Desde a sua estreia internacional no estival de Toronto que Perdido em Marte tem sido considerado como uma das grandes apostas para os Óscares
desta temporada. Depressa este entusiasmo pelo mais recente filme de Ridley
Scott, se traduziu numa celebração do trabalho da sua estrela, Matt Damon, que
se tem vindo a cimentar como um dos favoritos na corrida ao Óscar de Melhor
Ator.
Nos últimos meses, com a entrega de uma série de prémios da
crítica e com as nomeações para os SAG, parecia que Matt Damon começava a ser
um pouco esquecido em prol da sua competição, mas as nomeações para os Globos
de Ouro rapidamente voltaram a atiçar as chamas do apoio a Damon. Junte-se a
isto a enorme popularidade do filme e o ator parece estar a cimentar a sua
posição na categoria de Melhor Ator nos Óscares, apesar de que um triunfo no
Dolby Theatre me continua a parecer um pouco improvável, nomeadamente devido ao
género do seu filme. Poucos são os atores que alguma vez conseguiram capturar a
atenção da academia em filmes como este, uma aventura espacial, e não me parece
que vá ser a sólida, mas limitada performance de Matt Damon a quebrar esta
infeliz tradição.
O ator tem o papel principal de The Martian (é ele quem
fica perdido em Marte) e tem o dever de ancorar todo o filme que Scott constrói
em volta da sua luminosidade de estrela de cinema. O resto do elenco é
formidável e muitos dos atores secundários ofuscam Damon em termos de
complexidade, mas todos se apoiam no trabalho individual do ator, que em si
personifica todos os melhores aspetos do filme, mas também os seus maiores
problemas.
Tal como já tinha dito na minha crítica a Perdido em Marte “Damon
quase se torna numa paródia da sua persona bonacheirona e cronicamente amigável
que tanto caracteriza a sua imagem pública dentro e fora do ecrã, tornando a
experiência de observar uma luta pela sobrevivência num ambiente hostil em algo
fácil de ver e invariavelmente divertido”. Há que reparar que ainda não
mencionei o nome de Mark Watney, a personagem de Damon, e isso deve-se
principalmente ao facto de que, quando vemos este filme, não é realmente Watney
que queremos observar e acompanhar na sua história de sobrevivência, mas sim
Matt Damon, a estrela de cinema de que todos gostam, mesmo que não o considerem
um grande artista do seu meio.
O trabalho de Damon apoia-se no seu carisma num registo que
lembra os grandes ícones do cinema da era dourada dos estúdios, que tinham
filmes desenvolvidos unicamente à volta da sua persona de estrela. O filme
torna-se assim numa espécie de showcase para a persona de Damon enquanto um
afável e amigável intérprete, mas essa mesma leveza tem tendência a tornar o
filme em algo bastante inconsequente.
Apesar de esta ser uma história de sobrevivência humana em
condições inimaginavelmente precárias, Damon nunca cai na simples e melodramática
indulgência da sua miséria, nunca afastando o filme em demasia do seu tom
ligeiramente cómico. Isto é o melhor e, paradoxalmente, o pior aspeto desta
performance.
Quase nunca sentimos perigo, ou o peso da adversidade, porque
estamos sempre a ser confrontados com Damon, cuja carismática resiliência, se
não tivesse o apoio incondicional da narrativa, depressa começaria a parecer
algo de assustadoramente desumano. Por consequência, mesmo no final, nunca há dúvidas
que Damon se vá salvar, ou mesmo que ele vai ultrapassar o seu sofrimento.
Sofrimento este que, infelizmente, nunca parece particularmente percetível ou
palpável para a audiência, que assim nunca é colocada em qualquer posição de
desconforto ou conflito, acabando também por não sentir o completo triunfo do
final.
Se Damon for nomeado, será uma indicação sólida, mas não
particularmente gloriosa ou merecida. Não penso que o ator possa ganhar, mas se
o fizer será um vencedor bastante diferente do usual, assim como um galardoado
cuja performance, apesar de fugir à lista dos piores vencedores (uma lista
enorme), nunca chegará ao cânone das grandes interpretações a ganharem o Óscar.
E, no final, o Óscar deveria ser um símbolo de absoluta excelência (quase nunca
o é), pelo que, apesar de uma agradável prestação cheia de alegre carisma, não
penso que Damon mereça tal reconhecimento, especialmente quando este trabalho
em The
Martian nem entraria numa lista pessoal das 10 melhores interpretações
do ator.
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