Juntamente com a categoria de Melhor Fotografia, esta é
provavelmente a categoria que mais reúne incomparáveis filmografias. Apenas Jóhann
Jóhannson se destaca como uma ovelha negra, mas, tendo em conta a qualidade
recente do seu trabalho, daqui uns anos talvez o seu nome não destoe tanto
neste grupo de génios musicais. O seu trabalho, nesta coleção de
bandas-sonoras, é certamente o menos melodioso e, consequentemente, a mais
atípica escolha da Academia, que, na minha opinião, devia dar muito mais valor
a bandas-sonoras que tomam uma abordagem diferente da usual beleza de uma
orquestra classicista que tanto parece dominar esta categoria todos os anos.
A competir com Jóhannson pelo Óscar de Melhor Banda-sonora
Original estão duas verdadeiras lendas vivas do mundo da música de cinema, John
Williams e Ennio Morricone. Neste momento, Williams já tem mais de 40
nomeações, tendo já arrecadado 5 Óscares pelo que eu espero que ele não ganhe.
Afinal, é muito mais interessante quando a Academia honra vozes diferentes e
não sempre a mesma pessoa. Morricone, por exemplo, apesar do seu estatuto quase
divino na história do cinema, nunca ganhou um Óscar, pelo que eu duvido que a
Academia consiga resistir à oportunidade de honrar este monumento vivo dos
epítetos gloriosos a que pode chegar a música composta para filmes.
Outro compositor que nunca recebeu um Óscar, apesar da
aclamação da crítica é Thomas Newman, Este americano já conta com 13 nomeações
e já seria hora da Academia finalmente celebrar o seu trabalho, que inclui
filmes como American Beauty, Wall-E e Skyfall, três filmes
pelos quais Newman recebeu nomeações.
Por último temos Carter Burwell, um dos melhores compositores
do cinema americano contemporâneo que, apesar de uma constante genialidade no
seu trabalho, nunca havia sido nomeado anteriormente. Somente o seu trabalho
com os irmãos Coen já lhe devia ter garantido uma nomeação, mas foi preciso a
beleza inegável de Carol para a Academia finalmente se aperceber da magnificência
musical deste compositor.
RANKING DOS NOMEADOS:
Quem tiver lido a minha crítica do mais recente filme de
Quentin Tarantino já deverá conhecer a minha relação muito pouco amistosa com
esta obra. No entanto, um dos melhores aspetos de Os Oito Odiados é a sua
banda-sonora, concebida por um dos grandes mestres da música em cinema, Ennio
Morricone. Esta lenda viva foi certamente escolhida por Tarantino devido ao seu
trabalho nos spaghetti westerns das décadas de 60 e 70, filmes em que Morricone
criou peças musicais de beleza estonteante e inexoravelmente inesquecíveis.
Desafio quem quer que leia este texto a ver os grandes westerns de Sergio Leone
sem ficar impressionado com a sua gloriosa música. Enfim, apesar de todas as
suas fragilidades enquanto autor, Tarantino sempre mostrou um soberbo gosto
musical e em Os Oito Odiados esse gosto volta a marcar presença, resultando
numa das melhores bandas-sonoras do ano. Tal como John Williams, também
Morricone usa para esta banda-sonora mecanismos e fórmulas que caracterizaram
os seus trabalhos passados, mas o compositor italiano teve a sagacidade de não
descurar o poder iconográfico do seu trabalho, conferindo a Os
Oito Odiados uma potente identidade musical. Desde a épica introdução,
que imediatamente estabelece uma atmosfera de classicismo cinematográfico,
assim como uma ameaçadora tensão, Morricone demonstra a sua genialidade e
apesar do resto do filme ser dominado pelo diálogo, o trabalho desta lenda
nunca perde poder ou qualidade.
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Da minha crítica de Sicario:
“Ainda mais importante e magistral que o visual do filme é o seu estupendo som. A música, da autoria de Jóhann Jóhannsson, funde-se com os efeitos sonoros numa avassaladora atmosfera de constante ameaça. Há algo de horrendamente opressivo na sonoplastia do filme, como se criaturas infernais se fossem movimentando debaixo dos pés da audiência, sendo que por vezes parecemos ouvir a terra mover-se em estrondosa intensidade, como se num submundo invisível o caos fosse tão grande como na realidade em que habitam as figuras humanas do filme, e seus movimentos cataclísmicos se fizessem ouvir por toda a narrativa. Há algo de demoníaco no som, e ao mesmo tempo de impressionantemente expressionista e imersivo, tornando, em algumas sequências, o som de um caótico ambiente urbano numa cacofonia infernal digna de pesadelos aterradores.”
É difícil imaginar que o mesmo compositor responsável pela genérica e melodiosa banda-sonora de A Teoria de Tudo foi o responsável por este genial apocalipse sonoro. Esta é, sem dúvida, uma das mais magistrais composições musicais do cinema de 2015, sendo crucial para toda a atmosfera do filme. Em termos de ousadia e de coragem em cair em momentos de puro caos sonoro, apenas The Childhood of a Leader é comparável. Sinceramente, é uma enorme surpresa que este trabalho tenha recebido uma nomeação, mas é simplesmente espetacular o facto de tal ter acontecido.
Tal como todos os aspetos de Carol, a banda-sonora de Carter Burwell é um sonho de perfeição formal e artística tornada realidade. Nas melodiosas composições deste mestre compositor, o romantismo apaixonante de toda a narrativa explode em momentos de gloriosa e luxuriante sonoridade, sendo que, em algumas cenas, a própria música se parece desfragmentar, com as melodias a se decomporem e uma certa qualidade etérea a se manifestar, como a cena em que Carol e Therese passam por um túnel na sua viagem para a opulenta residência da personagem titular. Admito que parte do meu afeto devém do modo como o tema principal do filme me lembra as repetitivas e memoráveis composições de Philip Glass para As Horas de Stephen Daldry, mas é-me impossível resistir à avassaladora beleza conjurada pela música de Burwell. Para além desse tema principal, que abre o filme, e do momento do túnel, outro destaque da banda-sonora é a peça que parece representar a memória de Therese e que se manifesta pela primeira vez aquando de uma viagem de táxi no início do filme. Nessa composição há algo de reticente e nostálgico, quase que uma captura do som do que é uma pessoa se relembrar de felicidades passadas, uma experiência reveladora e tocante, mas invariavelmente melancólica e amarga. Belíssimo!
PREVISÕES E DESEJOS:
Quem vai ganhar: Ennio
Morricone
Quem eu quero que
ganhe: Jóhann Jóhannson
Quem merece ganhar:
Carter Burwell
Cinco escolhas alternativas que a Academia ignorou*:
- Disasterpiece por It Follows
- Junkie XL por Mad Max: Fury Road
- Craig Armstrong por Far from the Madding Crowd
- Ludwig Göransson por Creed
- Daniel Pemberton por The Man from U.N.C.L.E.
*Esta seleção pessoal tem por base a lista de elegibilidade
da Academia e não a generalidade de 2015 enquanto ano cinematográfico.
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