quinta-feira, 7 de janeiro de 2016

LES MISÉRABLES (2012) de Tom Hooper

Com A Rapariga Dinamarquesa nos cinemas, e a minha aversão por todo o projeto claramente exposto na crítica que fiz do filme para a Magazine HD, apeteceu-me relembrar outro filme de Tom Hooper, um realizador de televisão que, nos últimos 5 anos catapultou para um estrelato completamente díspar do seu nível de talento. Consequentemente decidi finalmente falar da adaptação de 2012 de Les Misérables, o musical por sua vez adaptado da obra-prima de Victor Hugo. Aviso já que isto não vai ser um texto de modo algum breve.




Descrever o enredo de Les Misérables é uma tarefa de fútil ambição pelo que não me vou aventurar por tão nobre perda de tempo. Julgo também que quem está a ler este meu texto já tenha alguma pequena ideia da história da magnum opus de Victor Hugo, adaptada inúmeras vezes ao cinema, e aos palcos, sob a forma de um dos musicais épicos que caracterizaram o teatro comercial dos anos 80. O filme de Tom Hooper de que nos propormos aqui falar, é uma adaptação dessa mesma versão musical dos palcos, concebida por Alain Boublil e Claude-Michel Schönberg.

Tanto Boublil como Schönberg, em conjunto com Herbert Kretzmer e William Nicholson, escreveram a adaptação do seu musical, construindo um guião que proporciona aquela que é talvez a melhor versão cinematográfica da obra de Victor Hugo até agora criada numa língua que não a francesa. A adaptação é um dos melhores aspetos do filme, mesmo superior ao seu muito elogiado elenco, resolvendo vários problemas estruturais que o espetáculo teatral tinha ao reorganizar canções e injetar uma montanha de pormenores e momentos retirados diretamente do texto de Hugo. O trabalho final é um monumento de exímia adaptação, que pode não conter muitas das complexidades presentes na épica criação de um dos maiores génios da literatura francesa, mas faz um espetacular trabalho de sintetizar algumas das suas ideias principais e conceber uma versão elegantemente sumária da sua extensa narrativa.




E é aqui que eu tenho de estender o meu olhar a algo que não o filme, mas sim a reação generalizada que o tem perseguido desde a sua passagem pelos cinemas no final de 2012 e princípio de 2013. Duas críticas que foram constantemente atiradas ao filme de Tom Hooper sempre me deixaram imensamente irritado sendo elas a queixa de que o filme é cantado do princípio ao fim, e de que o enredo é melodramático e cheio de convolutas coincidências e emocionalmente ridículo no seu exagerado dramatismo. Quem quer que sinta o mesmo que as pessoas responsáveis por promulgarem essa segunda odiosa crítica estiver a ler, por favor deixe este blog neste momento. Obrigado. Pois acusar o esqueleto do enredo de ser melodramático, lamechas, ridículo é estar a insultar uma das maiores histórias alguma vez concebidas nos anais da literatura ocidental e aqui ninguém vai insultar o génio de Victor Hugo!

O filme funciona sobre uma base de emoções fortemente expressas e é construído a partir de um complicado enredo cheio de pulsante e declarativa fúria e isso é, para mim, uma das suas mais gloriosas qualidades. O texto de Hugo é abertamente uma expressão de raiva contra as injustiças sociais da época, um tratado humanista e fortemente político que substitui a elegância da retórica, que hoje em dia parece ser a escolha de eleição de tais obras de arte políticas, pela operática e ensandecida fúria ativista, onde subtileza é deixada para trás em prol de grandiosa e pulsante humanidade. Há algum problema com isso? Não. Eu diria mesmo que o filme deveria ter ido mais longe na sua lacrimosa e exagerada expressividade, mas tal como a obra de teatro, esta adaptação cinematográfica decide retirar muito do conteúdo mais abertamente político da narrativa de Les Misérables, mas tem a sagacidade de perceber que algo que não se poderá perder é o básico e poderoso humanismo da prosa de Victor Hugo, algo que é graciosamente inseparável da versão final deste filme, que é das poucas adaptações a perceber a importância espiritual e humana do sacrifício dos estudantes idealistas na sua segunda metade.




