Depois da sua vitória nos Producers Guild Awards, parece que
The Big Short, A Queda de Wall Street, é um dos incontornáveis favoritos para
o tão desejado Óscar de Melhor Filme. A corrida aos prémios da Academia este
ano tem sido marcada por uma constante incerteza e uma panóplia de surpresas,
pelo que eu me estou a agarrar desesperadamente à esperança que este filme
acabe por sair do Dolby Theatre derrotado, nem que seja apenas nessa categoria.
Estou bem ciente que os Óscares não são, nem nunca foram, um bom barómetro de
qualidade artística, mas, mesmo assim, é difícil encontrar um filme mais
desleixadamente concretizado que The Big Short nesta presente Awards
Season.
Em termos formais, o filme é uma obra de crónica
indisciplina e franca incompetência técnica. A fotografia é prosaica no melhor
dos momentos e ativamente incompetente nos piores, focando-se na cara dos
atores e em composições banais que quase dão a impressão de estarmos a ver um
telefilme da ABC com noções de desproporcional importância própria. Isto não é
ajudado pela montagem enlouquecida em que o conceito de continuidade, lógica
espacial e ritmo dramático são conceitos obscuros e nunca aplicados.
Sinceramente, não percebo o amor pela montagem deste filme, a não ser que as
pessoas estejam a confundir a palavra melhor com a palavra mais, pois este é,
sem dúvida, um dos filmes mais conspicuamente editados dos últimos tempos,
chamando a atenção do público para cada um dos seus hiperbólicos cortes que
pouco fazem senão distrair e demonstrar um desenfreado desespero da parte dos
cineastas em injetar energia num filme que se afoga na sua constante
necessidade de expor informação a partir de longos monólogos.
As intenções dos filmes são francamente nobres ou pelo menos
louváveis, mas a sua execução e, acima de tudo, a sua jocosa abordagem nunca me
deixaram particularmente confortável com a experiência na sua generalidade.
Porque é que se há que insistir tanto num registo de irónica paródia e
constante exacerbação de uma despreocupação ao estilo dos mais irritantes
aspetos da atual bro culture? Talvez
seja melhor falar um pouco de qual é o sujeito do filme antes de prosseguir na
minha listagem de defeitos e fragilidades.
The Big Short apresenta-se como uma exposição da catástrofe que
foi o despoletar da crise económica em 2008, oferecendo às suas audiências um
lugar de primeira fila para o cataclismo ao acompanhar alguns dos poucos homens
que se aperceberam do desastre iminente e conseguiram lucrar a partir do
cataclismo financeiro. O filme também se apresenta como uma explicação
acessível e divertida, ao estilo de programas como o Daily Show ou o Last
Week Tonight, da complicada realidade dos jogos monetários de Wall
Street, sendo que, infelizmente, é impossível olhar o produto final sem
observar ora uma colossal condescendência dos cineastas para com a sua
audiência ora uma estranha e desconfortável atitude de leviano desprezo para
com a importância e seriedade das suas informações que tanto tenta transmitir a
partir de joviais e desnecessários truques cinematográficos.
Um recorrente mecanismo utilizado para supostamente
facilitar a assimilação de informação por parte da audiência é o uso de
celebridades a interpretarem-se a si mesmas e a falarem diretamente para a
câmara. Sei que há quem vá achar isto engraçado, mas para mim pareceu-me sempre
uma declaração de como os cineastas não têm uma ponta de confiança na
capacidade do seu público para se manterem interessados numa narrativa de
importantes aspetos sociais e económicos sem serem distraídos com a visão de
Margot Robbie numa banheira a vomitar uma torrente de informação que a própria
atriz não parece ter bem a noção do que significa. O único destes momentos que
realmente tem esperança de funcionar envolve um casino e Selena Gomez e apenas
resulta devido ao modo como os cineastas realmente parecem estar a usar o
cenário hedonístico como parte essencial da explicação e não como apenas mero
entretenimento barato para um público com uma atenção aparentemente equivalente
à de uma criança hiperativa de 4 anos.
