quinta-feira, 28 de janeiro de 2016

THE REVENANT (2015) de Alejandro González Iñarritu

Peço, desde já, desculpa pela minha ausência deste blog e pela extensa dimensão deste texto. No entanto, depois de todo o amor que este filme tem recebido e da triunfante celebração do filme pela Academia de Hollywood nas suas nomeações, eu achei necessária oferecer uma pormenorizada justificação da minha animosidade para com o filme mais recente de Alejandro González Iñarritu, The Revenant – O Renascido.


The Revenant


Depois de uma noite de inequívoco triunfo nos Golden Globes e uma estonteante coleção de 12 nomeações para os Óscares da Academia, The Revenant – O Renascido tem-se vindo provar como um dos incontornáveis favoritos da Awards Season. É claro que, convém esclarecer, por muito que se fale da sua formidável técnica ou dos esforços do seu realizador, a mais importante narrativa associada ao filme nesta temporada dos prémios de cinema centra-se em volta do seu ator principal, Leonardo DiCaprio. Depois de 4 nomeações que não resultaram em nenhum galardão e uma estranhíssima obsessão da internet para com a sua aparente condição como um dos grandes injustiçados dos Óscares contemporâneos, parece que é com este filme que DiCaprio irá finalmente arrecadar o tão desejado prémio para Melhor Ator. Percebo, obviamente, toda esta obsessão com o reconhecimento máximo ao trabalho de um dos mais populares atores de Hollywood, mas, para mim, este filme nunca foi o projeto de Leonardo DiCaprio, mas sim um filme do seu autor, o mexicano Alejandro González Iñarritu, e do seu diretor de fotografia, Emmanuel Lubezki.

A minha relação com o trabalho de Iñarritu nunca foi algo caracterizado pela harmonia ou pela minha admiração dos seus esforços. Apesar da explosiva genialidade e vitalidade de Amores Perros, um dos filmes que mais culpo pela odiosa moda do filme mosaico que assolou a primeira década do presente século, o realizador depressa se provou como o mestre do mais sufocante miserabilismo e juvenil misantropia no panorama do cinema internacional. Que os seus filmes pareciam estar sempre em busca do mais prosaico tipo de aceitação e respeitabilidade de Hollywood certamente não ajudou a que a minha consideração por este autor fosse particularmente positiva.




Mas, depois de Biutiful, um filme tão focado no sofrimento abjeto da sua personagem principal que quase caía no mais hilariante e inapropriado tipo de comédia acidental, houve um fugaz raio de luz sob a forma de Birdman. Já neste blog falei da obra que valeu a Iñarritu um Óscar para Melhor Realizador, um filme que está longe de ser perfeito ou minimamente inovador ou mesmo completamente funcional nas suas ideias formais, mas que, mesmo assim, primou por uma energética leveza e refrescante jovialidade. É triste ter de admitir isto, mas Iñarritu não aprendeu nada com Birdman e em The Revenant regrediu e voltou ao seu habitual miserabilismo, que desta vez quase que chega ao ponto de ser um exemplo de torture porn coberto pela detestável pátina da respeitabilidade mainstream.

Quando o primeiro trailer, o teaser, para The Revenant foi revelado, eu tenho que confessar que ainda tive esperança do realizador ter transportado a energia cinemática, e um pouco desajeitada, de Birdman e a tivesse aplicado a um drama mais ao estilo dos seus usuais estudos de miséria humana. Basicamente, a formidável concretização técnica sugerida por esse teaser parecia indicar uma maturação no cinema de Iñarritu, a abertura de uma nova fase no seu cansativo discurso artístico. No final, no entanto, parece que a única coisa que esse teaser realmente demonstrou na sua totalidade é quão reacionário o filme é como objeto final, devendo praticamente todo o seu estilo ao trabalho de génios do meio, cuja grandeza Iñarritu poderá tentar imitar, mas cuja mestria ele nunca conseguirá igualar.