A outra crítica que mencionei é algo que, se possível, desperta ainda mais fúria e indignação na minha pessoa, especialmente quando vem da boca de um suposto cinéfilo. Les Misérables é um musical e como tal traz consigo uma série de convenções do seu género, nomeadamente a que, do nada, as pessoas se comecem a expressar em canção. Ver um musical e queixar-se da quantidade de músicas é para mim tão ridículo como ver um filme de terror e criticar a quantidade de sustos que provocou, ou dizer que uma comédia é demasiado divertida ou um filme de ação contém demasiados momentos de ação. Eu diria mesmo que o filme devia ser ainda mais cantado do que é, sendo que ainda existem algumas réstias de diálogo falado pelo meio da sua duração.

O cinema, mesmo nos mais crus dos documentários, é sempre uma construção artificial pelo que criticar musicais como sendo irrealistas ou ridículos é mais um sinal de gosto pessoal e generalizado do que qualquer válida asserção crítica, mas infelizmente esta não é uma opinião que muitos partilhem. Ao ser cantado do princípio ao fim, Les Misérables posiciona-se precisamente num mundo, numa realidade, em que tal expressão cantada não é mera decoração ou momento de espetacular distração como acontece com muitos musicais de outrora, mas sim uma parte integral do modo como toda a narrativa se desenvolve. E neste musical em particular, a música nunca deveria ser mera decoração, mas sim uma parte orgânica de toda a construção épica, pelo que não vejo qualquer tipo de problema na insistência dos cineastas em terem mantido a natureza sung-through do espetáculo original.




Depois de toda esta apaixonada defesa chegou a altura de eu também começar a fazer as minhas observações depreciativas do filme, nomeadamente no que diz respeito ao trabalho do seu realizador, Tom Hooper. Talvez a mais falada e publicitada escolha do realizador inglês tenha sido a sua decisão de gravar o som em simultâneo com a imagem em todas as ocasiões, renunciando ao playback e pré-gravação dos números musicais que tem sido a norma no cinema musical desde a sua génese. Isto permite um maior controlo e maleabilidade da parte dos atores, que, segundo Hooper, assim conseguem realmente interpretar as suas canções, do mesmo modo que interpretariam qualquer outro tipo de cena de um filme que não um musical. De um modo geral, esta abordagem funciona de modo formidável, resultando numa abordagem verdadeiramente cinematográfica ao material teatral. As performances vocais deste filme estão longe de serem as elegantes e polidas rendições típicas dos palcos da Broadway e do West End mas são perfeitas para o tipo de abordagem expressivamente trágica que Hooper tomou na sua direção de atores.

Tom Hooper é um realizador de emoções exteriorizadas em momentos de gritada expressão e, muito mais que em A Rapariga Dinamarquesa ou O Discurso do Rei, esse estilo encontra o seu perfeito companheiro no material narrativo de Les Misérables. Pelo menos no que diz respeito ao trabalho dos atores e ao desenvolver do complexo enredo humano, pois de um ponto de vista formal o filme é apenas prejudicado pelas decisões do seu realizador. Habituado à televisão, Hooper tem uma curiosa insistência em ignorar que está a trabalhar para um meio com proporções bastante distintas, usando constantes grandes planos da cara dos atores, ângulos tortos por nenhuma razão aparente, grandes angulares grotescas e composições que apenas funcionam em escalas diminutas mas que revelam desconfortáveis desequilíbrios visuais quando apresentados numa tela de cinema. Junte-se a isto um irritante apego por indisciplinada câmara ao ombro e temos uma perfeita receita para o desastre.




Na sua procura por exacerbar o trabalho individual de cada ator, Hooper parece ter-se também esquecido que Les Misérables, apesar da sua relação com a narrativa de Jean Valjean, não é uma celebração de histórias de heróis individuais, mas sim um enfurecido retrato de uma sociedade. Hooper nunca permite tal coletividade no seu filme, construindo mesmo os momentos mais epicamente dependentes da ação da multidão, a partir de grandes-planos sucessivos. Há uma desajeitada aparência a todo o filme que é somente culpa de Hooper que, para além de todos os erros que comete, parece estar sempre a trair os seus próprios instintos de grandiosidade, ao filmar os enormes cenários de tal modo que a sua colossal escala nunca de torna verdadeiramente discernível para a audiência.

