumas sequências em que a banda-sonora estava colocada a volumes tão
intensos que se sobrepunha a qualquer outro elemento sonoro, incluindo o
diálogo.
Com essa explicação já feita, há que apontar como estas duas
categorias, apesar das suas diferenças, raramente apresentam seleções de
nomeados muito díspares. Normalmente acontece o que sucedeu este ano e apenas
um par de filmes marca a diferença entre as duas coleções de filmes, sendo que
este ano essas obras são A Ponte dos Espiões e
Sicario.
As restantes escolhas da Academia são um usual reflexo dos
gostos que os Óscares têm há muito mostrado nesta categoria, com filmes de ação
cheios de tiros e explosões a marcarem uma incontornável presença. Mad
Max: Estrada da Fúria e The Revenant serão, possivelmente,
os grandes favoritos pela violência sensorial dos seus elementos técnicos assim
como pela sua clara popularidade dentro da Academia, pelo menos aquando das nomeações.
É claro que nunca devemos subestimar um filme da saga Star
Wars nas categorias de som. Será que O Despertar da Força vai
alcançar o sucesso dos seus antecessores que, entre eles, arrecadaram 2 Óscares
e um total de 6 nomeações nestas categorias?
Também muito dependente do seu exímio trabalho de som está Perdido
em Marte, outro filme de aventura passado num ambiente espacial. Com um
número de nomeações surpreendentemente pequeno em relação ao que era esperado,
será que o filme de Ridley Scott conseguirá encontrar alguma vitória nestas
categorias mais técnicas?
Como ambas as categorias estão tão interligadas e como já
faltam poucos dias até aos Óscares e eu queria tentar conseguir examinar todos
os nomeados, tirando as curtas-metragens, decidi abordar ambos os galardões e
seus nomeados neste artigo.
RANKING DOS NOMEADOS (Sound Editing):
05. The Martian, Oliver Tarney
Para Perdido em Marte funcionar enquanto
narrativa de sobrevivência e resiliência humana é necessário que o ambiente
hostil de Marte e todo o mundo de mecanismos espaciais seja perfeitamente
credível para a audiência. Esse foi o grande desafio da equipa que criou os
sons para o mais recente filme de Ridley Scott, e é impossível apontar no seu
trabalho qualquer fragilidade. Um trabalho sólido e musculosamente eficiente
que, no entanto nunca chama demasiada atenção para si mesmo. Infelizmente, face
a recentes filmes passados em ambientes semelhantes e em que o som representa
uma porção muito mais vistosa da mise-en-scène, o som de Perdido em Marte consegue
ser um pouco prosaico demais. Mesmo assim, há que destacar o modo como os sons
do deserto marciano são imensamente convincentes e como o constante som de
maquinaria a trabalhar no habitat da NASA confere ao filme um certo perigo e
ameaça que de resto está maioritariamente excluído da abordagem estilística da
obra, revelando nos efeitos sonoros uma curiosa precariedade mesmo nas mais
avançadas construções tecnológicas imagináveis para exploração espacial.
04. The Revenant, Martín Hernández e Lon
Bender
(se não querem
spoilers, evitem este vídeo)
Da minha crítica de The Revenant:
“(…)é o som que se revela como o mais grandioso elemento,
inundando a paisagem sonora com uma colossal densidade de pequenos sons que
juntos compõem um retrato de um esmagador mundo natural que tudo envolve,
afogando os elementos humanos na sua sonoridade(…)”
O mais recente filme de Alejandro Gonzalez Iñarritu é uma
obra completamente obcecada em encontrar e construir um registo de realismo que
exceda as normais convenções desse tipo de experiência cinematográfica. Na
minha opinião, essa abordagem é maioritariamente um fracasso e incrivelmente
reacionária ao trabalho de outros mestres do cinema, mas, tenho de admitir que
o filme me arrebatou no que diz respeito ao seu som, com os efeitos sonoros que
pintam o mundo natural com uma assustadora visceralidade a serem de particular
glória.
