quinta-feira, 25 de fevereiro de 2016

Oscars 2015/16, MELHOR GUARDA-ROUPA




Depois de Jenny Beavan e Paco Delgado terem ganho os Costume Designers Guild Awards para Melhores Figurinos num Filme de Fantasia e de Época, respetivamente, parece que, possivelmente, a esperança de Sandy Powell em ganhar um quarto Óscar se comece a esmorecer. É claro que este sindicato não tem uma relação particularmente próxima dos Óscares, no que diz respeito à semelhança entre as suas escolhas, mas com a sua vitória nos BAFTAs parece que Jenny Beavan poderá vir a ser a figurinista galardoada com o Óscar de Melhor Guarda-Roupa deste ano.

Apesar da minha devoção à magnífica Sandy Powell, sobre a qual poderão ler um pouco nesta minha análise sobre o seu trabalho em Cinderella, eu não ficaria entristecido se Beavan arrecadasse o troféu no próximo domingo. Depois de uma carreira inteira construída em volta de respeitosos filmes de época, esta aventura de Beavan pelo caótico mundo da ficção-científica pós-apocalíptica de Mad Max é uma deliciosa surpresa e uma das mais fascinantes reviravoltas profissionais imagináveis.

De resto, temos Delgado indicado por A Rapariga Dinamarquesa, a sua segunda colaboração com Tom Hooper, Jacqueline West por The Revenent, uma nomeação assegurada somente pela paixão absoluta que a Academia teve por este filme, e Powell por Carol e Cinderella.

Já em 1998, Sandy Powell esteve candidata ao Óscar com duas nomeações, tendo acabado por arrecadar o Óscar em nome de A Paixão de Shakespeare. Será que ela consegue repetir essa vitória neste ano em que volta a desfrutar da rara dupla nomeação?

Apesar de esta ser uma lista de cinco sólidos ou geniais nomeados, eu tenho de admitir que fiquei um pouco desapontado no dia das nomeações. A categoria de Melhor Guarda-Roupa tem vindo a se afirmar como uma das partes da Academia com um gosto mais autónomo e idiossincrático, muitas vezes indicando filmes que não são recordados por mais nenhuma categoria. Infelizmente, neste ano de imprevisibilidades, parece que os figurinistas da Academia escolheram a segurança e conformidade que usualmente rejeitam. Eu duvido, por exemplo, que The Revenant tivesse adquirido esta nomeação se não fosse um dos inegáveis frontrunners ao Óscar de Melhor Filme,





RANKING DOS NOMEADOS:



5. Paco Delgado por The Danish Girl



 





Apesar das minhas colossais reservas em relação ao mais recente filme de Tom Hooper, tenho de reconhecer que os visuais de A Rapariga Dinamarquesa conseguem escapar ao poço de sufocante mediocridade em que o resto do filme se afoga. Os figurinos do filme ficaram a cargo do figurinista espanhol Paco Delgado, que aqui colabora pela segunda vez com o realizador, sendo que Delgado também desenhou os figurinos de Les Misérables. Tal como a cenografia de Eve Stewart, os figurinos de Delgado demonstram uma inteligente delicada paleta cromática inspirada nas pinturas das duas artistas cuja história é retratada no filme. Eu diria mesmo que a grande qualidade que Delgado traz ao seu filme é o seu domínio do uso de materiais e cores, conferindo ao filme um caracter tátil que está completamente ausente da restante mise-en-scène. De destacar também está a construção do guarda-roupa de Lili e da sua transição de um visual masculino a uma identidade exterior completamente feminina, sendo que os fatos largos e cintados desenhados por Delgado são o grande highlight de todo o guarda-roupa. Nem tudo é positivo, no entanto. A narrativa de A Rapariga Dinamarquesa passa-se na segunda metade da década de 20 do século passado e seria de esperar que Delgado tentasse recriar essa realidade, especialmente se considerarmos a estética relativamente realista que caracteriza abordagem estilística do filme. Apesar disso, na primeira metade do filme, Delgado parece completamente ignorar esses dados temporais, construindo um guarda-roupa baseado nas modas do período da Primeira Guerra Mundial. O figurinista alegou em entrevistas que esta escolha foi feita como modo de salientar as restrições sociais impostas sobre o casal no centro da narrativa, sendo que, quando chegam a Paris, as suas roupas mostram uma imensa progressão e adotam as modas vigentes da sua época numa mostra de “libertação”. O problema é que isso vai propositadamente contra as indicações textuais, que salientam numa cena quão curta a saia de Gerde é, por exemplo. Eu tenho noção que A Rapariga Dinamarquesa é uma versão extremamente ficcionada das vidas das suas protagonistas, mas é horrendo quão o filme distorce o seu modo de vida, ignorando quão progressivas as suas atitudes eram para com a sexualidade e as normas sociais. Apesar de Delgado querer simplificar a história de Gerde e Lili num arco narrativo de repressão antiquada e libertação, isso ignora as complexidades das suas vidas e apenas prejudica o filme como um todo. Não que o filme realizado por Hooper precise de muita ajuda para ser um completo desastre.