Enfim, no final, Les Misérables funciona apesar de Tom Hooper, mas nunca devido ao seu trabalho.

Passemos a temas mais agradáveos e vamos falar do elenco, das personagens e de alguns dos números musicais. Para começar, temos a atriz que arrecadou um dos únicos três óscares que o filme arrecadou, Anne Hathaway como Fantine, a mártir de amor maternal que se vê destruída pelas catastróficas injustiças sociais na França do princípio do século XIX.





Muitos diriam que a melhor Fantine musical de sempre foi Patti LuPone, a grande diva que originou o papel nos palcos ingleses. Para mim, LuPone nunca conseguiu transmitir nenhuma sugestão credível da enorme fragilidade necessária para que Fantine funcione como personagem pelo que a minha atriz predileta neste papel foi, durante muitos anos, Ruthy Henshel, que tem uma magnífica dignidade na sua abordagem que, mesmo assim, trai uma colossal vulnerabilidade. Anne, ao contrário das suas antecessoras, deixa-se levar pela degradação da personagem. Ela não é a nobre e injustiçada vítima de Hugo, mas sim a selvagem visão de miséria e injustiça social que está sempre subjacente no texto. Anne é a mais furiosa Fantine que o cinema já viu e por isso ela merece admiração. Também há que dizer que ela é absolutamente perfeita para a abordagem estilística de Hooper, basta observarmos o célebre “I Dreamed a Dream” para isso se tornar evidente. Mesmo assim, para mim, o seu melhor momento é, sem dúvida, a sua prestação aquando da canção “Fantine’s Arrest”, um momento que poucas vezes foi tão rico em rancor e aberta agressividade. Na sua Fantine em feia e desesperada luta pela sobrevivência, Hathaway encontra um tipo de dignidade diferente da elegância de Henshey, do orgulho de LuPone ou da santidade de Lea Salonga. Francamente, apesar de todo o ódio que sobre ela caiu, Anne Hathway mereceu o Óscar que recebeu, assim como a montanha de outros galardões da Awards Season de 2012.




Apesar da relativa importância de Fantine, o centro de Les Misérables é Jan Valjean. Hugh Jackman é um consumado ator de teatro musical pelo que seria de esperar grandeza da sua parte na encarnação deste formidável protagonista. De um modo geral o ator australiano é bastante bom com alguns vislumbres de pura genialidade como no seu solilóquio, mas, infelizmente, ele tem uma estranha tendência para esforçar em demasia a sua voz. Talvez tenha sido um acidente, ou uma escolha propositada, o facto é que, especialmente em “Bring Him Home”, uma canção praticamente impossível de cantar na melhor das circunstâncias, Jackman tem tendência a cair num esforço que trai a nobreza e força inerente à personagem escrita por Victor Hugo. Também se poderia acusar o ator de simplificar a complexidade da personagem literária, mas isso é algo presente desde a primeira vez que este musical foi posto em palco e é uma invariável necessidade dramática. Quando Jackman está nos seus melhores momentos, no entanto, ele rivaliza mesmocom Fredric March como melhor representação em língua inglesa desta mítica personagem.




O mesmo não se pode dizer de Russell Crowe como Javert, a figura mais abertamente antagónica de Les Misérables. O ator está completamente perdido neste musical, não tendo a autoridade bárbara de outros intérpretes passados da personagem, ou o desespero que Jackman e Hathaway conferem aos seus retratos. Vocalmente ele é um desastre, conseguindo apenas verdadeiramente convencer num dos seus números que está bastante alterado do seu registo original em palco. “Stars” cantado por Crowe torna-se numa solene prece aos céus e não num grito de fúria e autorreflexão, o que é perfeito para a modesta abordagem do ator e para o momento na estrutura do filme. Infelizmente, Crowe não consegue fazer o mesmo com o seu climático número final, o que desfere um grande golpe contra a geral qualidade do edifício do filme.