Werner Herzog e Terrence Malick são os realizadores cuja influência mais é difícil de ignorar, o que no caso do mestre texano é particularmente impossível. Todo o visual do filme, na verdade, é quase que uma reciclagem direta do trabalho de Malick durante a sua última década de trabalho, sendo que Iñarritu emprega o trabalho de Emmanuel Lubezki, o diretor de fotografia de eleição de Malick, de tal modo que, longe de encontrar uma estética mais ou menos característica do projeto como objeto independente, praticamente copia o mesmo tipo de abordagem naturalista e focada na utilização de fontes de luz naturais que caracteriza a magistral relação artística entre o genial diretor de fotografia mexicano e o génio americano. Para além disso, Iñarritu também escolheu como seu cenógrafo e figurinista, Jack Fisk e Jacqueline West que, neste momento, são indiscutíveis regulares da filmografia de Malick. O look de O Novo Mundo parece ter sido uma particular influência, com a solarenga vitalidade desse filme a ser aqui substituída por uma horrenda frieza e desumana polidez.

Aliás, é precisamente nessa polidez, própria do cinema de prestígio de Hollywood, que se encontram os maiores triunfos e algumas das maiores fragilidades de The Revenant. A execução técnica conseguida pela formidável equipa por detrás deste filme é simplesmente espetacular. A fotografia de Lubezki leva a sua câmara a mover-se em baléticos movimentos através do espaço natural com uma precisão completamente deslocada da selvajaria dos seus sujeitos. A concretização física do mundo da narrativa é assombrosa na sua fidelidade histórica e reprodução de rudes texturas, criando uma superfície de admirável ultranaturalismo. Mas é o som que se revela como o mais grandiosos elemento, inundando a paisagem sonora com uma colossal densidade de pequenos sons que juntos compõe um retrato de um esmagador mundo natural que tudo envolve, afogando os elementos humanos na sua sonoridade que é complementada por uma banda-sonora em que o ruído desabrocha no espectro de sofredoras peças musicais onde a elegância melódica é posta de parte em prol da máxima violência sensorial e emocional.




O que é que, no entanto, resulta de toda esta eficiência técnica? Um espetáculo da mais formidável pirotecnia que Hollywood tem para oferecer com os seus luxuosos recursos, mas não, de modo algum, a exposição de ousada aventura e risco cinematográfico e humano obsessivamente descrito pela sua equipa sedenta de troféus dourados. Já muito se ouviu falar das dificuldades das filmagens deste filme, da carga de sofrimento psicológico e físico que todos os envolvidos tiveram de suportar, mas, no entanto, nenhum desse risco se regista na obra final que não poderia ser um mais descarado fruto da industrial competência dos estúdios da atualidade. Nenhuma da perigosa ousadia e impetuosa vanguarda de Herzog se consegue encontrar aqui, e muito menos o tipo de filosofia multifacetada e estruturação fluida do cinema de Malick. No final, apesar de Iñarritu praticamente forçar a sua audiência a comparar o seu trabalho com o desses outros autores, esta comparação apenas resulta na perceção de quão abjetamente superficial e completamente vazio de ideias se encontra o filme sobre Hugh Glass.

Tanto já referi sobre a concretização formal do filme e ainda nem uma palavra concedi a uma básica descrição do seu enredo de inspirações tenuemente históricas. O filme segue um grupo de comerciantes e coletores de peles na primeira metade do século XIX, nomeadamente Hugh Glass, um guia e homem das fronteiras do selvagem Oeste americano da época. Depressa nos apercebemos de quão removido Glass se encontra da natureza mercenária dos seus companheiros apoiados por forças militares, especialmente depois de um ataque repentino de nativos americanos desencadeia o início da narrativa. Pouco depois de serem violentamente separados das suas peles pelos seus inimigos de peles vermelhas, a expedição sofre outra tragédia sob a forma de um horrendo ataque de urso sofrido por Glass. Com a desgastante tarefa de transportar o corpo às beiras da morte do seu companheiro, depressa se decide que dois membros da expedição ficarão com Glass e o irão enterrar após a sua morte, concedendo-lhe o mínimo de dignidade supostamente característica da civilização.




Um dos homens que fica responsável por Glass é John Fitzgerald (Tom Hardy), um arrogante mercenário, que depressa decide assassinar o homem sob sua proteção e seguir em frente com a sua viagem. Uma catastrófica série de eventos leva a que Glass observe a desumana morte do seu filho, um jovem mestiço resultante do envolvimento de Hugh com uma nativa, às mãos de Fitzgerald, e que seja deixado praticamente falecido no meio da gélida paisagem natural, enquanto os seus companheiros o deixam em abjeta agonia.

