Em 99 Casas, Michael Shannon interpreta
o Mefistófeles do pacto faustiano a que a personagem de Andrew Garfield se
submete, em busca de algum semblante de segurança económica para si e a sua
família depois de se ver despejado da casa onde tinha crescido. Shannon é Rick
Carter um empresário do mundo da imobiliária que é um dos grandes responsáveis
pelo despejo da família central à narrativa do filme de Ramin Bahrani.
O cinema americano não é muito apegado ao realismo social
pelo que 99 Casas, independentemente de algumas das suas fragilidades e
lugares comuns, é uma estranha preciosidade no panorama do cinema independente
americano, mostrando uma realidade que parece amedrontar muitos dos seus mais
ousados autores. Mas não estou aqui para explorar a qualidade deste filme, mas
sim para examinar o trabalho do ator responsável pelo seu principal
antagonista, que é tão relevante e prevalente em toda a narrativa que quase se
poderia categorizar como um coprotagonista, juntamente com o Dennis Nash de
Andrew Garfield.
Shannon não é um ator particularmente célebre pela sua
modéstia e subtileza, sendo que, mesmo nos mais sóbrios filmes, o ator tem uma
infeliz tendência para exagerar o seu trabalho de tal maneira que sufoca os
seus filmes e rouba o holofote a quaisquer outros atores que tenham a infelicidade
de com ele partilhar uma cena. Isto, por vezes, resulta de modo formidável,
especialmente quando o ator tem a oportunidade de explodir em turbilhões de
energia neurótica numa posição de protagonismo como acontece em Take
Shelter. 99 Casas é, por isso, uma louvável anomalia na filmografia do
ator, ou, melhor dizendo, é uma surpreendente e eficaz modulação dos seus mais
característicos impulsos e manias em prol da narrativa do filme.
Assim que vemos Rick Carter, percebemos que este é um
indivíduo que transpira veneno e malícia e é aqui que o talento do ator em
pintar as suas personagens com grossas e intensas pinceladas começa a se
mostrar. Não há grande nuance na vil presença de Carter, mas é difícil não se
ficar fascinado pela sua personagem, mesmo quando ele parece ser uma
personificação de todo o vil e desumano oportunismo que tem caracterizado
tantas histórias semelhantes à deste filme, em que magnatas impõem o seu poder
e vão despreocupadamente arruinando as vidas daqueles menos financeiramente estáveis
que eles mesmos.
Mas este não seria um conto faustiano sem um certo elemento
de sedução e rapidamente Rick Carter torna-se no patrão de Dennis e começa a
conduzi-lo por um caminho de crescente e implacável ganância. Não é que o
retrato de Shannon se torne notoriamente mais aliciante, mas há algo de
potentemente credível na sua prestação que nunca permite que Carter se torne
num cartoon, ao estilo do vilão que Shannon interpretou em Man of Steel. No final, é
o dinheiro em si e não o carisma de Carter que levam a que Dennis assine o seu
pacto com o diabo e, ao nunca tentar atenuar a fealdade psicológica da sua
personagem, Shannon ajuda a dar uma refrescante complexidade ao filme. Paradoxalmente, ao evitar a nuance e a subtileza, Shannon ajuda a complicar a
narrativa de 99 Casas.
Alguns dos melhores momentos de Michael Shannon provêm das
cenas em que Carter se encontra em contextos que não o permitem ser a constante
figura de autoridade vilanesca que tanto o caracteriza. Falo de momentos como a
festa que este dá em sua casa, e em que, por uma única instância, Shannon
parece demonstrar alguma variação no seu retrato, que mesclada com o conteúdo
repugnante das suas palavras, apenas serve para exacerbar a vil interioridade
de Carter. Também quando, durante o final, Carter é confrontado com uma crise
imprevista nos seus planos, Shannon é exímio tanto no seu pânico como na
untuosidade da sua manipulação e grotesca desculpabilização.
Michael Shannon oferece em 99 Casas uma formidável
prestação de uma víbora das narrativas económicas contemporâneas, que é mais
assustadora pela sua abjeta falta de subtileza a esconder a sua malícia e pela
desumana casualidade com que vai arruinando as vidas de terceiros. Depois de
uma série de inesperadas nomeações para prémios tão importantes como o SAG e o
Globo de Ouro, parece que Shannon está no bom caminho para alcançar a segunda
nomeação da sua carreira, de novo na categoria de Melhor Ator Secundário. Se
tal acontecer, será uma indicação bem merecida, se bem que isso ainda não é uma
certeza devido à grande instabilidade que tem vindo a caracterizar esta Awards
Season. De momento, eu diria mesmo que o único ator que está completamente
seguro nesta categoria é Mark Rylance, mas nunca se sabe.
Além de Michael Shannon outra das minhas atrizes favoritas no filme é Laura Dern. Você gosta?Definitivamente Laura Dern fez um bom trabalho nesse personagem. Eu amei o seu papel. Fez uma grande química com todo o elenco, vai além dos seus limites e se entrego ao personagem. Esse é um dos melhores filmes baseadas em fatos reais que eu mais gosto além de O Conto que ela também fez no ano passado. É algo muito diferente ao que estávamos acostumados a ver. Sempre achei o seu trabalho excepcional.
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