Cosette é uma espécie de McGuffin da narrativa, movendo todo o enredo de Les Misérables, apesar de ser pouco mais que um vago símbolo de pureza. Sophie Allen é maravilhosa como a encarnação mais jovem da personagem e muito mais interessante que a versão adulta de Amanda Seyfried, que nunca consegue elevar o que é, de modo geral, um papel bastante problemático. Mesmo assim, há uma refrescante doçura na sua abordagem. Ela é simplista e bidimensional, mas o texto não pede mais, e nos seus momentos finais, é fenomenal como veiculo para a derradeira catarse emocional do filme.




De Cosette passamos ao seu amado, Marius Montpercy, uma personagem tão alterada na sua adaptação teatral, que pouco tem do jovem napoleónico, orgulhoso e levemente obcecado do livro de Hugo. Eddie Redmayne, o ator escolhido para este papel, é, no entanto, fantástico. A versão teatral de Marius sempre foi um papel em necessidade de uma forte dose de inocência e juventude, algo rico no trabalho de Redmayne que pinta a sua personagem como um adolescente confuso inserido no meio de um apocalipse inesperado. O ator é tão bom na sua adocicada rendição de “In My Life”, como na sua gentilmente atrapalhada versão de “A Heart Full of Love” e como é absolutamente devastador no mais importante número musical da personagem, “Empty Chairs at Empty Tables”.




A terceira figura que completa o triângulo amoroso também construído por Cosette e Marius é Éponine, outra personagem fortemente alterada desde as suas raízes literárias. Sinceramente, poucas ou nenhuma adaptação alguma vez conseguiu traduzir a personagem que Hugo escreveu, acabando sempre por haver uma forte simplificação de uma personagem que é tão trágica como repugnante e dolorosamente humana. Da versão teatral, Kaho Shimada será sempre a minha eterna Éponine, mas Samantha Barks é uma escolha igualmente soberba para esta adaptação ao cinema. Mais do que qualquer outro intérprete do filme, ela cria um formidável balanço entre exagerada teatralidade e subtileza cinematográfica, completamente roubando o filme de cada vez que abre a boca para cantar.




De Éponine passemos à sua família, o seu irmão Gavroche e seus pais, os vis Thénardier. Daniel Huttlestone como Gavroche é uma escolha imensamente apropriada, sendo que o jovem ator quase que se cimenta como o melhor intérprete do papel, trazendo o certo nível de charme, carisma e traquinice motivada por desespero para tornar a personagem inesquecível. Monsieur e Madame Thénardier, figuras cómicas ao contrário das suas horrendas contrapartes literárias, são da responsabilidade de Sacha Baron Cohen e Helena Bonham Carter, dois atores imensamente incapazes de responderem adequadamente às exigências vocais dos seus papéis. Cohen tem o acrescentado problema de ter o melhor momento da sua personagem, a canção “Dog Eats Dog”, cortado do filme. Mesmo assim, “Master of the House” é agradavelmente divertido, mas falta alguma da acidez e jovialidade meio perniciosa nas personagens. Enfim, juntamente com Crowe estes dois são inegavelmente os mais fracos elementos do elenco.




Mas não são os Thénardier que marcam a segunda metade do filme, nem mesmo Marius, para dizer bem a verdade, mas sim os Les Amis de l’ABC (Victor Hugo adorava trocadilhos de palavras). Deles é o seu luminoso líder quem mais se destaca, Enjolras interpretado por Aaron Tveit. O ator americano, experiente em teatro musical, é formidável como Enjolras, exacerbando o caracter implacável da personagem de Hugo, deixando ao seu carisma natural e presença de estrela, o trabalho de traduzirem a adoração quase religiosa que a sua personagem inspira nos que o rodeiam. Poucos Enjolras são tão belos e simultaneamente enraivecidos como o de Tveit, que, apesar de estrondoso, não consegue apagar da memória a genialidade sedutora de Ramin Karimloo no mesmo papel. É claro que o ator de origens iranianas teria sido inapropriado para esta adaptação que pretende traduzir com algum semblante de fidelidade o texto de Hugo e suas descrições, pelo que Tveit é, possivelmente, a escolha perfeita. De qualquer modo, ele é estrondoso, especialmente nos momentos mais tardios da história, quando a esperança de sobreviver se começa a desvanecer, e a impetuosa imaturidade da sua personagem se começa a vislumbrar por detrás da fachada de um líder de aparência quase divina.