4. Jacqueline West por The Revenant







Tal como a cenografia concebida por Jack Fisk, o guarda-roupa da autoria de Jacqueline West foi construído com o intuito de edificar para The Revenant um mundo físico autêntico e com uma força visceral. Muitos dos aspetos do filme, como a fotografia e a montagem, tendem a parecer demasiado indulgentes e polidos, mas o vestuário que West criou para este filme está longe de tais impulsos ou fragilidades, primando por uma imensa fidelidade histórica e extrema preocupação em recriar não só o corte e a cor, mas também a textura e temperatura das roupas usadas pelo elenco de personagens que integram esta narrativa de vingança e resiliência humana face à Natureza cruel. O trabalho de investigação, focado tanto em registos textuais como em retratos e fotografias dos povos nativos americanos da região, deu os seus frutos, concedendo aos figurinos de The Revenant uma forte presença que, apesar de imensamente deselegante e quase monótona, é de louvar. Apesar da maior parte dos figurinos, devido à sua cor e sujidade, parecerem quase idênticos à distância, West construiu pequenas coleções de precisos detalhes a diferenciar cada figura humana, delineando as suas origens e condição social antes da narrativa. Talvez o mais notório exemplo de caracterização através da linguagem do vestuário seja mesmo o contraste entre Glass, vestido em leves roupas baseadas em trajes de nativos americanos, e o peso e corpulência de Fitzgerald com o seu casaco feito de múltiplas espécies de animais, como que uma prova visual da sua hubris e aptidão para indecente carnificina. O trabalho de West é um aspeto essencial da experiência sensorial que The Revenant pretende criar, sendo que as suas criações, feitas de materiais autênticos, são uma componente indispensável de uma mise-en-scène em que o abater das monumentais adversidades naturais sobre a figura humana é também integralmente inserido em todo o discurso visual concebido por West.




3. Jenny Beavan por Mad Max: Fury Road




 


 

Toda a construção do mundo pós-apocalíptico de Mad Max: Estrada da Fúria é um milagre cinematográfico de enlouquecida criatividade e impetuosa irreverência e os figurinos de Jenny Beavan não destoam. A figurinista inglesa constrói no guarda-roupa deste filme uma infernal visão de um futuro de uma humanidade desolada, onde uma nova cultura emergiu dos escombros do passado, resultando em novas estéticas, onde reina um barroco gosto por decoração e onde novas iconografias surgiram, nomeadamente as criadas em torno da figura ditatorial e religiosa de Immortan Joe. Beavan desenvolveu o seu trabalho a partir do estilo desenvolvido pelos filmes anteriores da saga Mad Max, acrescentando-lhe uma estranha veracidade necessária para a visceral intensidade que Miller conjurou no quarto volume deste bizarro franchise. Para mim, a melhor faceta destes figurinos é o verdadeiro oceano de pequenos e grotescos detalhes que cobrem todas as figuras humanas em cena, concebendo uma imagem cinematográfica que se assemelha a uma pintura de Hyeronymus Bosch sob o efeito de drogas psicadélicas e mesclado com a destruição de um apocalipse nuclear. Poderia escrever parágrafos sem fim sobre cada um dos figurinos e seus geniais detalhes, como o uso de cabeças de bonecas como decoração de um traje de batalha ou o fino linho que cobre os corpos das noivas como símbolo de uma delicadeza preciosa que sobrevive na imperdoável realidade deste universo sanguinário. Este é o trabalho de uma genial figurinista e merece especial admiração por ser uma nomeação tão gloriosamente atípica, com o seu foco em ficção-cientifica e completa recusa de quaisquer compromissos criativos ou confortável elegância visual.




2. Sandy Powell por Cinderella






 





Da minha crítica de Cinderela:

“O génio dos figurinos de Sandy Powell é de particular louvor, encontrando uma estética bastante reminiscente da animação da Disney em personagens como a madrasta (Cate Blanchett) cujos figurinos têm todos praticamente a mesma silhueta reminiscente dos anos 40, apesar das cores e materiais diversos, criando a impressão de uma figura animada com um modelo específico e algumas variações. O modo como se inspira em pormenores visuais do século XVIII e XIX também lembra o trabalho dos animadores da Cinderella de 1950. As suas criações, especialmente na cena do baile, são um exagero imenso e cor e detalhe, apesar da relativa simplicidade do vestido da protagonista, mas, apesar de tudo, parecem encontrar um certo equilíbrio nesse mesmo excesso.”

