Depois de ganhar o
Óscar de Melhor Atriz por The Reader, Kate Winslet parece ter
passado de espírito livre e energético do cinema de língua inglesa para uma
perpétua figura de entediante respeitabilidade. O seu trabalho em Mildred Pierce de Todd Haynes foi justamente galardoado com uma vasta coleção
de honras, mas, para muitos dos seus fãs, estes últimos anos têm sido uma prova
de fogo para quem antes era devoto admirador do trabalho da atriz.
Essa fase de
aborrecido e inerte prestígio parece estar a acabar com 2015 a ser um ano de
destaque na filmografia da atriz. Winslet não só participa no popular, mas
horrendo, Insurgent, como também volta a protagonizar uma comédia
idiossincrática em The Dressmaker e parece estar perfeitamente posicionada para
arrecadar mais uma nomeação aos Óscares pelo seu trabalho em Steve Jobs. É exatamente sobre o seu trabalho nesse último filme que eu
gostaria de falar.
Quem tiver lido a
minha crítica do filme biográfico escrito por Aaron Sorkin, certamente já
saberá que eu não tive a mais calorosa reação para com Steve Jobs. Apesar disso,
admito que, como um exercício de atores, o filme é um sólido triunfo, e que,
entre os variados intérpretes, é o trabalho de Kate Winslet aquele que mais se
destaca pela positiva.
A atriz inglesa interpreta
Joanna Hoffman, fiel companheira profissional de Steve Jobs, encarregue do
marketing e de origens polacas e arménias. Essa herança europeia é de
particular destaque no trabalho de Winslet, sendo que o sotaque de Hoffman é o
grande ponto fraco na totalidade da interpretação. Ao longo dos três atos do
filme, a dicção de Winslet vai-se alterando de um modo desajeitado. Num momento
inicial do filme, quando a filha de Steve comenta o sotaque de Hoffman, a
audiência é deixada na confusão completa, pois até aí Kate Winslet apenas insinuara
uma normal maneira de falar à americana. Nos últimos dois atos do filme,
especialmente no do meio, Winslet investe muito mais nesse suposto sotaque,
criando algo que quase sugere a triste caricatura. É uma falha técnica que é
facilmente ignorada, mas quando se revela é imensamente distrativa.
Ignorando esse pormenor, Winslet é uma presença essencial ao
moderado sucesso do filme, sendo a melhor parceira de cena de Fassbender e
funcionando quase como um veículo para Sorkin comunicar e espicaçar a sua
versão de Jobs durante a narrativa do Steve Jobs. Há que não ter ilusões
de falsa complexidade, pois, como está escrita, Hoffman é uma personagem mais
mecanicamente funcional que humana e é o formidável trabalho da atriz que a
torna na mais pulsante presença em toda a construção cinematográfica de Steve
Jobs.
Quer seja a apressadamente discutir com Fassbender ao longo
de corredores ou a coordenar o espetáculo quase teatral que é a apresentação de
um novo produto ao público, Winslet é uma explosão de eficiência e energia
humana. Apesar dos problemas textuais e das limitações temporais, quando
chegamos ao último ato, a Joanna de Winslet parece estar alterada, o peso dos anos
reflete-se no seu modo de lidar com Jobs, no seu discurso e até no seu olhar.
De entre a totalidade do seu trabalho eu gostaria de
mencionar dois momentos de espetacular sagacidade na interpretação de Winslet.
O primeiro ocorre no segundo ato, quando Jobs revela o seu plano para forçar a
Apple a o voltar a contratar. Aqui, há algo de majestoso no modo como Hoffman
começa como uma irada inquisidora mas depressa começa a mostrar admiração no seu
rosto. O sorriso matreiro de Winslet revela algo de fascinante sobre Hoffman,
mostrando como a personagem é mais parecida com Jobs do que talvez queira
admitir e de como está longe de ser a santa que as mais simplistas escolhas de
Sorkin parecem sugerir.
O segundo momento passa-se na grande confrontação do
terceiro ato, de onde deverá vir o Oscar
clip da atriz. Quando Hoffman enfurecida começa a atirar papéis para o
chão, há breves sombras de incerteza na sua postura, como se, por momentos,
Joanna tivesse decidido, como uma atriz, reforçar o dramatismo das suas afirmações,
mas depois começasse a duvidar da sua escolha interpretativa mesmo enquanto
continua a declamar as suas falas.
Num filme que decorre em palcos e bastidores, Winslet torna
Joanan em atriz, encenadora, produtora, assistente e contrarregra dos acontecimentos
à sua volta. Steve Jobs pode ser a estrela deste filme, mas sem a presença da
Joanna Hoffman de Winslet todo o edifício cinematográfico cairia por terra.
Esta não será das mais reveladoras interpretações de Winslet mas é das mais
inteligentes e das mais necessárias dentro do seu filme.
A nomeação para Melhor Atriz Secundária parece estar, de
momento, garantida e, mesmo que eu não a inclua na minha lista no final do ano,
penso que será uma apropriada indicação ao Óscar, assim como uma justa
celebração do regresso de Kate Winslet ao tipo de energético trabalho que tanto
tem enfeitiçado os seus mais devotos fãs.
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