O resto do elenco que compõe este grupo de estudantes revolucionários é igualmente bem escolhido apesar da diminuta dimensão das suas contribuições, com a gloriosa exceção de Georgle Blagden como Grantaire, o cínico alcoólico meio enamorado pala luminosa presença de Enjolras, que no final, morre ao lado do seu líder. O ator é uma presença refrescante cada vez que tem oportunidade de roubar um pouco do holofote que está sempre sobre os seus companheiros de cena, mas, infelizmente, o grande momento que a personagem tem no espetáculo, é-lhe roubado na adaptação cinematográfica. Teremos sempre Hadley Fraser a cantar “Drink with Me”, mas é pena que o filme encurte um dos mais belos momentos do musical, onde a melancolia fatalista que envolve todos os jovens revolucionários de Vitor Hugo chega ao seu apogeu dramático antes da sua trágica destruição.




Por falar no grandioso Hadley Fraser, o ator chega a fazer uma minúscula contribuição a esta versão de Les Misérables como um dos soldados que atacam os revoltosos estudantes, sendo apenas um de vários atores de teatro que aparecem em cameos pelo filme. O mais espetacular destes fugazes aparecimentos de um ator do palco é certamente o de Colm Wikinson, o original Valjean, como o Bispo, cuja influência, tanto no livro como na peça, é incalculável. Há uma magnífica benevolência e respeitabilidade na sua pequena performance que planta as sementes para a estrondosa redenção espiritual de Jean Valjean, sem as quais o filme não funcionaria.

Abandonando esta (desnecessariamente?) extensa análise do elenco, formalmente o filme é imensamente inconsistente, se geralmente eficaz. Já aqui falei das desastrosas escolhas fotográficas de Hooper e do seu diretor de fotografia, mas tal não é auxiliado pela indisciplinada montagem que, para além de desnecessariamente apressada, tem momentos de pura incompetência, como numa das primeiras confrontações entre Valjean e Javert.




A concretização visual do mundo de Les Misérables, apesar de mal fotografada, é impressionante. Os cenários estão repletos de texturas e ricos em preciosos detalhes que muitas vezes reforçam as escolhas dramatúrgicas apontadas pelo texto. Apenas o cenário da Rue Plumet, onde se constrói a barricada dos estudantes aquando da Revolta de 1832, deixa um pouco a desejar, nunca deixando de parecer um cenário construído dentro das paredes de um estúdio. A caracterização premiada pela Academia de Hollywood e os figurinos de Paco Delgado são igualmente exímios, especialmente no que diz respeito à construção de cuidadas narrativas cromáticas ao longo do filme a partir das roupas do enorme elenco. E, como fã da obra de Victor Hugo, adoro os detalhes, retirados do livro mas nunca explícitos pelo texto do filme, que marca presença nas criações de Delgado.

É claro que num musical, ainda mais importante que a concretização visual é o som. Já referi a sensata e tecnicamente aventurosa escolha de fugir ao playback, mas tenho de realçar também a maravilhosa e opulente orquestração feita à música do musical de teatro. O filme, somente pela sua grandiosa banda-sonora, ganha uma qualidade épica apenas rivalizada pela adaptação de Raymon Bernard da obra de Hugo.



Eu tenho perfeita noção que mostro imensa dificuldade em ter uma visão minimamente objetiva deste filme, mas Les Misérables tem um lugar demasiado grande no meu coração. O projeto na sua forma final é um filme problemático, disso não há dúvida, mas, mesmo assim, o impacto que tem em mim, como membro da audiência é incalculável. Especialmente no final, nunca consiga evitar ser arrebatado pela forte espiritualidade da resolução, pela apaixonante qualidade da música, pela humanidade das personagens. Basicamente, nunca consigo evitar desfazer-me em lágrimas e, mesmo que seja só desta vez, tenho de abandonar quaisquer pretensões de sofisticação intelectual e simplesmente celebrar a potente reação emocional que esta obra de cinema consegue em mim despertar.


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