Finalmente, depois de alguns anos de projetos a
aproximarem-se perigosamente do abismo da mediocridade, ou a se atirarem para
as profundezas do abjeto fracasso como no caso de Carros 2, a Pixar
finalmente parece ter voltado à glória que no passado tanto caracterizou o
estúdio. O filme que trouxe esta revitalização artística é, há que dizer, um
dos seus mais ambiciosos desde a sua génese, sendo que é, essencialmente, uma
metáfora prolongada por 102 minutos sobre a complicada maturação emocional de
uma pré-adolescente cujos protagonistas são ideias abstratas personificadas.
Sim, Inside Out é um filme que não tem falta de ambição.
Um dos grandes desafios de Inside Out é aliás, o
modo como é formado por duas narrativas simbioticamente interligadas mas
imensamente distintas, tanto em tom como em abordagem estilística. Um desses
fios narrativos retrata a história de Riley, uma jovem americana que se vê numa
crise emocional depois da sua família se mudar para São francisco, onde a
protagonista não conhece ninguém e onde a solidão e tristeza começam a tomar a
melhor do seu usual otimismo. A outra metade do filme é uma representação simbólica
da viagem emocional de Riley, passada no centro de operações da sua mente, onde
as suas cinco principais emoções a comandam como pilotos de um monumental
mecanismo. Esta equipa é formada por Disgust/Repulsa (Mindy Kaling), Fear/Medo
(Bill Hader), Anger/Raiva (Lewis Black), Sadness/Tristeza (Phyllis Smith) e Joy/Alegria
(Amy Phoeler) que, desde o nascimento de Riley, tem comandado a sua mente com
um sorridente punho de ferro.
Phoeler é, aliás, uma escolha perfeitamente formidável para
esta personificação da alegria, encontrando o perfeito balanço entre a simplicidade
bidimensional necessária para que a personagem funcione como a
antropomorfização de pura emoção, e a complexidade essencial para que Joy seja
uma das protagonistas mais interessantes e perfeitamente construídas em todo o
universo da Pixar. Não que o resto do elenco original não seja igualmente
extraordinário, sendo que Logan, no que é essencialmente um papel de
coprotagonista, é tão fantástica como Phoeler se bem que num registo
colossalmente diferente.
Como disse, Joy e Sadness são as verdadeiras coprotagonistas
de Inside
Out, sendo que a maioria da narrativa se desenvolve em volta da
desenfreada corrida contra o tempo que as duas emoções têm de enfrentar para
voltarem ao centro de operações a seguir a um desastroso acidente. Basicamente,
Inside
Out pega no terceiro ato da maioria dos filmes da Pixar, a
desinteressante perseguição cheia de ação que resolve os complicados conflitos
do enredo, que sempre foi a pior parte da usual fórmula do estúdio, e estende-o
ao tamanho de um inteiro filme. O melhor de tudo é que isto funciona quase
perfeitamente, sendo que este filme tem um dos mais formidáveis guiões na
história do estúdio.
Parte dessa glória narrativa devém da clara influência de
Pete Docter, o mais emocionalmente maturo e aventuroso de todos os realizadores
da Pixar, que ajuda este filme a se afirmar como um dos seus mais ousados a um
nível narrativo e conceptual. Não que tudo isto seja um simples exercício
intelectual, pois Inside Out contém em si uma avassaladora carga emocional. A
final resolução, uma surpreendente celebração e defesa da necessidade de
sentimentos negativas e complexidade emocional como parte do processo de
crescimento, é uma das mais merecidamente lacrimosas na recente história do
cinema de animação. E isto tudo, sem sequer mencionar Bing Bong, uma potente
surpresa que eu não quero estragar a quem não tenha visto esta formidável
explosão de criatividade.
Tal criatividade e impetuosidade conceptual estendem-se também
ao design deste mundo, cheio de imagens tão inesquecíveis como inteligentes na
sua carga simbólica. A ideia de fazer as emoções serem construídas por inúmeras
partículas luminosas é particularmente admirável, assim como o visual de um inferno
de desolação onde o esquecimento condena memórias velhas à inexistência. A própria
escolha das cores na representação das memórias e das emoções é o trabalho de
puro génio, jogando com combinações de cores, ora agradáveis ora repelentes
como meio de facilmente traduzir à audiência que uma mente completamente
dominada por raiva, repulsa e medo não será particularmente saudável.
Mas Inside Out não é apenas uma proeza
de complexa melancolia, sendo que é, na verdade, uma das mais hilariantes
comédias do ano cheia de pequenos detalhes como o jornal lido diariamente por
Anger ou alguns dos mais ridículos pormenores do funcionamento da mente de
Riley. Nenhuma sequência este ano, por exemplo, consegue superar o milagre de
animação que é a cena passada na zona proibida do pensamento abstrato, um momento
tão tecnicamente estonteante quão divertido. Num registo menos ambicioso, o
vislumbre da mente de um gato é provavelmente o singular momento que mais riso
e alegria me despertou em toda a luminosa filmografia da Pixar.
No final Inside Out é uma preciosa raridade
no panorama contemporâneo do cinema supostamente feito para audiências juvenis,
sendo uma gloriosa celebração da empatia humana e uma ode à complexidade
emocional que parece amedrontar mesmo os mais adultos filmes a serem produzidos
pela Hollywood atual. O filme torna dores de crescimento numa das mais
espetaculares viagens emocionais do ano, revelando-se como uma obra essencial
para qualquer cinéfilo, rica em inteligente complexidade mas completamente
acessível assim como uma peça de maravilhoso entretenimento.
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