03. Star Wars: The Force Awakens,
Matthew Wood e David Acord
Sabres de luz, explosões, viagens espaciais, criaturas
fantasiosas, batalhas intergalácticas, o deslizar de portas numa nave espacial...!
O universo Star Wars sempre esteve recheado de maravilhosos e memoráveis
efeitos sonoros e este novo episódio não foge à regra, oferecendo uma variedade
de formidáveis sons que tanto tornam credível o ambiente fantasioso em que a
narrativa ocorre como são um elemento essencial para alimentar a nostalgia dos
fãs dos filmes anteriores. Muitos dos efeitos sonoros são, aliás, reciclados ou
recriados dos filmes passados da saga, mas, para mim, isso não lhe retira
mérito. Como joia da coroa desta coleção de sons tenho de destacar a
maravilhosa forma de comunicação de BB-8, cujos ruídos eletrónicos são um
milagre de expressividade a partir de uma linguagem limitada e conseguem emular
os semelhantes sons de R2-D2 sem os imitarem por completo, injetando algum
necessário rejuvenescimento à paisagem sonora da saga.
02. Mad Max: Fury Road, Mark A. Mangini
e David White
Explosões são, como já disse, um estranho mainstay desta categoria, sendo que
todos os anos é impossível olhar os nomeados para Melhor Som sem encontrar nele
algum filme de ação cheio de efeitos especiais e uma grande violência sonora.
Este ano, mais nenhum filme se provou tão violento e explosivo como Mad
Max e os seus efeitos sonoros são uma prova disso mesmo. A fisicalidade
do mundo do filme é essencial para a narrativa, e a partir dos ruídos mecânicos
dos vários veículos, da sinfonia de horrores que é a tempestade de areia cheia
de trovões e apocalípticas visões de destruição, de algo tão modesto como o som
do tilintar das partes mecânicas do cinto usado por Charlize Theron, toda a
paisagem apocalíptica ganha vida. Este trabalho de efeitos sonoros é tão
impressionante pela sua variedade e vistosa quantidade, como pela sua
expressividade, sendo que ocasionalmente os efeitos ganham uma qualidade
estilizada que miraculosamente não trai a visceral qualidade do filme, mas
apenas a exacerba. Um trabalho genial.
Da minha crítica de Sicario:
“A música, da autoria de Jóhann Jóhannsson, funde-se com os
efeitos sonoros numa avassaladora atmosfera de constante ameaça. Há algo de
horrendamente opressivo na sonoplastia do filme, como se criaturas infernais se
fossem movimentando debaixo dos pés da audiência, sendo que por vezes parecemos
ouvir a terra mover-se em estrondosa intensidade, como se num submundo
invisível o caos fosse tão grande como na realidade em que habitam as figuras
humanas do filme, e seus movimentos cataclísmicos se fizessem ouvir por toda a
narrativa. Há algo de demoníaco no som, e ao mesmo tempo de impressionantemente
expressionista e imersivo, tornando, em algumas sequências, o som de um caótico
ambiente urbano numa cacofonia infernal digna de pesadelos aterradores.”
Tenho pouco a acrescentar a estas minhas palavras. O som de Sicario
é, honestamente, um dos grandes feitos técnicos do passado ano cinematográfico,
mas acho um pouco estranho o modo como a Academia decidiu nomear a sua edição e
efeitos sonoros ao invés da mistura do som. A conjugação de todos os elementos
da tapeçaria sonora é para mim, a grande genialidade da sonoplastia deste
filme, mas fico feliz com esta nomeação. Os efeitos de Sicario são precisos e
cortantes, assim como são ocasionalmente aterradores na sua estilização. Mesmo
sons que já ouvimos numa infinidade de outros filmes parecem ganhar uma
condição quase demónica em Sicario, como se tiros e o ladrar de
um cão se tornassem em fragmentos de um pesadelo acordado e não simples ruídos
do nosso mundo.
