Quando em 2007, Expiação estreou, trouxe consigo o
que parecia ser uma preciosa descoberta de um novo e jovem prodígio, a atriz
Saoirse Ronan. Então com somente 12 anos, a atriz recebeu aclamação
internacional pelo seu formidável trabalho e até chegou mesmo a arrecadar uma
indicação ao Óscar de Melhor Atriz Secundária. Depois dessa estrondosa entrada
no panorama do cinema mundial, Ronan, infelizmente, pareceu andar um pouco
perdida durante vários anos. As suas tentativas de recapturar o sucesso e
respeitabilidade luminosa de Expiação pareciam sempre cair em
desastre ou na ignorância do público e os seus melhores trabalhos
constantemente acabavam por ser esquecidos ou injustamente ignorados. Em 2015,
a promessa de génio que o drama de guerra de John Wright fez finalmente pareceu
pagar dividendos e Saoirse Ronan é uma das principais candidatas ao Óscar de
Melhor Atriz pela sua prestação num filme que não poderia ser mais um glorioso star vehicle ao estilo dos mais
deliciosos women’s pictures da
Hollywood de outrora, Brooklyn de John Crowley.
Ronan é um poço de carisma ao estilo da velha Hollywood,
sendo que o seu trabalho funciona perfeitamente na sua modulação de emoções
fortes e simples telegrafadas de modo claro mas belissimamente delicado. Aliás,
toda a prestação da atriz é caracterizada por uma formidável delicadeza
mesclada com uma estilização de maneirismos apropriados à localização histórica
da narrativa. Uma mistura da simplicidade apelativa dos clássicos da velha
Hollywood com a subtileza expressiva de estilos mais atuais, esta é uma
performance de louvar que, infelizmente, é bastante limitada por algumas das
imposições do texto.
Já explorei a performance da atriz principal, mas ainda nem
sequer nomeei a personagem sob a sua responsabilidade. O filme desenvolve-se à
volta de Eilis, uma jovem rapariga irlandesa que, em 1952, imigra da Irlanda
para Nova Iorque e começa uma nova vida em Brooklyn, longe da miséria de uma
nação a viver sob a sombra do pós-guerra. Na sua nova nação, vemos a
protagonista desabrochar especialmente quando inicia uma relação romântica com
Tony (Emory Cohen), um jovem italo-americano com especial afeição por raparigas
irlandesas. A partir daí, o filme torna-se num dos mais deliciosos romances do
ano, transpirando romantismo tingido com a doçura da mais rarefeita nostalgia
cinematográfica dos últimos tempos. No entanto, uma inesperada tragédia
familiar leva a protagonista a voltar à Irlanda, no que começa por ser uma
estadia decididamente temporária, mas que vai ameaçando tornar-se permanente. Brooklyn
acaba por cair num triângulo amoroso ao incluir Jim (Domhnall Gleeson), sem, no
entanto, alguma vez perder o seu foco na experiência de uma jovem emigrante,
apesar de uma estranha falta de autonomia da sua parte.
Uma das mais significantes fragilidades do filme é, aliás, o
modo como nunca permite que as decisões da sua protagonista sejam expressas de
modo orgânico, estando sempre a forçar mecanismos narrativos para avançar mais
facilmente o enredo. Não sei se isso é uma consequência do livro de Nick
Hornby, ou se é um fruto da sua adaptação, mas o facto é que este elemento se
revela como um os maiores problemas de Brooklyn enquanto filme.
Em termos estilísticos o filme deve muito às convenções do
cinema clássico americano, sendo quase uma homenagem tal é a sua dependência de
mecanismos meio antiquados. Há algo de charmoso no seu tradicionalismo,
especialmente em momentos como uma melancólica noite de Natal. A recriação dos
ambientes de época acompanhados pela música romântica e a fotografia atraente
são imensamente apelativas quando bem utilizadas, sendo que os figurinos de
Odile Dicks-Mireauz também são de destaque, nomeadamente no seu uso de cor para
marcar a evolução da protagonista e na sua composição dos ambientes urbanos da
Nova Iorque da época.
O filme, para ser honesto, triunfa na secção passada em Nova
Iorque, quando o seu uso de nostalgia cinematográfica se converte como que numa
doce exteriorização do isolamento e evolução emocional da sua protagonista. Nas
secções do filme passadas na Irlanda, esses mesmos estilos parecem deixar de
ser uma eficiente homenagem aos classicismos de uma Hollywood de outros tempos
e apenas aparentam converter-se numa desajeitada reciclagem de mecanismos
narrativos e cinematográficos que não parecem estar completamente dominados
pelos cineastas aqui em ação.
Isto não impede o filme de ser uma obra de delicioso
romantismo, mas, juntamente com algumas das suas limitações textuais, decerto
que impede Brooklyn de ser o absoluto triunfo de convencionalismo bem
aplicado que poderia ter sido. A ajudar o seu relativo sucesso está, há que
apontar, o seu formidável elenco que não se reduz simplesmente à sua luminosa
protagonista.
Uma das grandes injustiças nas nomeações dos SAG deste ano
foi, pelo menos para mim, a falta de
menção deste filme, tendo em conta a estonteante riqueza da sua coleção de
atores. Até as mais pequenas personagens são concretizadas com admirável
vivência e colorida expressividade, desde uma inspiradora companheira de viagem
de Eilis, passando por todo o elenco irlandês, e culminando nos ambientes
nova-iorquino povoados de personagens que são tão bem apresentadas e
concretizadas que poderiam ter filmes focados nelas mesmas.
De todo o elenco, contando com Ronan, há uma figura de
incontornável destaque. Falo de Emory Cohen como o principal interesse
romântico do filme, Tony. Os trabalhos passados do ator nunca me deixaram com
uma impressão particularmente positiva dos seus talentos, mas em Brooklyn,
a sua prestação é perfeitamente miraculosa. Poucas vezes vi uma personalidade
introvertida ser exposta com tanta mestria e humanidade, nunca descurando, no
entanto, o encantador charme necessário para fazer o enredo romântico funcionar
como principal força propulsora de grande parte da narrativa de Brooklyn.
As cenas partilhadas entre Cohen e Ronan são aliás os mais deliciosos momentos
do filme, brilhando com a qualidade de estrela de ambos os atores e
transpirando de um tipo de romance clássico que poucas vezes se encontra no
cinema atual concretizado com tal sinceridade.
No final, Brooklyn é um filme que está longe
de ser perfeito e que tem na sua maior qualidade também o seu maior defeito,
sendo que o filme encontra glória no seu tradicionalismo na mesma medida que
acaba por cair num registo tristemente prosaico quando parece poder alcançar
verdadeiras maravilhas se arriscasse um pouco e não se limitasse tanto. No
entanto, para os grandes fãs dos romances clássicos de Hollywood, esta é uma
obra essencial e deliciosa. Visto que eu sou precisamente um fã desse tipo de
cinema, há que admitir que me deixei apaixonar completamente pelos charmes
deste simples filme, por muito que reconheça as suas fragilidades.´
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