quinta-feira, 5 de novembro de 2015

SPECTRE (2015) de Sam Mendes


 O mais recente filme sobre o charmoso agente secreto James Bond, nome de código 007, começa em pleno Dia de Los Muertos na Cidade do México. O nosso herói, um assassino profissional, apresenta-se vestido de esqueleto, um emissário da Morte, e está em mais uma das suas missões cujo objetivo é eliminar um alvo. A morte é uma constante no universo de James Bond, mas raramente foi tão tematicamente prevalente do que em Spectre, com uma abertura cheia de óbvio simbolismo na mesma medida em que está recheada de elétrica ação. Com uma abertura tão espetacular, a nível visual, sonoro, rítmico e até humano, seria de esperar uma gloriosa e excitante aventura capaz de ameaçar superar Skyfall. Infelizmente, energéticas batalhas em helicópteros sobre uma cidade em coloridos festejos e sublime, se sinistra, atmosfera de mistério não são uma constante em Spectre, sendo que o filme tende a piorar à medida que avança na sua triste história.

 Como já disse, Spectre é um filme sobre a morte, o seu mundo povoado de figuras em luto, moribundas e fantasmas. Os espectros de Casino Royale, Quantum of Solace e, especialmente Skyfall abatem-se sobre Spectre. Fotos das personagens, partes do enredo dos filmes anteriores, mesmo um vídeo da falecida M são uma constante neste filme cujo explosivo clímax decorre na carcaça cadavérica da antiga sede do MI6, repleta de lembranças dos fantasmas desses filmes passados. Um dos maiores erros do filme é precisamente o modo como está sempre a olhar para o passado, forçando a sua audiência a relembrar quão espetaculares dois desses filmes foram e como esta presente obra não lhes chega aos calcanhares.

 O enredo do filme desenvolve-se à volta de Spectre, uma organização malévola que, para além de tentar alcançar o controlo global a partir de horrendos atos de terrorismo e assassínio, tem como alvo pessoal o nosso favorito agente secreto. Interpretado pela quarta vez por Daniel Craig, Bond nunca se apresentou mais cansado com a sua condição como impiedoso assassino, sendo, mais que uma figura de charme fácil e sedutor, uma presença de constante solidão à procura de algo novo. Passando pelo México, por Roma, pela Áustria, Tânger e Londres, este filme é repleto de presenças carismáticas, se simplistas, com duas Bond Girls surpreendentemente interessantes e um vilão originário no passado de Bond. E essa ligação com o passado pessoal de James Bond é o meu maior problema narrativo com o filme que, numa insistência em escavar na backstory do seu herói, acaba por ir aniquilando o mistério que tem, até agora, sido uma componente essencial do apelo da personagem de James Bond, para não falar do vilão principal.

 Interpretado por Christoph Waltz, em mais uma interpretação que emprega os mesmos ritmos, maneirismos e afetações usados pelo ator no seu trabalho com Quentin Tarantino, Oberhausen é o pior vilão com quem o James Bond de Craig alguma vez se deparou. Apesar de uma introdução em glorioso jogo de sombras teatrais, Oberhausen acaba por ser das presenças com menos impacto de Spectre, sendo que quanta mais informação nos é revelada sobre as suas motivações, menos interessante vai ficando a sua presença. No final, apesar dos seus diabólicos atos, a sua derrota parece inconsequente, sendo que Andrew Scott como C, um vilão coadjuvante a Oberhausen, consegue ter uma presença infinitamente mais eficaz, apesar de um final igualmente desapontante. Apenas Dave Bautista como um capanga que quase não faça consegue lembrar alguma da glória dos vilões de outrora e injetar alguma real ameaça num filme em que poucas vezes se sente real perigo. Apenas uma cena de tortura consegue atribuir alguma necessária maldade e ameaça a Waltz, mas mesmo aí, há uma promessa de horror para Bond que acaba por ser, tal como todo o enredo de Oberhausen, inconsequente e esquecível.

