sexta-feira, 1 de janeiro de 2016

WATERLOO BRIDGE (1940) de Mervyn LeRoy


Waterloo Bridge Vivien Leigh


A maior parte das pessoas, mesmo os mais devotos cinéfilos, quando pensam em Vivien Leigh pensam numa das suas duas lendárias performances, imortalizadas pela vitória nos Óscares. Mas Leigh, apesar de uma filmografia limitada tanto pelo seu trabalho no palco como pelos seus problemas pessoais, foi sempre uma presença fascinante e luminosa em todos os filmes que participou. A atriz de Gone with the Wind e A Streetcar Named Desire tinha a infeliz tendência de cair em maneirismos teatrais e exagerados em muitos dos seus trabalhos cinematográficos, mas quando a atriz, o filme, o papel e o realizador conseguiam entrar em sintonia de estilos e intenções, algo quase mágico se manifesta.

Excluindo os seus dois lendários anteriormente referidos, talvez a mais fabulosa interpretação em filme de Leigh seja o seu trabalho na tragédia romântica Waterloo Bridge. O filme de 1940 é uma adaptação de uma peça teatral com o mesmo nome, já adaptada ao cinema nos anos 30. Aqui, a superestrela britânica interpreta Myrna, uma bailarina que se apaixona por um oficial durante a 1ª Guerra Mundial. A protagonista e o seu amado, Roy (Robert Taylor), conhecem-se durante um ataque aéreo na ponte titular e em pouco tempo estão loucamente apaixonados, sendo a sua paixão, admitidamente alimentada pela constante ameaça que os rodeia em tempos de guerra. Eventualmente, os dois decidem casar-se mas, antes de o conseguirem fazer, Roy é repentinamente enviado para a frente e Myrna, recentemente desempregada depois de ter desafiado a chefe da sua companhia ao ir despedir-se de Roy à estação de comboios, é deixada sozinha no meio da Londres da época, apenas apoiada pela sua melhor amiga e companheira de casa, Kitty (Virginia Field).


Waterloo Bridge Vivien Leigh


Antes de um fatídico encontro com a mãe do seu noivo, Myrna descobre o nome de Roy na lista publicada de oficiais mortos na frente, levando-a a cair numa espiral de crescente desespero. Sem razão para viver, Myrna contempla o suicídio mas eventualmente decide tentar sobreviver do único modo que consegue, prostituindo-se como Kitty que andava em segredo a sustentar-se a si e à sua amiga a partir da venda de seu corpo. Waterloo Bridge é um melodrama romântico pelo que Roy acaba por estar vivo e aquando do seu regresso ele depara-se imediatamente com Myrna. Os dois retornam o seu romance, mas a protagonista esconde de Roy tudo o que fez para sobreviver, sendo assombrada pela culpa.

Leigh que é luminosa, charmosa e apaixonante na primeira metade do filme é uma revelação de reações silenciosas nesta segunda, mostrando, com a clareza necessária a este registo melodramático, a tempestade emocional que vai rapidamente corroendo o espírito de Myrna. No final, seguindo uma lógica narrativa bastante misógina e repugnante, a martirizada pecadora foge do noivo e decide acabar com a vida. Interessantemente, LeRoy e, especialmente o elenco, parecem ir contra esta tese sexista de modo subtil mas eficaz. Apesar da sua opinião de si mesma, o filme nunca corrobora a noção que Myrna tem da sua falta de valor, sempre a apresentando luminosa e nunca como a cliché mulher caída. Waterloo Bridge não é nenhum The Sin of Madelon Claudet e Leigh nunca se deixa tornar nenhuma visão de grotesca decadência.


Waterloo Bridge Vivien Leigh


Tirando a luminosa interpretação de Leigh, o mais impressionante membro do elenco é, sem dúvida, Virginia Field. No seu melhor momento, Kitty revela a Myrna o modo como tem andado a conseguir o dinheiro que as sustenta, e a atriz é brilhante ao não martirizar a sua personagem. Kitty aparenta estar furiosa com a sua condição, mas segura das suas escolhas e essa talvez seja a mais chocante parte do filme, o modo como esta personagem secundária nunca é julgada pelo filme, mas sempre é um píncaro de força e segurança.

O restante elenco é sólido, e formalmente o filme é de um convencionalismo imenso, mas inequivocamente eficaz. Mervin LeRoy nunca foi o mais primoroso dos realizadores da era dos grandes estúdios de Hollywood, mas em Waterloo Bridge há uma inequívoca sofisticação. A fotografia e a música são de particular relevância, conferindo ao período de guerra uma beleza fantasmagórica e imensamente romântica, especialmente nas cenas noturnas na ponte titular. Talvez a mais marcante escolha a respeito da concretização formal do filme, seja mesmo o design que é decididamente contemporâneo. Era normal filmes de época, nesta era da história de Hollywood, ignorarem a realidade do passado, mas aqui isso parece uma escolha fortemente específica e intencional. Waterloo Bridge pode ser um filme sobre a 1ª Guerra mas, feito em 1940, é impossível não ver o filme como uma espécie de carta de amor de Hollywood para com uma Inglaterra sob a ameaça germânica.


Waterloo Bridge Vivien Leigh


Apesar de tudo isto, Waterloo Bridge é um filme pouco complexo e melodramático, típico das fórmulas da sua época. Para quem, como eu, tenha um certo fascínio e adoração pelo apaixonado classicismo deste tipo de produção, o filme é um píncaro do seu especifico género, sendo um maravilhoso exemplo de uma lacrimosa tragédia romântica  da década de 40.


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