Este é um filme que está constantemente a implorar à
audiência que preste atenção à sua vistosa forma, mas infelizmente, essa mesma
forma é um desastre de indisciplina estilística e o elenco certamente não ajuda
em toda esta construção de sardónico humor e sátira que não contém em si uma
ponta da sofisticação que os cineastas pensam ter alcançado. Não que os atores
ofereçam aqui desastrosas prestações, longe disso. O elenco, maioritariamente
masculino, é recheado de nomes sonantes e todos os atores estão perfeitamente empenhados
em traduzir a abordagem estilística do filme no seu trabalho de personagem. O
efeito final está, no entanto mais próximo de um sketch do SNL convertido num
filme do que numa obra de consistente relevância humana. Basicamente não há
aqui seres humanos credíveis, mas sim uma coleção de coloridas e vácuas caricaturas
que são, surpreendentemente, todas baseadas em pessoas reais que eu não
acredito serem tão ridículas e desumanas na sua apresentação como os palhaços
que vemos em cena neste filme.
Dois atores, no entanto, são de destaque. Steve Carrell está
limitado pela atitude de constante indignação da sua personagem, mas é
fascinante ver o ator investir tanta da sua característica energia no que é
basicamente uma caricatura em constante gritaria de sermões enraivecidos contra
as loucuras e injustiças de um sistema corrupto. Talvez apenas apreciado este
trabalho porque foi com a sua fúria omnipresente que eu mais me identifiquei,
mas o trabalho de Carrell foi certamente, para mim, um dos pontos mais fortes
do filme. Num registo diametralmente oposto temos Christian Bale, que recebeu
uma nomeação ao Óscar de Melhor Ator Secundário pela sua prestação como o
primeiro homem a aperceber-se do desastre iminente resultante da selvagem
manipulação financeira e corrupção do mercado imobiliário. A sua personagem é a
única que parece ser um ser humano minimamente credível e não apenas uma
caricatura bidimensional, sem sacrificar uma certa excentricidade necessária
para o filme não descarrilar do seu tom quando se foca nele. Infelizmente, os
esforços de Bale têm a tendência a cair na mesma indisciplina estilística do
restante filme e a dependência em tiques e vistosas manias é uma grande fonte
de desnecessárias distrações. Mesmo assim há que louvar estes dois atores e os
seus esforços que quase conseguem elevar The Big Short a um patamar levemente
acima da mediocridade que tanto o caracteriza.
Para mim, o maior problema de todo este filme nem é a sua
incompetência formal ou a sua desumana coleção de caracterizações limitadas,
mas sim o seu tom, que já anteriormente referi. Ao investir num constante registo
de insinceridade, The Big Short, que já é um projeto de premissas dúbias quando
celebra o sucesso financeiro de um grupo de homens que se aproveitou da
iminente miséria de milhões de pessoas para ganhar milhões, acaba por ser o
arquiteto da sua própria irrelevância. O filme pretende explorar a doentia
realidade e o perigo de um sistema capitalista caído em completa selvajaria
gananciosa, e estas são ideias importantes para transmitir a uma audiência, mas
eu não penso que reduzir tudo a uma comédia irónica e despreocupada seja a
chave para tal, especialmente quando o tom do filme apenas parece retirar
importância à informação que nos vai sendo dada.
No final, para ver um filme sobre a recessão atual e sobre
as maquinações económicas que levaram a tal eu prefiro ver Inside Job, um
documentário imensamente mais informativo e colossalmente mais sofisticado como
uma obra cinematográfica, ou mesmo Margin Call, cujos epítetos trágicos
conferem uma atmosfera apropriadamente operática ao desastre que pretende examinar.
Não quero com isto afirmar que seja impossível criar uma comédia eficaz sobre a
crise que despoletou em 2008, mas The Big Short não é esse filme,
independentemente dos Óscares que talvez acabe por injustamente ganhar.
Sem comentários:
Enviar um comentário