 Se os vilões são uma amarga desilusão, as Bond Girls são uma doce surpresa. Monica Bellucci, na posição da Bond Girl inicial que normalmente acaba morta, é de particular interesse, conseguindo miraculosamente injetar um sentido de medo e perigo numa figura perfeitamente descartável nas mãos de uma atriz com menor presença. O modo como a atriz, mesmo assim, consegue perfeitamente mostrar o tipo de estilização sensual de uma Bond Girl clássica é impressionante e apenas me fez desejar que a sua personagem tivesse tido mais tempo de ecrã. Léa Seydoux é a principal Bond Girl de Spectre e, apesar de uma boa interpretação da atriz francesa, é vítima de um guião que força demasiadas expetativas e importância desmesurada na sua pessoa. O filme insiste que ela é a perfeita companheira para Bond, tal como ele nunca antes encontrou, mas, ao mesmo tempo, está-nos constantemente a relembrar a Vesper Lynd de Eva Green, completamente destruindo qualquer ideia de Madeleine Swann como a perfeita amante para o agente secreto. E isto é apenas se considerarmos a história recente do franchise, não estivesse a sombra de Dianna Rigg também a contaminar qualquer esforço de Seydoux. No final, temos de acreditar que Bond deixaria tudo, a sua profissão, identidade, estilo de vida, raisond’être, para ficar com Swann mas, no entanto, a motivação para tais ações e escolhas nunca é particularmente credível.

 Se esquecermos momentaneamente a narrativa, o principal problema técnico e estrutural do filme é um ritmo errático que tem a triste tendência de cair em demasiados momentos mortos. Tirando isso, e uma irritante canção de Sam Smith, o filme segue o caminho recente dos filmes de 007 e é uma maravilha sensorial. A fotografia de Hoyte Van Hoytema é tão bela como é diferente do trabalho formidável de Rodger Deakins em Skyfall. Spectre, ao contrário do seu antecessor, é uma coleção de ambientes fumarentos e suavemente funéreos, onde as cores quentes e fortes são quase completamente ausentes. Há algo de melancólico e deliberadamente frio em todos os elementos do design. Os figurinos de Jany Temime* mostram uma marcada preferência por tons escuros, com pretos e cinzentos a cobrirem a maioria do elenco na sua usual elegância própria dos filmes de Bond. Os cenários de Denis Gassner, longe do exotismo exuberante de anteriores obras do cânone, são discretamente opulentos, com um marcado toque de retro e uma frieza maioritariamente sentida nas construções de metal e vidro como uma importante torre espiralada que interpreta um papel narrativo crucial. Mesmo os sons são um perfeito exemplo de perfeição técnica infundida por uma negrura temática, com a música de Thomas Newman a ganhar uma qualidade fantasmagórica que substitui os ritmos fogosamente energéticos do seu trabalho em Skyfall.

 Spectre está longe de ser um mau filme, sendo que temo estar a ser demasiado negativo nesta minha reflexão. Apesar de uma duração excessiva e um ritmo ocasionalmente entediante, o filme contém algumas das mais gloriosas cenas de alão na recente presença cinematográfica de James Bond. O enredo e o fracassado vilão são a principal problemática do filme que, possivelmente, será o último filme em que vemos Daniel Craig como 007. Mesmo que o ator deixe este franchise, tenho esperanças que o resto do elenco não o siga, sendo Naomie Harris, Ben Wishaw e Ralph Fiennes são das mais agradáveis presenças deste filme, conferindo uma leveza e energia por vezes perdida por entre as assombrações do passado de James Bond e seus filmes. E volto a reforçar que poucas experiências cinemáticas do ano de 2015 são tão simplesmente excitantes como a explosiva abertura de Spectre, independentemente do filme que se segue.


* Se quiseres ler mais sobre os figurinos deste filme, consulta Spectre | A elegância intemporal de James Bond, um artigo que escrevi para a Magazine HD.


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