Depois de duas nomeações e um Óscar, imensamente pouco
merecido, parece que Jennifer Lawrence está no caminho de mais uma indicação ao
prémio mais prestigioso da Hollywood atual pelo seu trabalho num filme da
autoria de David O. Russell. O realizador americano, que fez parte da enchente
novas vozes autorais a se manifestarem inicialmente nos anos 90 durante o auge
do cinema independente, foi responsável por dirigir a atriz por já três vezes,
sendo que pela sua primeira colaboração, a atriz venceu o Óscar.
Desde 2012, quando Jennifer Lawrence chegou ao estrelato
absoluto e arrecadou o galardão para Melhor Atriz num Papel Principal pela sua
prestação em Silver Linings Playbook, que eu tenho nutrido uma grande
antipatia pela atriz. Durante alguns anos, desejei que a atriz que tanto
potencial e vulnerabilidade tinha mostrado em Winter’s Bone conseguisse
afirmar-se no mundo do cinema, e tal começou finalmente a acontecer com a sua
participação nos filmes do X-Men, onde infelizmente o trabalho
de Lawrence não foi, de modo algum, impressionante. Finalmente, com o primeiro
filme da saga The Hunger Games parecia que todo o mundo tinha acordado para o
potencial da jovem intérprete americana, mas nesse mesmo ano veio o filme de
David O. Russell, e a minha admiração pela atriz foi extinta com a mesma
facilidade que a frágil e insegura chama de uma vela.
Nesse filme, o mundo teve o primeiro vislumbre de Lawrence e
o seu luminoso carisma de estrela sob a orientação do indisciplinado David O.
Russell, cuja abordagem a dirigir atores parece ser juntar o máximo de atores
com estilos completamente diferentes, não lhes dar quaisquer limitações, e ver
a tempestade de improvisação e maneirismos que daí aparece. Como uma viúva a
sofrer de uma debilitante depressão, a jovem Jennifer Lawrence decerto que
brilhou com o mesmo tipo de presença que caracterizou muitas das mais adoradas
estrelas das comédias da era dourada dos estúdios de Hollywood, mas para além
disso, a atriz teve pouco para oferecer, revelando-se como uma intérprete imensamente
imatura e incapaz de revelar a complicada interioridade que o texto exige que a
sua personagem possua. Basicamente, Lawrence tornou a sua Tiffany numa
incontornável Manic Pixie Dreamgirl,
e, para minha grande surpresa e horror, conseguiu revelar tal atrocidade de
redutivismo e erróneo simplismo até ao palco do Dolby Theatre, onde arrecadou o
Óscar que deveria ter sido entregue a Emmanuelle Riva.
Apesar de tal catástrofe, eu ainda tinha esperanças que a
atriz se conseguisse redimir, especialmente quando American Hustle começou a
ser falado como um formidável showcase para a atriz ao estilo dos mais
ensandecidos caper films do cinema de
entretenimento do passado. Quando finalmente vi American Hustle não foi
sucesso o que eu encontrei, mas sim a atriz a interpretar novamente uma
personagem demasiado velha para si e portadora de uma complexidade que nunca é
percetível pelo trabalho caricaturado da atriz. Sinceramente, eu penso que isto
é grande culpa de O. Russell e não da atriz, mas isso não altera o facto de que
apenas numa cena partilhada com Jack Huston é que eu tive um vislumbre do génio
que tantos pareciam estar a ver no trabalho de Lawrence. Amy Adams e Bradley
Cooper são perfeitos contraexemplos para o trabalho de Lawrence, sendo que os dois
atores apresentam trabalhos imensamente estilizados e exagerados ao estilo da
nova musa de O. Russell, mas ambos têm a mestria de injetar uma boa dose de
desespero e latente humanidade nos seus retratos, algo que Lawrence parece ser
incapaz de fazer.
Depois de todas estas palavras sobre o trabalho de Jennifer
Lawrence e David O. Russell escusado será dizer que eu não tinha grandes
expectativas de encontrar qualquer vislumbre de qualidade na mais recente
colaboração dos dois. No entanto, tenho de dizer que Joy me surpreendeu pela
positiva.
De modo geral, o filme é um indisciplinado melodrama, que,
apesar de tudo, consegue encontrar momentos de delicada e inesperada
melancolia, tornando-se numa obra catastroficamente problemática que no entanto
consegue ser uma boa peça de entretenimento com algumas complexidades
agradáveis. Depois de dois filmes em que Lawrence tinha de partilhar o holofote
com uma coleção de outros atores com semelhante ou superior importância
dramatúrgica, O. Russell concebe Joy como o derradeiro star vehicle para Jennifer Lawrence e,
de modo geral, parece-me que finalmente a atriz e o realizador conseguiram
produzir algo de mérito entre os seus esforços.
