O LEFFEST ’15 teve o
seu início ontem. Como filme de abertura em Lisboa, foi Anomalisa de Charlie
Kaufman o filme selecionado, mas, numa sessão especial, foi primeiro exibido o
novo filme de Nanni Moretti. Mia Madre já passou por Cannes, e outros
festivais, tendo já arrecadado alguns galardões, entre eles o prémio do Júri
Ecumérico de Cannes.
Para um realizador
que por duas vezes ganhou a honra máxima do festival de cinema mais importante
do mundo, Nanni Moretti é, para mim, uma figura um tanto ou quanto estranha se não
sobrevalorizada. Tenho sempre a expetativa que com um dos seus novos filmes eu
vá perceber esta admiração generalizada que o mundo tem pelo seu trabalho, mas
sempre me acontece o mesmo. Apesar de Mia
Madre estar longe de ser o pior filme que já vi de Moretti, é, mesmo assim,
mais um desapontamento para mim, que espero um dia conseguir compreender o
resto da massa crítica que venera este autor italiano.
O filme vai buscar a
sua história a inspirações reais da vida do realizador, não fosse a
protagonista do filme, Margherita (Margherita Buy), uma realizadora de cinema.
Quando filmava Habemus Papam, Moretti
foi confrontado com o definhar e morte da sua mãe, e aqui também Margherita se
depara com o fim da sua matriarca aquando das difíceis filmagens de um novo
filme. Acrescentamos a isto uma relação tempestuosa entre a realizadora e Barry
Huggins (John Turturo), uma estrela de Hollywood envolvida neste novo filme, e
uma boa dose de sonhos da protagonista e temos o esqueleto narrativo de Mia Madre.
Muitos têm proclamado
este filme como uma das obras mais comoventes do ano, e tenho de admitir que é
difícil negar as emoções suscitadas pelo filme nos seus melhores momentos. Isto
deve-se tanto a um guião de carácter extremamente pessoal, assim como a uma
coleção de exímias interpretações, nomeadamente as de Margherita Buy e Giulia
Lazzarini como a mãe da realizadora. Buy tem alguma tendência em cair nas mais
melodramáticas tendências do texto, mas ao mesmo tempo mostra uma refrescante
vulnerabilidade, para além de ser o único intérprete no filme que consegue pôr
a funcionar o humor forçado de Moretti. Mas é Lazzarini a chave do filme, com
um papel tão humano como simbólico a atriz é impressionante no modo como
conjura uma visão de uma mulher inteligente e independente a progressivamente
perder o controlo de seu corpo, mente e existência. As cenas entre as duas
atrizes são as melhores do filme e graças ao seu trabalho, quando a perda final
ocorre, é difícil não nos deixarmos levar pelo sofrimento que pulsa do ecrã.
Infelizmente, o filme
não é apenas um comovente, se simples, retrato do definhar de uma mulher e sua
relação com seus filhos, sendo que Moretti interpreta o irmão de Margherita num
gesto que parece indicar algo de expiação cinemática. O realizador, como me
parece ser usual na sua filmografia, tenta injetar uma leveza humorística em
contraste com a tragédia humana e, como tem sido usual no seu trabalho, a
comédia é da mais forçada e irritante que se encontra no panorama do cinema de
autor contemporâneo. Eu percebo que é suposto que Turturo seja insuportável
como Huggins, mas há um exagero imensamente grotesco na sua presença que longe
de expor um ator caprichoso, apenas nos revela um ator mal dirigido por um
realizador à procura de um humor fácil e francamente estúpido. Mesmo os
momentos cómicos que não giram à volta do deplorável trabalho de Turturo são,
na sua maioria, intragáveis, corroendo mesmo os momentos mais íntimos e bem
construídos da história familiar.
Outro elemento que me
deixa muitas dúvidas é o uso insistente de sonhos de Margherita, simplesmente
porque nunca me convenço pelo estilo de Moretti. O realizador, apesar da sua
fama de autor consagrado, tem uma abordagem estilística que, por vezes, mais se
assemelha a um filme televisivo. Planos médios e close-ups predominam, cenas
bem iluminadas e com ar de polida eficiência são a norma, e as composições são
sempre o mais básico e desinteressante imaginável. Há algo nos filmes de
Moretti que ultrapassa a mera austeridade, classicismo ou mesmo simplicidade
cinemática, e que ameaça sempre sugerir uma certa displicência por parte do seu
realizador.
Apesar disso, quando Mia Madre funciona, nomeadamente nos
seus momentos de maior sinceridade emocional, há algo de tocante na sua
humanidade latente. Numa cena de jantar, a personagem de Moretti brinca que “a
realizadora tem sempre razão”, o que, infelizmente, não poderia estar mais
longe da verdade quando somos confrontados com Mia Madre. Neste filme a delicadeza emocional é fruto do trabalho
do elenco e de um texto de Moretti que, ocasionalmente, consegue encontrar
transcendência humana na sua simples sinceridade emocional.
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