É a partir deste momento de abandono que The Revenant revela realmente o tipo de filme que vai ser pelas suas restantes horas, um retrato excruciante da mais intensa agonia humana que Iñarritu consegue capturar em filme. Longe de ser uma exploração da resiliência humana face à implacável e impiedosa Natureza, o filme depressa cai numa simplista história de vingança que trai quaisquer bases históricas, que, de qualquer modo, são logo ignoradas na criação da personagem do filho de Glass, cuja presença no filme parece ser apenas justificada pelo modo como o seu autor necessitava que a sua morte ajudasse a audiência a não ter quaisquer dúvidas morais ou éticas na subsequente narrativa de sanguinária vingança de um pai em busca de justiça pelo assassinato do seu filho. O filme cai assim em fórmulas de completo simplismo e nojenta menoridade ideológica, apagando qualquer sombra de complexidade e apenas injetando algumas imagens e momentos que parecem quere sugerir uma complexidade ténue à narrativa, sem no entanto alguma vez deixarem de ser produtos de completo vazio e puramente superficiais e mecânicos.




Uma das grandes vítimas da completa falta de inteligência ou ambição no texto do filme são as suas personagens nativo americanas, que nunca deixam de serem vazios símbolos, tão vácuos como os mais ofensivos e agressivos retratos vilanescos dos antigos filmes americanos sobre o velho Oeste. Há quem chame a este filme um western revisionista, mas tal só se pode apontar à sua concretização formal, pois por detrás disso não há qualquer sugestão sequer de uma ideia minimamente interessante sobre o mundo do passado que tão precisamente o realizador se propôs a recriar em termos superficiais e físicos.

Não que as personagens caucasianas sejam mais humanas ou menos vazias que os seus companheiros nativo americanos. Todo o elenco na verdade, se encontra meio perdido no registo de absoluto naturalismo pedido por Iñarritu em que qualquer sombra de leveza à que ser asfixiado até que a sua mera ideia não se apresente nunca no filme finalizado. Tom Hardy é particularmente curioso, oferecendo uma catastrófica mistura de trejeitos e um ridículo sotaque que apenas distrai do filme. Eu diria mesmo que é a pior interpretação na carreira do promissor ator britânico.




É claro que, apesar da sua nomeação, não é Hardy de quem se fala quando se discute o trabalho de ator em The Revenant. Este, no final, é o projeto que irá resultar num Óscar para Leonardo DiCaprio e eu tenho de dizer que o seu trabalho aqui é admirável apenas até um certo ponto. Há que louvar o esforço do ator, mas a sua prestação é pouco mais que um simplista e bidimensional momento de agonia estendido por uma inteira narrativa. Não há grande complexidade ou humanidade no trabalho do ator, apenas uma vistosa fisicalidade que nada transmite a não ser puro sofrimento. Acabamos o filme sem saber nada sobre Glass para além da superfície da sua agonia. Isso é tanto culpa da abordagem de Iñarritu como do trabalho simplista do seu protagonista. DiCaprio pode ter comido e vomitado um fígado de bisonte cru, mas isso não indica de modo algum que o seu trabalho em The Revenant é mais que uma prestação limitada. Noutros filmes o ator tocou sinfonias com a sua expressividade e aposta em complexidade psicológica, aqui ele apenas consegue tocar uma triste nota. Toca-a de modo intenso e trabalhoso, mas nunca deixa de ser uma só nota.

No final do filme, uma personagem olha diretamente para a câmara, num gesto que quase recorda o olhar final na obra-prima Vermelhose Brancos de Miklós Jancsó. Mas, enquanto nesse filme húngaro, o gesto revela uma esmagadora humanidade por detrás da abstração diabólica dos mecanismos bélicos que apenas resultam em sofrimento humano, neste filme este elemento apenas parece querer dar algum significado e importância a toda a carnificina que acabámos de testemunhar. Há quem vá encontrar profundidade neste momento, mas para mim, apenas vejo uma tentativa desajeitada e juvenil de um realizador justificar a sua limitada visão, tentando copiar algo que viu no trabalho de outros mestres sem nunca, no entanto, compreender a sua utilização ou raison d'être.



Juvenil, limitado e cansativo são boas palavras para descrever The Revenant que, apesar da sua magnificência técnica, não encontra qualquer glória cinematográfica na sua eficiência, e que apenas se revelou como uma das mais tortuosas e estupidificantes experiências que tive ao ver filmes deste passado ano de 2015. Enfim, parabéns a DiCaprio pelo seu Óscar e a todos os nomeados deste filme, por muito que nenhum deles realmente tenha merecido a aclamação que receberam.


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