Lawrence interpreta a personagem titular, Joy Mangano, uma
mãe divorciada em 1989, que, seguindo os seus sonhos de infância, decide
tornar-se numa inventora e acaba por conceber a Miracle Mop, um produto de
limpezas que, com muito esforço seu e da sua família, acabou por a catapultar
para uma vida de sucesso comercial. Mas, ao contrário do que seria de esperar,
o filme de David O. Russell é estranhamente desinteressado no sucesso da sua
protagonista, passando a grande maioria da sua duração a examinar e explorar as
lutas e os fracassos que se interpuseram entre esta empreendedora americana e o
seu sonhador triunfo. Ou seja, é um clássico melodrama de intenções
inspiradoras sobre um underdog que se
consegue afirmar apesar de todo o mundo estar contra si.
Quando o filme começa, pessoas que tenham visto as passadas
obras do seu realizador irão imediatamente assumir que esta é outra obra de
energética indisciplina cheia de jovial cacofonia. Isto é parcialmente correto,
pelo menos em relação à primeira metade do filme. Durante estes primeiros
momentos, Lawrence mostra novamente a sua presença de estrela a ser empregue a
um papel imensamente mais maturo que a atriz parece apta para interpretar.
Mesmo assim, o carisma natural de Lawrence consegue aguentar bem os mais
problemáticos momentos da narrativa, mostrando algo daquele desespero nervoso
que tanto enriqueceu o trabalho de Amy Adams e Bradley Cooper no anterior filme
de David O. Russell. Joy Mangano pode ser uma formidável e resiliente
personificação da impetuosidade americana, mas há um constante desespero e
melancolia a informarem as escolhas da atriz, que mesmo nos seus momentos de
sucesso parece transmitir um invariável cansaço.
O ponto de viragem, tanto na qualidade do filme como no
trabalho da atriz vem aquando da participação de Joy no programa de televendas
da QVC, tentando vender o fruto do seu trabalho em direto. É aqui que a atriz
demonstra uma formidável mestria sobre a sua personagem e sobre as necessidades
do filme. Lawrence é uma estrela de cinema, disso não há dúvida, mas
curiosamente um dos seus melhores atributos enquanto intérprete devém
precisamente da sua negação dessa mesma natureza de estrela como ela fez com a
nervosa Katniss Everdeen nos primeiros dois filmes da saga Hunger Games. Ver
Lawrence interpretar o colossal desconforto de Joy Mangano em frente a câmaras
pela primeira vez na vida é uma delícia incalculável e uma perfeita exposição
dos talentos da atriz que, nesta sequência torna Joy numa heroína fortemente
humana e arrebatadoramente vulnerável apesar da sua força e imbatível vontade
de vencer neste mundo.
Esse é o píncaro do trabalho da atriz, mas durante a maior
parte do restante filme, Jennifer Lawrence mantém o mesmo sólido nível de
qualidade, com apenas alguns momentos a mostrarem algumas das fragilidades
tanto do papel como do filme. Falo mais especificamente das cenas em que
Lawrence precisa de demonstrar algum tipo de poder autoritário, com especial
destaque para uma espécie de epílogo que a encontra como uma consumada mulher
de negócios. Aqui, a relativa imaturidade da atriz volta a desferir um forte
golpe sobre o seu trabalho, revelando como uma atriz de uma idade mais avançada
ou com uma presença que não seja tão dependente da sua jubilante juventude
poderia ser uma melhor escolha para o papel.
De momento, uma nomeação não parece ser uma certeza, mas
veremos o que vai acontecer. Apenas Saoirse Ronan por Brooklyn, Brie Larson em Room
e Cate Blanchett em Carol parecem ter assegurado a sua presença entre os nomeados,
mas, se a História se for repetir, Lawrence pode estar segura de ir receber
mais uma nomeação pela sua colaboração com O. Russell. Eu, pessoalmente, nunca
a escolheria como uma das cinco melhores prestações por uma atriz principal em
2015, mas fico entristecido ao pensar que Lawrence terá a infeliz distinção de
ser nomeada e galardoada por alguns dos seus piores trabalhos quando algumas
das suas interpretações infinitamente superiores são ignoradas. Enfim, podemos
sempre lembrar-nos da sua primeira nomeação por Winter’s Bone.
Sem comentários:
Enviar um comentário