PREVISÕES E DESEJOS:
Quem vai
ganhar: Star Wars: The Force Awakens
Quem eu quero que ganhe: Mad Max: Fury Road
Quem merece ganhar: Sicario
5 escolhas alternativas que a Academia ignorou*:
*Esta seleção
pessoal tem por base a lista de elegibilidade da Academia e não a generalidade
de 2015 enquanto ano cinematográfico.
RANKING DOS NOMEADOS (Sound Mixing):
05. Bridge of Spies, Andy Nelson, Gary
Rydstrom, Drew Kunin
Esta é uma daquelas nomeações que são quase inexplicáveis. É
verdade que se ser chamativo e óbvio não deveria ser um critério para uma
nomeação a um Óscar, mas quando um filme como A Ponte dos Espiões é
nomeado pela sua sonoplastia ao invés de filmes como Sicario, Ex
Machina, Heaven Knows What
ou Creed,
parece-me que a Academia se deixou levar um pouco demais pela sua afeição para
com a mais recente obra de Steven Spielberg. Mesmo assim, o trabalho neste
filme é eficiente e sólido, apesar de não chegar à excelência que eu gostaria
de nele poder encontrar. O elemento mais interessante de todo o desenho do som
é certamente o contraste estabelecido entre os sonoros ambientes urbanos,
suburbanos e profissionais dos EUA e a desolação invernal da Berlim dividida,
onde um constante som de um vento gélido parece contaminar todos os momentos.
Ainda tenho que elogiar o manuseamento da música de Thomas Newman, que,
especialmente para o final do filme, apesar de banal, é inserida de modo
fenomenal no filme, de forma ténue e quase etérea, com os ruídos ambiente e os
silêncios sufocantes a tomarem primazia sobre as melodias convencionais da
banda-sonora. E é claro que também existe a fabulosa sequência da queda de um
avião americano, uma estranha explosão de som num filme caracterizado por uma
respeitosa quietude.
04. The Martian, Paul Massey, Mark
Taylor e Mac Ruth
Tal como os seus efeitos sonoros, a mistura do som de Perdido
em Marte é um exemplo de perfeita eficiência e competente
funcionalismo, mostrando a exímia técnica que caracteriza as melhores obras do
cinema comercial de Hollywood. Tal como acima referi, o som deste filme é uma
das únicas facetas técnicas a sugerir alguma tensão à narrativa, pelo que se
deve valorizar os esforços desta equipa de sonoplastia. Repare-se como, por
exemplo, os sons dos mecanismos que ajudam Watney a sobreviver no ambiente
marciano se vão tornando cada vez mais inescapáveis à medida que o filme
avança, como se o próprio habitat começasse a mostrar marcas do esforço do seu
protagonista. E esta crescente construção de tensão sonora é acompanhada por
uma exímia modulação dos tons narrativos a partir da sonoplastia, que mantém um
belo equilíbrio entre o suspense sugerido pelos sons amealhadores do ambiente,
a jovialidade da banda-sonora repleta de músicas disco e o som da voz dos atores,
um elemento que domina todo o filme mas que nunca se impõe de modo
declarativamente artificial na tapeçaria auditiva de Perdido em Marte.
