Ontem publiquei aqui os meus pensamentos sobre Inside Out, o grande favorito para o Óscar de Melhor Filme de Animação deste
ano, pelo que achei ter arranjado a oportunidade perfeita para publicar um
texto antigo que nunca cheguei a aqui colocar. Big Hero 6 foi o vencedor
do Óscar de Melhor Filme de Animação de 2014, e, se tudo correr bem, Inside
Out será o seu sucessor.
Pode ser uma opinião impopular entre amantes de cinema e
pessoas que se achem intelectuais ou coisa semelhante, mas eu não consigo
apagar em mim a chama de adoração que sinto pelos estúdios de animação Walt
Disney. Pode ser uma adoração principalmente alimentada pela nostalgia e por
memórias de um passado ilustre da companhia, mas continuo a achar esse estúdio
uma das mais fascinantes fontes de animação ocidental. Dirigido a crianças?
Infantil? Focado somente no entretenimento fácil e em interesses económicos?
Sim, talvez, mas não é por isso que deixo de antecipar quase todos os anos a
nova obra dessa dita fábrica de sonhos.
Com a aquisição de grande parte do espólio criativo da
MARVEL, os estúdios de animação da Disney terão encontrado a obra de onde Big Hero 6 foi adaptado muito livremente. Não li a obra de origem, mas uma
simples e rápida procura pelo Google traz imagens que praticamente nada têm de
semelhante com o produto final do filme, senão uma leve semelhança de ideias
específicas. Ou seja, este filme, melhor do que a maioria do recente trabalho
desse estúdio, parece ser um perfeito exemplo do apetite capitalista e voraz
por detrás de quase tudo o que sai dos estúdios Disney.
Penso, aliás, ser possível desdobrar muito deste filme e
encontrar as inspirações em outros filmes de sucesso, os pedaços retirados de
outras obras, de outros estilos, assim como as deliberadas escolhas para tornar
esta, uma obra apelativa, comercialmente viável e abrangente do maior número de
possíveis espetadores possível. E isso torna o filme numa obra má? Medíocre?
Pobre? Para mim, pelo menos, não.
O filme desenrola-se à volta de Hiro Hamada, um jovem génio
de catorze anos que vive com o seu irmão Tadashi e tia Cass na futurista cidade
de San Fransokyo, uma mistura arquitetónica entre San Francisco e Tóquio.
Apesar do seu talento para a robótica e inteligência notável, o jovem
protagonista parece mais interessado em participar em combates de robots
ilegais do que se aplicar nos estudos ou a criar algo com real importância
social. Nisto ele contrasta com o seu irmão, um estudante universitário, que,
juntamente com um elenco de coloridos colegas, trabalha num laboratório da
faculdade num projeto pessoal, Baymax, uma espécie de robot enfermeiro, que se
assemelha mais a um marshmallow ou a um boneco insuflável do que a qualquer
tipo de mecanismo frio que normalmente é sugerido pela palavra robot.
Tadashi consegue, finalmente, aliciar o seu irmão mais novo
a candidatar-se à faculdade onde este mesmo anda, culminando tudo isto numa
feira de invenções em que Hiro apresenta os seus minibots, uma criação de
infindáveis usos que consiste em minúsculos robots magnéticos que, controlados
pela mente do utilizador, criam na sua massa qualquer tipo de forma ou
movimento. As possibilidades são infinitas, chamando a atenção, entre outros,
de um suspeito industrial, Alistair Krei. Um incêndio acaba por se deflagrar no
edifício da feira, acabando com a morte de Tadashi.
O filme revela-se
então como uma história baseada à volta da perda pessoal de um adolescente
imaturo, da sua furiosa procura por vingança e de valores familiares e de
amizade que se estendem principalmente à figura impossivelmente adorável de
Baymax, cuja relação com o protagonista é, provavelmente, a parte mais
facilmente apreciada de todo o filme.
Temas de contrastes entre desenvolvimento tecnológico para o
bem da sociedade ou para violência e ganho pessoal são explorados, de melhor ou
pior maneira, assim como, principalmente, a noção de família e da construção de
uma família a partir da amizade, assim como o tema que assombra todo o filme da
perda familiar, não fosse já Hiro um órfão antes de perder o irmão.
A história e as temáticas têm os seus momentos altos e
baixos ao longo do filme, sendo que os momentos de ação perto do final do filme
se revelam um pouco problemáticos para mim, tanto a nível temático como ao
nível de desenvolvimento do enredo e das personagens, especialmente a do vilão
mascarado do filme, cujo conflito parece apenas querer sublinhar os já
explorados temas de vingança e perda expostos na narrativa de Hiro e Tadashi.
Mas, apesar do meu amor pelo desenvolvimento da relação
entre os dois irmãos, assim como pelo geral apelo à educação superior feitos
principalmente na primeira metade do filme, o que mais apreciei neste, foi, sem
dúvida a sua animação. A personagem de Baymax é um particular sucesso, tendo
até nos seus movimentos um estudo rigoroso de como criar uma personagem
instantaneamente adorada por todos, sendo que todas as suas aparições no filme
são puro ouro cinematográfico, e cujo apelo tem de ser forte o suficiente para
a audiência conseguir sentir os ímpetos emocionais a que o filme almeja no seu
final, apesar desta personagem se tratar simplesmente de um robot, cuja falta
de livre arbítrio é constantemente realçada pelo texto do filme.
Também o vilão e a sua enorme massa de microbots roubados a
Hiro durante o incêndio, são uma miraculosa visão de movimento animado. Assim
como há que referir o desenho da cidade que, apesar de um pouco ridícula, nos
traz uma divertida visão futurista dessa amálgama entre duas das mais
visualmente familiares cidades da contemporaneidade.
Há, sem dúvida quem vá criticar o filme, ou quem vá olhar
para ele com a frieza que eu simplesmente não consigo conjurar, e o reduzir a
uma obra menor e pueril do panorama de cinema de animação contemporânea, mas,
para mim, é uma obra essencial, nem que seja apenas pelas personagens, pela
animação, pela relação entre os irmãos, pelo seu desenho geral ou pelo simples
facto de este ser, muito provavelmente, o mais diverso elenco na história
deste, tradicionalmente conservador, estúdio com apenas um dos membros do elenco
principal a ser essa constante personagem masculina e caucasiana.
Em resumo, vejam Big Hero 6, mesmo que seja apenas
para uma hora e meia de divertimento fácil, que apesar dos seus temas, tenho
que dizer, nunca chega aos píncaros de complexidade que os filmes, por exemplo,
da Pixar conseguiam atingir há uns anos atrás. (e que voltaram a alcançar em
2015 com Inside Out)
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