terça-feira, 12 de janeiro de 2016

Oscar Hopefuls, Colin Gibson e Lisa Thompson por MAD MAX: FURY ROAD




Tradicionalmente, os Óscares reconhecem cenografias opulentas, belas, minuciosamente detalhadas e ricas em monumentais interiores. O trabalho de Colin Gibson e Lisa Thompson é certamente grandioso mas a sua glória não se encontra na criação de luxuosos interiores mas sim no exército de apocalípticas viaturas que formam a perseguição enlouquecida que marca todo o filme de George Miller.




A War Rig em que os protagonistas viajam durante praticamente todo o filme é certamente o mais icónico desses veículos, sendo que, com as suas variadas partes, o camião tornado máquina de guerra contém em si a riqueza de informação visual e complexidade dos melhores cenários que este ano estão na provável mira dos Óscares. Alguns dos melhores momentos de Mad Max, aliás, consistem na intrépida passagem das personagens pelas várias áreas da War Rig quando esta se encontra em movimenta. Quando isto é feito durante o momento de sanguinária batalha, o efeito é ainda mais espetacular.




De destacar na War Rig está o interior da zona do condutor, onde todas as superfícies se encontram cobertas com algum tipo de detalhe decorativo. Num mundo tão miserável como aquele presente em Mad Max: Estrada da Fúria é curioso vermos a necessidade da humanidade por beleza, por algum semblante de conforto visual. É claro que a estética aqui presente é bastante diferente do que usualmente consideraríamos elegante, mas é inegavelmente impressionante. Quem diria que uma das melhores maneiras de concretizar uma sociedade miserável, no meio de um deserto pós-apocalíptico, seria a partir de um gosto quase barroco pelo detalhe?




As restantes viaturas desta perseguição seguem a mesma lógica de loucura barroquista aplicada a imagens de mortífera agressividade. Como Monster Trucks desenhadas por Bernini para uma cultura de constante guerra, todos os veículos são verdadeiras obras-de-arte sobre rodas, rasgando a beleza simples e monumental dos exteriores desérticos com complicadas silhuetas, cheias de sinuosos apêndices, como as lanças que balançam com cada movimento errático destas construções.






Para mim, a melhor das viaturas é, sem dúvida, aquela cuja função no campo de batalha é uma obra de pura genialidade mais perto da pop art que do usual cinema de ação. Falo, pois claro, da viatura que transporta o guitarrista que trabalha para Imortan Joe como acompanhante musical da carnificina. A sua guitarra que cospe fogo foi criada a partir de uma arrastadeira, e é completamente funcional, servindo como o melhor adereço em todo o cinema de 2015, e como fundo, este músico do inferno tem uma louca construção de altifalantes todos precariamente amontoados na viatura. Uma obra de puro génio.






Esta equipa de cenógrafo e decoradora basearam esta estética, tanto no passado da saga Mad Max, onde tais gostos pela exuberância distópica do futuro já estava presente, como em numerosas outras referências, tanto do cinema como do mundo dos romances gráficos. Um carro coberto de ameaçadores espinhos metálicos é um destes melhores exemplos, sendo baseado em semelhante viatura de um antigo filme de Peter Weir, um dos grandes mestres do cinema australiano, tal como George Miller.




Gibson não é nenhum estreante neste mundo de filmes focados em cenários motorizados, sendo que também foi responsável, entre numerosos filmes, por As Aventuras de Priscilla; A Rainha do Deserto, em que um trio de exuberantes drag queens australianos viajam pelo deserto da Austrália numa bizarra road trip. Escusado será dizer que Colin Gibson é, neste momento, uma verdadeira instituição viva do cinema australiano.








Já elogiei bastante os veículos de Mad Max: Estrada da Fúria, mas o filme ainda contém alguns cenários mais tradicionalmente construídos, nomeadamente o mundo rochoso em que consiste a comunidade liderada por Imortan Joe. Apesar de grotesco e bizarro, os ambientes desta miserável comunidade são imensamente credíveis, especialmente no que diz respeito à sua iconografia quasi religiosa, que segue as mentiras e invenções de Joe para o controle da sua população.








De todos os interiores, mesmo contando com a enfermaria recheada de jaulas suspensas e uma montanha de volantes hiper decorados, o mais impressionante e dramaturgicamente revelador é a prisão das noivas do antagonista. Quando vemos esta cela, entramos por uma porta fortificada e, tal como no Feiticeiro de Oz, entramos, através deste portal, para um mundo completamente diferente da fogosa miséria do resto desta fortaleza. A paz que enche este espaço é quase sufocante, livros aparecem espalhados por todo o lado, as formas são arredondadas e calmas, a luz é suave. Mas toda esta beleza é criada com o propósito de aprisionar e isso é claramente expresso nas palavras de revolta pintadas no chão e nas paredes. Este mundo pode estar cheio de magníficas peças decorativas, mas as noivas não são parte dessa decoração, como todos os seres humanos, elas não são objetos e a simples visão deste cenário é uma formidável expressão da narrativa e da força das fugitivas.





No final, a contribuição destes dois mestres da cenografia cinematográfica é essencial para que o mundo de Mad Max seja credível e tão intensamente palpável como acaba por ser. Este filme monumentalmente ambicioso é uma aberração do cinema de ação contemporâneo, tanto pela sua exaustiva energia como pelo seu desenfreado design e impetuosidade estilística, e isso estende-se também aos seus efeitos visuais intensamente físicos que precisam da fisicalidade presente na cenografia para se integrarem de modo funcional no mundo do filme. De modo geral, penso que já deixei bem claro quão espetacular e perfeito é o trabalho de Colin Gibson e Lisa Thompson, e quão eu desejo que os Óscares não se esqueçam dele e decidam reconhecer algum trabalho mais tradicional mas infinitamente menos ousado ou inspirador.






Sem comentários:

Enviar um comentário