03. Star Wars: The Force Awakens, Andy Nelson,
Christopher Scarabosio e Stuart Wilson
O trabalho de sonoplastia em filmes como Star
Wars: O Despertar da Força está longe de ser modesto ou subtil mas, por
vezes, consegue ser maravilhosamente belo. É esse o caso deste filme em que as
paisagens sonoras conseguem ser tão magníficas como as mais épicas visões
conjuradas pelos efeitos digitais ou pelos grandiosos cenários. Uma marca da
saga Star
Wars que é colocada em perfeita evidência neste filme é o magistral
equilíbrio entre música, silêncio e ruído, que é conseguido a partir de uma
abordagem dramática e classicista que é quase cliché, mas que funciona de modo
perfeito. Tal como nos grandes épicos de Hollywood, Star Wars demonstra como,
por vezes, é maravilhoso quando a música luxuriantemente orquestral se impõe a
tudo o resto, ou quando, pelo contrário, é melhor deixar os efeitos sonoros
transpirar por entre os movimentos sinfónicos das composições de John Williams,
unindo a fisicalidade do mundo com o seu romantismo cinematográfico. O melhor
exemplo do exímio trabalho de som neste filme ocorre na batalha entre Kylo Ren,
Finn e Rey perto do final da obra. Aí, a música e seu romantismo é colocado em
segundo plano e o poder do vácuo do silêncio torna-se numa sufocante presença,
enquanto os sons fantasiosos dos sabres de luz ganham uma inesperada e intensa
violência. A acrescentar-se a isso, na construção desse duelo climático a
equipa de som mantém sempre presente a respiração cansada dos atores, tornando
algo que podia ser simplesmente fantasioso e adocicado numa inesperada e crua
dose de visceral realidade.
02. The Revenant, Jon Taylor, Frank A.
Montaño, Randy Thom e Chris Duesterdiek
Posso nutrir para com The Revenant uma colossal antipatia,
mas sou um devoto fã da sua sonoridade. Toda a abordagem de Iñarritu tenta
encontrar uma autenticidade visceral na representação do sofrimento e agonia de
Hugh Glass, mas os seus aspetos visuais parecem-me sempre demasiado polidos e
perfeitos para completamente funcionar. O mesmo não acontece com o som e eu
diria que o som consegue um estranho milagre de almejar ao realismo através de
uma estilização quase expressionista. Os sons do mundo à volta de Glass entram
e saem do nosso alcance sensorial como se estivéssemos presos a uma consciência
em debilitado estado e completo pânico, como se, por vezes, a experiência que
estamos a experienciar fosse demasiado insuportável para aguentar a violência
de todos os sentidos. Ouvimos sons distantes cujas fontes nos são meros
espectros de algo que não vemos, tornando o ambiente natural numa catedral da
fúria imparável da Natureza face à insignificância humane e a própria música,
que renuncia a qualquer tipo de harmonia melódica, se torna como que numa
ondulante explosão de tensão ou sonhadora desconexão corporal. Oh, se ao menos
o resto do filme se aproximasse da pura mestria da sua sonoplastia…
01.
Mad Max Fury Road, Chris Jenkins, Gregg Rudloff e Ben Osmo
Sinceramente, Mad Max: Estrada da Fúria merece o Óscar
desta categoria simplesmente pelo modo como a banda-sonora é fundida com os
sons do veículo que transporta o guitarrista de Immortan Joe, concebendo um
casamento de apocalíptica sonoridade que merece para sempre ser lembrado como
um dos pináculos do cinema de ação. Puro génio! Tudo neste filme funciona e o
som é um dos melhores aspetos, sendo que a equipa de sonoplastia conseguiu
encontrar algum semblante de ordem na cacofonia sensorial que é o filme nunca
dando um paço em falso e criando uma obra tão clara e direta como é bizantina e
desconcertante na sua barragem de sons em caótica coexistência. Eu sei que é um
cliché nomear um filme de ação cheio de efeitos especiais e declarativos
ambientes sonoros como o Melhor Som do ano, mas é impossível negar o trabalho
gloriosos desta obra-prima de George Miller.
PREVISÕES E DESEJOS:
Quem vai ganhar: The Revenant
Quem eu quero que ganhe: Mad Max: Fury Road
Quem merece ganhar: Mad Max: Fury Road
5 escolhas alternativas que a Academia ignorou*:
- Macbeth
- Plemya
- Sicario
*Esta seleção
pessoal tem por base a lista de elegibilidade da Academia e não a generalidade
de 2015 enquanto ano cinematográfico.
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