Há muitos anos que admiro a brilhante Sandy Powell, e este ano a rainha dos figurinos do cinema contemporâneo não desapontou os seus devotos fãs. Em Cinderella, podemos observar a figurinista inglesa a trabalhar com o suporte e apoio de toda a instituição milionária que é a Disney, permitindo-lhe ir a níveis de excesso, opulência e detalhe que nunca antes se tinham verificado na sua carreira. Não há compromissos nos figurinos de Cinderella, simplesmente uma explosão de visuais primorosos, concebidos por uma das mais gloriosas mentes do cinema contemporâneo. O seu uso de cor, referencias de diferentes épocas, surpreendente simplicidade em momentos específicos e seu cuidado, mas simples, discurso visual, fazem de Cinderella um dos mais essenciais filmes para qualquer fã de figurinos em cinema. Este é um sonho tornado cinema, com todo o luxo e beleza que os nomes de Powell e da Disney sugerem, tão apelativo a um olho inocente e infantil como fascinantes para uma audiência com mais maturidade e sede por sofisticação. Bravíssima!




1. Sandy Powell por Carol




 



 

 




Se Cinderella é uma montra para Sandy Powell demonstrar o seu génio do modo mais opulente e gritado imaginável, Carol é um dos mais sussurrados e delicados trabalhos que Powell alguma vez concebeu. Nesta adaptação de um romance de Patricia Highsmith, a atmosfera de uma época passada é conjurada por uma cuidada mise-en-scéne, onde cada um dos elementos visuais é uma gentil pincelada que, no final, resulta numa magistral visão de um mundo de outros tempos, apresentado como algo semelhante a uma memória enevoada pelo tempo, e espicaçada pela intensidade das emoções da sua narrativa. Inspirada na fotografia da época, especialmente a de Saul Leiter e Vivian Maier, a equipa de Todd Haynes concretizou essa tão etérea e romântica atmosfera, fugindo aos clichés deste tipo de exercício em cinema de época e concebendo uma experiência mais sensorial e reticente que declarativamente expositiva e pejada de clichés. Eu diria mesmo que a maior mostra de génio de Powell é o modo como a figurinista define o período histórico do inverno de 1952, desenhando um guarda-roupa maioritariamente enraizado nos estilos do pós-guerra dos anos 40. A Nova Iorque conjurada pelas criações de Powell não é uma visão arquétipo da prosperidade americana da década de 50, mas sim um retrato de uma nação em melancólico rejuvenescimento, onde a sombra da austeridade bélica ainda se faz sentir sobre a vida de todos, pelo menos a um nível visual. Com esse ponto de partida, Powell constrói um guarda-roupa onde a estratificação social da época é colocada em evidência e vê criando em cada personagem uma caracterização precisa e cuidada. Apesar desta minha celebração da rejeição que Powell fez às últimas tendências de 1952, uma das personagens é vestida com todo o esplendor da moda da época. Como Carol Aird, Cate Blanchett é um objeto de desejo sedutor e luxuoso, cheia de estilo e seguidora da moda, sendo que os figurinos são uma parte essencial de todo o romance que se vai desabrochando. Observamos Therese Belivet admirar Carol e focar-se em pequenos detalhes como a textura da seda de um vestido, ou o cabedal de um par de luvas, ou o suave toque de um casaco de marta loira. Em Carol, Powell alcançou uma sofisticação e disciplina visual que nem eu, um admitido fã, a julgava capaz de alcançar. Mais nenhum guarda-roupa deste ano e destacou tanto pela sua elegância, pela qualidade tátil dos seus figurinos, pela complexidade emocional integre no discurso visual. Powell é uma deusa e, pelo seu génio, ela merece a nossa veneração. Oxalá os Óscares aceitem a sua magnificência e mostrem o seu respeito para com esta visão de absoluta e apaixonante perfeição visual.



PREVISÕES E DESEJOS:

Quem vai ganhar: Jenny Beavan

Quem eu quero que ganhe: Jenny Beavan

Quem merece ganhar: Sandy Powell



5 escolhas alternativas que a Academia ignorou*:
  • Ruth E. Carter por Chi-Raq
  • Jacqueline Durran por Macbeth
  • Kate Hawley por Crimson Peak
  • Joanna Johnston por The Man from U.N.C.L.E.
  • Anaïs Romand por Saint Laurent



*Esta seleção pessoal tem por base a lista de elegibilidade da Academia e não a generalidade de 2015 enquanto ano cinematográfico.


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