A maior parte das pessoas, mesmo os mais devotos cinéfilos,
quando pensam em Vivien Leigh pensam numa das suas duas lendárias performances,
imortalizadas pela vitória nos Óscares. Mas Leigh, apesar de uma filmografia
limitada tanto pelo seu trabalho no palco como pelos seus problemas pessoais,
foi sempre uma presença fascinante e luminosa em todos os filmes que
participou. A atriz de Gone with the Wind e A
Streetcar Named Desire tinha a infeliz tendência de cair em maneirismos
teatrais e exagerados em muitos dos seus trabalhos cinematográficos, mas quando
a atriz, o filme, o papel e o realizador conseguiam entrar em sintonia de
estilos e intenções, algo quase mágico se manifesta.
Excluindo os seus
dois lendários anteriormente referidos, talvez a mais fabulosa interpretação em
filme de Leigh seja o seu trabalho na tragédia romântica Waterloo Bridge. O filme
de 1940 é uma adaptação de uma peça teatral com o mesmo nome, já adaptada ao
cinema nos anos 30. Aqui, a superestrela britânica interpreta Myrna, uma
bailarina que se apaixona por um oficial durante a 1ª Guerra Mundial. A
protagonista e o seu amado, Roy (Robert Taylor), conhecem-se durante um ataque
aéreo na ponte titular e em pouco tempo estão loucamente apaixonados, sendo a
sua paixão, admitidamente alimentada pela constante ameaça que os rodeia em
tempos de guerra. Eventualmente, os dois decidem casar-se mas, antes de o
conseguirem fazer, Roy é repentinamente enviado para a frente e Myrna,
recentemente desempregada depois de ter desafiado a chefe da sua companhia ao
ir despedir-se de Roy à estação de comboios, é deixada sozinha no meio da
Londres da época, apenas apoiada pela sua melhor amiga e companheira de casa,
Kitty (Virginia Field).
Antes de um fatídico encontro com a mãe do seu noivo, Myrna
descobre o nome de Roy na lista publicada de oficiais mortos na frente,
levando-a a cair numa espiral de crescente desespero. Sem razão para viver,
Myrna contempla o suicídio mas eventualmente decide tentar sobreviver do único
modo que consegue, prostituindo-se como Kitty que andava em segredo a
sustentar-se a si e à sua amiga a partir da venda de seu corpo. Waterloo
Bridge é um melodrama romântico pelo que Roy acaba por estar vivo e aquando
do seu regresso ele depara-se imediatamente com Myrna. Os dois retornam o seu
romance, mas a protagonista esconde de Roy tudo o que fez para sobreviver,
sendo assombrada pela culpa.
Leigh que é luminosa, charmosa e apaixonante na primeira
metade do filme é uma revelação de reações silenciosas nesta segunda,
mostrando, com a clareza necessária a este registo melodramático, a tempestade
emocional que vai rapidamente corroendo o espírito de Myrna. No final, seguindo
uma lógica narrativa bastante misógina e repugnante, a martirizada pecadora
foge do noivo e decide acabar com a vida. Interessantemente, LeRoy e,
especialmente o elenco, parecem ir contra esta tese sexista de modo subtil mas
eficaz. Apesar da sua opinião de si mesma, o filme nunca corrobora a noção que
Myrna tem da sua falta de valor, sempre a apresentando luminosa e nunca como a
cliché mulher caída. Waterloo Bridge não é nenhum The
Sin of Madelon Claudet e Leigh nunca se deixa tornar nenhuma visão de
grotesca decadência.
Tirando a luminosa interpretação de Leigh, o mais
impressionante membro do elenco é, sem dúvida, Virginia Field. No seu melhor
momento, Kitty revela a Myrna o modo como tem andado a conseguir o dinheiro que
as sustenta, e a atriz é brilhante ao não martirizar a sua personagem. Kitty
aparenta estar furiosa com a sua condição, mas segura das suas escolhas e essa
talvez seja a mais chocante parte do filme, o modo como esta personagem
secundária nunca é julgada pelo filme, mas sempre é um píncaro de força e
segurança.
O restante elenco é sólido, e formalmente o filme é de um
convencionalismo imenso, mas inequivocamente eficaz. Mervin LeRoy nunca foi o
mais primoroso dos realizadores da era dos grandes estúdios de Hollywood, mas
em Waterloo Bridge há uma inequívoca
sofisticação. A fotografia e a música são de particular relevância, conferindo
ao período de guerra uma beleza fantasmagórica e imensamente romântica,
especialmente nas cenas noturnas na ponte titular. Talvez a mais marcante
escolha a respeito da concretização formal do filme, seja mesmo o design que é
decididamente contemporâneo. Era normal filmes de época, nesta era da história
de Hollywood, ignorarem a realidade do passado, mas aqui isso parece uma
escolha fortemente específica e intencional. Waterloo Bridge pode ser
um filme sobre a 1ª Guerra mas, feito em 1940, é impossível não ver o filme
como uma espécie de carta de amor de Hollywood para com uma Inglaterra sob a
ameaça germânica.
Apesar de tudo isto, Waterloo Bridge é um filme pouco
complexo e melodramático, típico das fórmulas da sua época. Para quem, como eu,
tenha um certo fascínio e adoração pelo apaixonado classicismo deste tipo de
produção, o filme é um píncaro do seu especifico género, sendo um maravilhoso
exemplo de uma lacrimosa tragédia romântica da década de 40.
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